Nas
últimas campanhas para a Presidência do Brasil, não
houve candidato que não defendesse o combate à fome
e à pobreza no País. Mas, ainda que as promessas tenham
sido levadas adiante e o índice de crianças mal alimentadas
tenha diminuído ao longo dos anos, o problema permanece.
Nos últimos meses, com a ascensão do Partido dos Trabalhadores
(PT) à Presidência da República, esse assunto
passou a ser amplamente discutido. Para solucionar a questão,
prioridade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo
criou o Programa Fome Zero e o Ministério Extraordinário
de Segurança Alimentar.
Explorado
pela mídia à exaustão, o assunto é pauta
constante dos veículos de comunicação e, por
isso, os brasileiros acreditam que o problema real é a fome.
Mas, surpreendentemente, não é, pelo menos na visão
de pesquisadores ouvidos pelo Jornal da USP. “O único
lugar do mundo onde há fome é a África, ao
sul do deserto do Saara. No Brasil, não há fome –
há desnutrição”, afirma a professora
Ana Lydia Sawaya, chefe do Departamento de Fisiologia da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Centro de
Recuperação e Educação Nutricional (Cren).
Embora
aparentemente semelhantes, fome e desnutrição têm
significados bastante distintos, ainda mais quando o país
em questão é o Brasil, dono de grandes extensões
de terras férteis. Com uma produção agrícola
de dar inveja às nações mais desenvolvidas
do mundo, o problema da população brasileira é
a má alimentação, que não atinge apenas
os desfavorecidos, mas também as classes abastadas, que não
se preocupam em manter uma alimentação diária
saudável.
Tendo
conhecimento do trabalho que Ana Lydia desenvolve no Cren –
instituição sem fins lucrativos que trata da desnutrição
em crianças carentes –, o professor Gerhard Malnic,
diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, convidou
a pesquisadora no início deste ano para criar o Grupo de
Estudos em Nutrição e Pobreza do IEA, do qual já
fazem parte, além dela, seis docentes: Ulisses Fagundes Neto,
chefe do Departamento de Pediatria e vice-reitor da Unifesp, Luis
Gaj, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
(FEA) da USP, Sandra Maria Sawaya, da Faculdade de Educação
da USP, Dalton Ramos, da Faculdade de Odontologia da USP, Semiramis
Martins Alvares Domene, da Faculdade de Nutrição da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas,
e Rui Curi, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB)
da USP. “É a universidade que se coloca a serviço
da sociedade para desenvolver uma metodologia de intervenção
para o combate à desnutrição e à pobreza
no Brasil”, ressalta Ana Lydia, coordenadora do grupo. Para
ela, o problema ainda persiste porque não foi usada uma metodologia
adequada que aborda a sua execução. “O estudo,
a pesquisa e a extensão universitária na área
foram negligenciados.”
O primeiro
encontro do grupo ocorreu no dia 28 de março e o segundo
está previsto para 16 de maio. A intenção é
realizar reuniões periódicas, em que possam ser discutidos
temas relacionados à desnutrição e à
pobreza. A partir daí, o grupo deverá elaborar documentos
para divulgação e organizar mesas-redondas com pesquisadores,
membros do governo e organizações da sociedade civil.
O que se pretende é ir além das discussões
teóricas e utilizar, na prática, tudo o que será
discutido. “Para eliminar os grupos subnutridos, o principal
meio é a divulgação desses conhecimentos através
de programas educacionais. Existe um índice de desnutrição
elevado nas creches e um trabalho educacional é o principal
elemento para irradiar a experiência que o Cren já
tem no combate à desnutrição. E, junto com
isso, é importante a criação de mais centros
de recuperação para a formação da rede”,
explica o professor Luis Gaj.
Ainda
que, para algumas pessoas, a eliminação da desnutrição
no Brasil pareça mais uma tentativa frustrada, para os membros
do grupo ela é perfeitamente possível. E mais: a idéia
é que o Brasil também se torne um exemplo de erradicação
do problema, assim como o Chile e a Tailândia. Mas, para conseguir
alcançar essa meta, Gaj aponta que é imprescindível
que o trabalho do grupo seja coeso e direcionado para objetivos
comuns. “Não é uma dificuldade, mas um passo
a ser superado.”
Inflação
nas alturas – A desnutrição está intimamente
ligada às condições de pobreza da sociedade.
Com a alta da inflação, a dificuldade para se comprar
alimentos fundamentais para uma alimentação rica e
balanceada é cada vez maior. Segundo dados do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 1999 aproximadamente
14% da população brasileira era composta de famílias
com renda inferior à linha de indigência – ou
seja, com renda mensal abaixo de R$ 60 – e 34%, de famílias
com renda inferior à linha de pobreza. Assim, pode-se dizer
que 22 milhões de brasileiros podiam ser classificados como
indigentes e 53 milhões, como pobres. Resultado: as crianças
não consomem os nutrientes necessários para o seu
desenvolvimento e acabam ficando com o peso abaixo do correspondente
à sua estatura ou com uma baixa estatura para sua idade.
“Um
aspecto importante nesse trabalho de erradicação é
considerar a desnutrição como uma doença a
ser tratada. Se a criança continuar desnutrida, terá
problemas futuros de aprendizagem na escola. A desnutrição
não é só um problema de saúde, é
também um problema mental, um problema de recuperação
da criança para a sociedade”, diz Gaj. Por isso ele
ressalta a importância de os centros de recuperação
realizarem o hospital-dia, tratamento específico para crianças
com problemas mentais que hoje é reconhecido pelo sistema
de saúde e feito nos hospitais: a criança, ao invés
de ficar internada, vai diariamente ao hospital se tratar e depois
volta para casa. “Não temos esse tratamento no Cren.
Quando tivermos, isso vai facilitar muito a congregação
das entidades que fazem esse tipo de trabalho de erradicação
e vai ajudar a encontrar uma viabilidade econômica para o
combate à desnutrição, que hoje depende de
doações”, afirma o professor da FEA.
Diante
de um momento crítico na história da política
brasileira, em que a inflação e a alta dos preços
assustam até a classe média, a mensagem do professor
não é desanimadora. Pelo contrário, a seu ver,
a alimentação básica se mantém estável
e, embora os pobres sejam os mais prejudicados com o aumento dos
preços, a política atualmente empregada pelo governo
é correta. Gaj não faz críticas ao Programa
Fome Zero: “A idéia de combater a pobreza e a fome
é altamente positiva. A forma de se fazer isso vai sendo
afinada com o tempo. Não acredito que seja uma experiência
em que a gente possa ter um resultado imediato. Não tenho
críticas ao sistema ainda. É muito cedo para avaliar
e criticar”.
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