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Em pleno século 21, a dúvida que atormenta a humanidade desde o início dos tempos permanece. Afinal, existe vida extraterrestre? Num universo povoado por bilhões de estrelas e um número indefinido de planetas, seríamos nós, os terráqueos, os únicos habitantes inteligentes? Nenhum vizinho para ameaçar e perturbar nosso reinado absoluto?

Pela primeira vez, surge uma esperança um pouco mais concreta de responder a essas perguntas. Está sendo construído o satélite Corot (sigla em inglês para convecção, rotação e trânsitos planetários), que a partir do uso da fotometria permitirá detectar planetas do tamanho da Terra, onde a possibilidade de existir vida é maior do que nos outros astros identificados até agora.

O projeto é inovador e tem a chance de produzir grandes avanços na astronomia. E o Brasil também fará parte dessas descobertas. O Corot é uma iniciativa francesa, com a participação de vários países europeus e do Brasil através de cientistas da USP, das universidades federais do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte e de Minas Gerais, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da Agência Espacial Brasileira, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Observatório Nacional do Rio de Janeiro. “É a primeira vez que astrofísicos brasileiros participam da construção de um satélite e essa participação nos dará os mesmos direitos de observação que os europeus”, afirma o professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP Eduardo Janot Pacheco, coordenador da operação brasileira.

O custo total do satélite está avaliado em cerca de US$ 40 milhões, mas o Brasil vai investir apenas US$ 300 mil. Uma das contribuições brasileiras mais importantes será o uso da estação do Inpe em Natal, no Rio Grande do Norte, para a recepção de dados do satélite durante a órbita, o que aumentará em 50% a sua capacidade de observação. Além de Natal, o Corot utilizará uma outra base na Espanha.

A participação brasileira também inclui o envio à França, por um período de dois anos, de cinco ou seis cientistas – dos quais dois professores da Escola Politécnica da USP –, para a elaboração de softwares de alta confiabilidade de controle de solo e pré-tratamento de dados do satélite. “Os brasileiros têm know-how para construir esses programas de controle do satélite, mas o importante é que esses cientistas vão adquirir outros conhecimentos que serão muito úteis para nós no futuro”, diz Janot. Além desses dois aspectos, a operação brasileira compreende também o trabalho de pesquisa de pré-lançamento, que vem sendo desenvolvido com a equipe européia desde o final de 2001.

Tecnologia – Mais de cem planetas já foram identificados até hoje, mas todos têm pelo menos o tamanho de Júpiter. São planetas gigantes, muitos deles gasosos e pobres em sua composição química, elementos incompatíveis com o surgimento da vida tal qual concebida pelos cientistas da atualidade. O problema é que a tecnologia utilizada até o momento se baseava na análise do movimento das estrelas causado pela órbita dos planetas. Mas apenas os planetas de grande massa provocam perturbações perceptíveis.

O Corot vai empregar uma técnica completamente diferente. Através da fotometria, que mede a intensidade e a variação da luminosidade das estrelas, será possível perceber pelo eclipse – ou seja, pela sombra formada durante a sua passagem – quando um planeta transita em frente à estrela. A precisão do satélite permitirá detectar, fora do sistema solar, planetas sólidos e pequenos como a Terra, com condições mais propícias à vida. “É uma tecnologia nunca antes empregada nos estudos espaciais e por isso, no começo, tivemos dificuldades de aceitação do projeto: precisamos provar que temos a precisão suficiente para que a técnica funcione”, diz a coordenadora francesa do Corot, Annie Baglin, que na semana retrasada esteve na USP, acompanhada do cientista francês Michel Auvergne, para acertar detalhes da participação brasileira.

Só a possibilidade de descobrir planetas que suportem vida já é justificativa suficiente para a construção do satélite. Porém, a missão do Corot não se resume a isso. Outro objetivo é estudar a sismologia estelar, ou seja, as oscilações que ocorrem na superfície das estrelas, causadas por perturbações interiores.

Annie conta que o interesse pela sismologia solar surgiu na década de 80, quando foram percebidos os primeiros movimentos na superfície solar. O estudo dos chamados estelemotos, ou tremores estelares, é fundamental para compreender a estrutura das estrelas e prever a evolução de astros como o Sol.

Auvergne acrescenta que a grande vantagem dessa área de estudo é que “as estrelas, entre os componentes do Universo, são os astros mais visíveis, numerosos e acessíveis, por isso mais fáceis de serem estudados”. Janot complementa que conhecer o interior de uma estrela, sua origem e constituição é também desvendar a origem do ser humano, de suas partículas mais ínfimas.

Lançamento – A previsão da coordenadora do Corot é que o satélite possa observar mais de 60 mil estrelas, graças também ao uso da estação receptora de dados de Natal. “O Brasil tem um papel muito importante e complementar para o Corot”, diz Annie. “A localização da antena receptora de Natal vai possibilitar o estudo de muito mais estrelas do que se usássemos apenas a estação européia.” Os estudos que vêm sendo feitos pelos cientistas do Corot indicam que poderão ser descobertas algumas dezenas de planetas de tamanho semelhante ao da Terra.

O lançamento do satélite está previsto para acontecer na Guiana em 2005. A França quer a todo custo cumprir esse prazo, estendendo-o, no máximo, para o início de 2006, segundo Annie. Além da expectativa de novas descobertas para a astronomia, o que entra em jogo é a competição científica. Os Estados Unidos também estão trabalhando num satélite parecido, que utiliza os mesmos princípios, com lançamento previsto para 2008. A eterna rixa entre franceses e americanos alimenta ainda mais essa corrida. E Annie também tem outros motivos para ter pressa. Ela e sua equipe vislumbraram a utilização dessas técnicas antes dos americanos. Efetivamente, a aprovação do Corot aconteceu em 1998 e a construção começou em 2000, mas outros projetos vêm sendo reformulados desde a década de 80, com o surgimento do interesse pela sismologia estelar.

O Brasil, além de participar da construção e, se tudo correr bem, das conquistas do Corot, tem o direito também de desenvolver até cinco programas de observação espacial. Segundo Janot, os cientistas da operação Corot/Brasil estão se reunindo para definir qual a melhor forma de usar esse benefício.

 

Mais informações sobre o satélite Corot estão disponíveis na página eletrônica oficial do projeto (http://corot.astrsp-mrs.fr)

 

Annie Baglin, Janot Pacheco
e Auvergne:
cálculos supõem que satélite
poderá
descobrir algumas dezenas de planetas de tamanho semelhante
ao da Terra
 




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