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O
estudo revelou que existem grandes diferenças entre
as áreas pobres do Município. Portanto, para
os autores, as ações não podem ser homogêneas,
mas devem respeitar suas peculiaridades |
A
cidade de São Paulo abriga 2,1 milhões
de pessoas que vivem com até 1,5 salário mínimo
por mês, segundo o Censo de 2000. Isso significa que cerca
de 20% da população do Município vive em situação
muito precária. Para estudar melhor as necessidades dessa
e das demais camadas da população, a Secretaria de
Assistência Social (SAS) da Prefeitura encomendou ao Centro
de Estudos da Metrópole (CEM) – entidade ligada à
Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Fundação
Seade, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap),
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, Sesc e Fapesp
– um mapeamento da vulnerabilidade social do Município
de São Paulo, com informações sobre o acesso
(ou a falta dele) da população a equipamentos públicos
como unidades de saúde, escola e lazer, entre outros. Os
resultados do trabalho do CEM mostram que os bairros mais vulneráveis
se localizam em áreas de proteção ambiental
ou nas fronteiras do Município, como Jardim Ângela,
Grajaú, Pedreira, Campo Limpo, Jardim São Luiz, Jardim
Helena, Guaianases, Lajeado, Cidade Tiradentes, Iguatemi, Sapopemba,
São Mateus, Itaim Paulista, Peres, Anhangüera, Cachoeirinha
e Brasilândia.
Encabeçado
pelo professor do Departamento de Ciência Política
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)
da USP Eduardo Cesar Marques, o Mapa de vulnerabilidade social de
crianças e adolescentes no Município de São
Paulo será finalizado em junho, mas já traz informações
surpreendentes até mesmo para quem trabalha com assistência
social. “A Prefeitura de São Paulo nunca teve um estudo
desse tipo nas mãos, e nunca fez um plano municipal de assistência.
Esse mapeamento é um instrumento de diagnóstico da
cidade que nos ajuda a conhecer os níveis de desigualdade
até mesmo entre as camadas pobres”, comenta a assistente
social Dirce Koga, assessora técnica da SAS. Segunda
ela, até há pouco tempo as políticas sociais
trabalhavam com o conceito de “ilhas de pobreza”. “Hoje
percebemos que São Paulo possui ilhas de riqueza e um mar
de pobreza e exclusão. Conhecer esse mar é um desafio
imenso.”
O professor
Eduardo Marques explica que o olhar político predominante
há poucos anos – surgido na década de 70 –
considerava a periferia como algo homogêneo. A literatura
científica contempla, por exemplo, o modelo radial-concêntrico,
no qual a pobreza aumenta quanto mais distante se está do
centro da cidade. Nos últimos anos, porém, essa teoria
vem sendo questionada e, com o Mapa de vulnerabilidade, é
possível detectar que essa lógica não é
mais condizente com a realidade. Existe um padrão muito mais
heterogêneo de distribuição da estrutura social
no espaço. “Constatamos
que, ao invés de pobreza, há pobrezas. Existe uma
diferença muito grande dentro de cada um dos anéis
de pobreza de São Paulo”, analisa Marques. Hoje, segundo
ele, os piores lugares agregam uma “assustadora cumulatividade
de precariedades”. Na década de 70, as áreas
mais vulneráveis eram “menos piores” que as mais
vulneráveis de hoje, diz.
O estudo
é importante também porque trabalha com os setores
censitários, mostrando as condições de vida
dos paulistanos “com uma lente mais refinada”, segundo
Dirce. O grupo trabalhou com 717 grids, áreas de 1,5 quilômetro
quadrado e que englobam 28 setores censitários cada uma –
14 mil habitantes, em média. Com isso, é possível
observar as peculiaridades de cada comunidade e agir pontualmente,
deixando de criar políticas homogêneas como até
então se fazia. “É preciso redinamizar os espaços,
atuando de maneira intersetorial. Não adianta, por exemplo,
apenas construir habitação sem prover equipamentos
de educação, lazer e saúde para aquela população”,
acredita. A assistente social defende que o sistema está
montado de forma centralizada, mas que com o auxílio do Mapa
de vulnerabilidade é possível criar políticas
diferenciadas para comunidades diferentes, já que “pode-se
avaliar se a existência dos serviços em que a secretaria
tem investido estão próximos ou não daquelas
famílias com maior necessidade”.
A partir
do mapeamento do CEM, a primeira conclusão da SAS é
que os equipamentos públicos não estão nas
áreas de maior vulnerabilidade. Em alguns distritos, eles
são quase ausentes, muitas vezes por falta de “vontade
política” ou por questões ambientais. A explosão
demográfica fez com que muitas pessoas ocupassem áreas
de proteção ambiental, onde o governo não pode
construir uma escola ou redes de esgoto. “A ocupação,
que aconteceu na cidade de forma desordenada, fez com que parte
da população morasse onde a cidade não é
cidade”, analisa a assistente social. Outra questão
que preocupa a SAS é a falta de serviços públicos
voltados à população de 0 a 19 anos. “Não
há um investimento específico para essa faixa, que
tende a crescer muito. Os Espaços Gente Jovem (EGJ), por
exemplo, são muito mais um reforço escolar que uma
alternativa para o tempo livre do adolescente. Precisamos
reverter isso”, analisa.
Violência
e vulnerabilidade juvenil – Um ponto importante revelado pelo
Mapa de vulnerabilidade é o local onde residem os menores
infratores, adolescentes em medida socioeducativa na Febem ou em
Prestação de Serviço à Comunidade (PSC).
Ao contrário do que se pensava, nem sempre eles moram nas
áreas mais vulneráveis, mas sim na periferia. “Isso
é interessante do ponto de vista do estigma social. Quem
mora em lugares muito precários sofre preconceito na hora
de arranjar um emprego. O estudo mostra que a grande maioria dos
jovens que cometem crimes não está em condição
social muito alarmante”, comenta Dirce. “Para entrar
no mundo do crime, o jovem precisa ter pelo menos algum dinheiro.
Aqueles muito pobres não têm nem postura para isso”,
afirma Marques.
Vale,
portanto, revelar em quais distritos acontecem crimes como homicídio.
No ano de 1999, as causas externas de óbitos somavam 78%
dos motivos que levaram jovens de 15 a 19 anos à morte. Dessas,
60% tiveram o homicídio como causa. De acordo com o relatório
do Mapa de vulnerabilidade, os casos se deram principalmente em
regiões periféricas, com destaque para Campo Limpo,
Jardim Ângela, Parelheiros, Grajaú, Pedreira, Cursino,
Sacomã, São Rafael, José Bonifácio,
Brasilândia, Cahoeirinha e Raposo Tavares. Entre 1998 e 2000,
dos 13.713 homicídios, 8.484 se concentravam na faixa de
10 a 29 anos da população e 94,2% das vítimas
eram do sexo masculino.
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Marques:
diferentes anéis de pobreza |
A presença
da vulnerabilidade na camada jovem da população, no
entanto, não se restringe à violência física,
cujo melhor dado de representação é a taxa
de homicídio. Meninas estão se tornando mães
cada vez mais cedo e muitos dos seus filhos nascem com peso abaixo
do normal. De acordo com dados de 2001, das mais de 172 mil crianças
nascidas no Município de São Paulo, 28 mil tinham
como mãe uma jovem de 10 a 19 anos. Isso significa 16,25%
dos nascimentos. Entre o total, 205 não tinham escolaridade
nenhuma. O CEM mapeou as mães jovens com até sete
anos de escolaridade e constatou que a concentração
maior se dá nos extremos do Município e em alguns
pontos da zona central e da zona oeste, como Butantã e parte
do Morumbi.
A existência
de mães jovens, independentemente de sua escolaridade, não
se mostrou tão concentrada. Nesse aspecto, bairros como Vila
Matilde, Moema e Barra Funda apresentaram taxas elevadas. O motivo,
apontado pelo relatório, é que nesses distritos o
índice de natalidade em geral é pequeno e, por isso,
filhos de mães jovens representam mais de 20% dos nascimentos.
Além desses três bairros, as zonas fronteiriças
também foram apontadas como possuidoras de altas taxas de
mães jovens e, segundo o estudo, o que contribui para isso
é o fato de elas terem menos acesso a serviços públicos
e uma maior taxa de atraso escolar (este último motivo pode
também ser uma conseqüência). A conclusão
do relatório apontou a presença esmagadora da zona
sul nas variáveis de vulnerabilidade juvenil.
Educação
– Para intrigar ainda mais os estudiosos, o Mapa de vulnerabilidade
mostrou que o índice de alfabetização e atraso
escolar, apesar de se concentrar nas periferias, coexiste na região
central. A defasagem, que atinge cerca de 40% dos alunos, é
menos concentrada que o analfabetismo. Ela atinge grids de áreas
do Município mais favorecidas do ponto de vista socioeconômico.
Isso pode ser explicado pelo fato de crianças de várias
regiões de São Paulo freqüentarem escolas das
áreas mais centrais, especialmente no eixo da avenida Paulista.
A concentração de alunos em defasagem é maior
nas subprefeituras de Campo Limpo, M’Boi Mirim, Freguesia
do Ó, Guaianases, Sé, Mooca e Vila Maria. No Cambuci,
além de haver alta taxa de analfabetismo, as escolas oferecem
pouca infra-estrutura de atividades extraclasse, como laboratórios
e bibliotecas.
É
de 40% a taxa de professores de 1ª a 4ª série que possuem
formação superior. Os extremos do Município
também apresentaram taxas menores que a média. De
acordo com o relatório, “esses locais deveriam ser
alvos preferenciais de políticas educacionais específicas”.
O padrão radial-concêntrico de segregação
parece ser muito mais forte na educação do que no
item renda, já que provou-se existir bolsões de riqueza
distantes do centro ao mesmo tempo em que a maioria dos índices
escolares é pior quanto mais periférica for a região,
salvo raras exceções.
Saúde
– Para tentar mensurar o grau de insalubridade e as precárias
condições de habitação da população,
o CEM mapeou as internações pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) de crianças de 0 a 5 anos cuja causa
fora pneumonia. Nos anos de 1999 a 2001, cerca de 16 mil Autorizações
de Internação Hospitalar (AIH) concedidas pelo SUS
na cidade de São Paulo foram para crianças com problemas
respiratórios. Isso representa 25% das causas de AIH infantis.
Desse total, 3.699 casos eram de crianças com pneumonia e
que moravam em favela ou próximo dela – isso significa
40,8% dos casos de pneumonia de todo o Município. Segundo
o relatório, “em alguns casos, as internações
se concentravam ao longo de uma ou duas ruas do bairro”. A
conseqüência da exposição a riscos sócio-habitacionais
“é muito mais visível nas crianças”,
considera Dirce. As principais regiões que sofrem esse problema
são a zona sul (Grajaú, Cidade Dutra, Cidade Ademar
e Pedreira), parte da zona leste (Jardim Helena e Itaim Paulista),
o redor da Cidade Universitária e o extremo da zona norte
(Brasilândia, Freguesia do Ó e Cachoeirinha).
Ainda
sobre saúde pública, o estudo mostra que portadores
do vírus HIV não moram necessariamente na periferia:
a Aids atinge todas as parcelas da população. Para
Marques, as classes sociais têm acesso à doença
de diferentes formas. A população carente se expõe
ao vírus por meio de relações sexuais, enquanto
as drogas injetáveis aumentam a transmissão da doença
entre as classes mais abastadas. O resultado é que tanto
os ricos quanto os pobres procuram tratamento em órgãos
públicos, já que os custos são muito altos
na rede privada. E a isso se deve a existência de taxas elevadas
na região sudoeste do Município, onde se chega a 25
mil internações a cada 100 mil habitantes. Os distritos
onde a concentração de pacientes é maior são
o Centro histórico, Sé, Mooca, Bela Vista e Santa
Cecília. Muitos dos casos do Centro são advindos da
população de rua e moradores de cortiços. Outra
informação que chamou a atenção dos
pesquisadores do CEM é que há preponderância
de casos na zona norte, se comparadas com as taxas da zona sul.
No
balanço geral, o relatório conclui que “as longas
distâncias e a concentração de equipamentos
mais sofisticados nas áreas centrais desestimulam a procura
pelos serviços” devido aos altos custos para a população
mais pobre, como o transporte e o atraso no local de emprego, já
que o atendimento costuma demorar. Na região central, as
condições de habitação precárias
dos albergues, cortiços e outras moradias coletivas aumentam
a disseminação de doenças, o que coloca distritos
centrais com maiores taxas de internação por todas
as doenças levantadas pelo estudo. Sé, Pari, Barra
Funda, Bom Retiro e Belém estão ao lado de regiões
dos extremos do Município, como Jaçanã, Brasilândia,
Itaim Paulista, Tremembé, Cidade Dutra e Vila Medeiros, com
altas taxas de internação não só por
Aids, mas também por pneumonia, tuberculose, diabetes, doenças
hipertensivas e infecciosas de veiculação hídrica.
Serviços
públicos – Os serviços de água, esgoto
e coleta de lixo cobrem quase que 100% do Município de São
Paulo. No entanto, qualquer porcentagem próxima de 1% exclui
mais de 100 mil pessoas. O Censo de 2000 mostrou que 40.734 domicílios
não eram providos de rede de água, 308.873 não
possuíam rede de esgoto e 23.652 não eram beneficiados
pela coleta de lixo. Os distritos mais atingidos são sempre
os mesmos: em torno das represas Billings e Guarapiranga, Anhangüera,
Perus, Iguatemi, São Rafael, José Bonifácio
e Tremembé. Os distritos com piores acessos a equipamentos
de serviço público, em termos de distância e
concentração de população vulnerável,
são Brasilândia, Grajaú, Jardim Ângela,
Parelheiros, Cidade Tiradentes, Itaim Paulista e Perus. Nesses lugares,
poucos são os serviços oferecidos para jovens, idosos,
portadores de deficiência, crianças (como creches)
e população em condição de rua (abrigos).
A distribuição
de renda também é uma preocupação para
a SAS. Cerca de 77 mil chefes de família recebem até
um salário mínimo por mês. Eles residem nas
periferias de São Paulo e próximo a regiões
fronteiriças, locais “em que nem uma prefeitura nem
outra assume as responsabilidades”, segundo a assistente social.
Nessas áreas, o ganho mensal reduzido é incapaz de
assegurar sequer o nível de indigência de um dólar/dia
aos membros da família. E para piorar ou reproduzir a miséria,
faltam equipamentos públicos que assegurem vida digna ao
cidadão. “Ninguém assume a região fronteiriça.”
Os
planos para 2003 – Cerca de 90% das atividades da SAS é
formada por parcerias, a partir de convênios com entidades
que prestam algum tipo de serviço. O objetivo é agilizar
esses serviços, apoiando e investindo em ações
que já existem e estão adaptadas às características
próprias da região. Por outro lado, muitas vezes “há
concentração dos serviços em regiões
pouco vulneráveis, como no distrito de Pinheiros”,
comenta Dirce. “Nem sempre a SAS teve uma política
clara de parceria e houve momentos em que fez parceria com entidades
idôneas mas que proviam atividades que não eram coerentes
com a demanda daquela região”, explica. A partir do
diagnóstico produzido pelo CEM, será possível
rever as parcerias de acordo com as áreas de maior vulnerabilidade,
além de qualificar os serviços. “Precisamos
exigir que nossos parceiros ofereçam serviços de qualidade.
O fato de ser público não pode ser sinônimo
de ruim”, finaliza.
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Na
fronteira entre municípios, nenhuma prefeitura assume
responsa
bilidades |
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