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A minivila olímpica, em fase de construção na Cohab Adventista: projeto é resultado de uma visão comprometida e participativa da geografia social

 

 

Sexta-feira, cinco horas da tarde. Trânsito infernal na Paulicéia. O carro segue na Marginal Pinheiros, sentido Santo Amaro. Próximo à Ponte João Dias, vira à direita, na Estrada de Itapecerica, principal elo entre a capital paulista e os subúrbios da zona sul. No caminho, curvas permeadas por um comércio desajeitado e alguns prédios pequenos, onde moram famílias enormes. No centro, um corredor onde circulam centenas de ônibus lotados. É o cenário da periferia. Ao longe, é possível ver casas escalando os morros íngremes, enquanto, em frente, erguem-se construções como o novo terminal do Metrô da região. Eis que o carro adentra o território do Capão Redondo, bairro que se tornou um ícone da violência urbana em São Paulo. É o fim da viagem, que durou cerca de 40 minutos. Uma paisagem que não agrada muito o olhar, mas que se repete ao longo das linhas limítrofes do centro. É a Cohab Adventista, onde moram 20.380 pessoas, a maioria em construções bastante pobres e sem nenhuma infra-estrutura, que se uniram umas às outras num tom de solidariedade.

A casa de Maria José Guimarães, a dona Zezé – como é conhecida a presidente da Sociedade Amigos do Conjunto Modelar –, é um dos principais pontos de encontro. Localizada na travessa Árvore da Seda, na esquina de uma ladeira, tem uma entrada discreta. A porta da sala fica logo em frente. O espaço é ínfimo, mas consegue acolher familiares e amigos vizinhos no fim das noites, que vão até lá para assistir à televisão, enquanto o filho de dona Zezé e os colegas se reúnem na calçada para conversar.

Com a minivila olímpica, crianças terão mais espaço e diversão

Apesar do silêncio e da aparente tranqüilidade, a Cohab Adventista enfrenta hoje vários problemas que se tornaram comuns nas periferias urbanas e, em especial, em conjuntos habitacionais. “Há muita concentração de pessoas e, como as prestações foram subindo indiscriminadamente em outras gestões, a maioria delas se tornou inadimplente. Um outro problema é a própria regularidade do conjunto. Em dez anos de existência, a Cohab Adventista só foi regularizada no ano passado. Isso sem falar nos problemas de infra-estrutura”, destaca Ricardo Schumann, presidente da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab).

Somando-se a todas essas adversidades, estão o tráfico e o consumo de drogas, cada vez mais intenso. “A gente sabe que, infelizmente, as drogas estão tomando conta do mundo e isso é ociosidade. Os pais deram muita liberdade e essa liberdade está custando a vida de muitos jovens aqui. A falta de cultura e de um espaço para lazer é que gera a marginalidade”, acredita a educadora Vilma Pedrosa, vizinha de dona Zezé. “Nós percebemos que os jovens têm necessidade de se ocupar com alguma atividade, mas eles não têm opções. Não existe falta de vontade da parte deles, mas ausência de ajuda, de recursos por parte das autoridades.” Além de não ter muito estímulo para se dedicar às atividades culturais, ali os adolescentes também não têm muitas opções de locais para praticar os esportes de que tanto gostam: ou vão até o parque Santo Dias – considerado “perigoso” pelos moradores – ou ficam mesmo na rua.

Mas esse quadro tende a ser revertido em menos tempo do que se imagina. A Cohab Adventista será privilegiada com a construção da primeira Minivila Olímpica do Estado de São Paulo, projeto criado há três anos pelo professor da USP Aziz Ab´Sáber e que, no final de 2002, passou a ser uma das principais ações do Programa Viver Melhor, instituído pela Cohab com o intuito de melhorar a infra-estrutura e, conseqüentemente, a qualidade de vida daqueles que vivem em conjuntos habitacionais. “Esse projeto da Minivila Olímpica é muito interessante, por isso nós temos a intenção de multiplicá-lo pelas outras unidades da Cohab. Este primeiro projeto, feito para a Cohab Adventista, será um piloto. A partir de sua conclusão, vamos buscar parcerias para fazer outros”, ressalta Schumann. Por enquanto, o único apoio que o projeto recebeu é da própria Cohab – que doou aproximadamente R$ 150.000,00, ainda insuficientes para a conclusão de toda a obra – e da Escola da Cidade, responsável pelo projeto arquitetônico e paisagístico. Mesmo diante dessas dificuldades, o início da construção do prédio central está previsto já para esta semana.

Ab‘Sáber entre os moradores da Cohab Adventista (à esquerda) e a líder comunitária Carolina Guimarães: mães estarão perto dos filhos

Nasce uma idéia — “Entre estudar e poder exercer alguma forma de servir aos diferentes escalões da sociedade há um abismo. Os estudiosos da minha área – a geografia – pensam apenas em seu objeto de pesquisa, mas não extravasam isso para ninguém, não forçam os governantes e não ajudam, sobretudo, a base da sociedade, que é composta por milhões de carentes. Foi isso que me levou a pensar em uma geografia social comprometida e participativa.” Tendo em mente esse ideal, Aziz Ab’Sáber começou a estudar as regiões periféricas mais distantes de São Paulo. Mas, ao invés de ficar horas a fio centrado em uma bibliografia extensa, preferiu ir além da redoma de seu próprio escritório. Foram meses de peregrinação em vários bairros de periferia: Perus, Vila Maria, Itaquera, Guarulhos, Franco da Rocha, Cidade Tiradentes, Capão Redondo e Campo Limpo, dentre outros.

O ritual da visita era sempre o mesmo: antes de chegar, o professor parava em alguma padaria próxima ao local e comprava pães para distribuir entre as famílias. E era com elas que dividia boa parte do seu tempo durante o trabalho de campo. Escutava atentamente o que cada um tinha a dizer, sem desprezar nenhum detalhe. Reparava também no modo como falavam, como se vestiam, onde e como moravam. “Nesses momentos, o professor Aziz não está sendo geomorfologista, paleoclimatologista ou paleoecologista. Eu estou sendo educador.” E, a partir dessas observações, ele concluiu que os bairros que apresentavam condições relativamente melhores para se viver eram os que possuíam alguma área de lazer, porque, além de melhorar a feição do próprio bairro e valorizar o preço da terra e das casas, o esporte é uma forma de afastar os jovens das drogas. “Foi na Cohab Adventista que, pela primeira vez, olhando um terreno vazio e suas características, fiz uma espécie de campanha por uma minivila olímpica. Fiquei impressionado com a inoperância dos administradores para aproveitar esse terreno e formar uma área de lazer múltipla.” Assim surgiu o projeto das Minivilas Olímpicas, primeiro divulgado na página eletrônica do Instituto Florestan Fernandes e depois na revista Princípios, em 2000.

A idéia estava lançada. Agora, depois de dois anos no papel, começa a se concretizar perante os olhos da comunidade da Cohab Adventista. O terreno, localizado num lugar estratégico – na esquina da avenida Integração e da rua Domingos Peixoto da Silva, próximo ao Instituto Adventista e à escola municipal Wilma Alvarenga –, antes era um local para depósito de entulho, considerado inclusive ponto de consumo de drogas. Hoje, ele já está todo cercado e, ao redor, foram plantadas palmeiras imperiais. “É um projeto que precisa ter alma”, diz Ab’Sáber, que é professor aposentado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e hoje atua como professor honorário do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

A educadora Vilma Pedrosa: “jovens têm necessidade de mais atividades”

Um espaço privilegiado — Mas, o que vem a ser exatamente uma minivila olímpica? O nome leva a crer que seja um pequeno espaço onde se praticam esportes variados. Mas ela foi concebida para ser muito mais do que isso. “Eu faço questão de destacar que não são só minivilas olímpicas, no puro sentido do termo, mas clubes da comunidade. A meu ver, mais importante do que o aspecto esportivo sozinho, isolado, é o fato de ser direcionado para o lazer da comunidade, para a reunião e discussão de problemas comuns a todos”, explica Ab’Sáber. Ele prevê que seja um espaço que, acima de tudo, congregue não apenas as crianças e os adolescentes, mas também as mães. “Uma das coisas mais lamentáveis das casas onde os jovens vivem é que o espaço é extremamente pequeno, as famílias são numerosas e os amigos são muitos. Então essas pessoas ficam o tempo todo vendo televisão. Os que saem acabam se envolvendo com os narcotraficantes. Por isso é necessário que haja um espaço complementar seguro onde esses jovens possam ser observados pelas mães.” Assim, além de estarem próximas a seus filhos, as mães também poderão se dedicar a outras atividades de seu interesse, como o artesanato e a culinária. “Nós vamos ter um lugar para fazer sossegadas a comida para as crianças, os jovens, os adultos e os idosos, que precisam muito da gente. Nós estamos esperando que a minivila olímpica faça bastante sucesso”, diz Carolina Vieira Guimarães, irmã de dona Zezé e também membro da associação. Se a idéia agrada às mães, talvez não agrade a todos os jovens que, de certa forma, se sentirão “vigiados”, ou mesmo “controlados” pela presença delas. Márcio Viana, que tem 23 anos, é uma exceção. “É importante as mães acompanharem a vida dos filhos. Hoje, a maioria trabalha, então o pessoal fica na rua.”

Mas, diante da possibilidade de se divertir de formas tão diversas na minivila olímpica, é provável que os jovens sequer se lembrem de que as mães estão por perto. Não será mais preciso improvisar um campo de futebol no meio da rua: lá haverá uma quadra onde poderão praticar seu esporte preferido. E não é só. Também será possível jogar vôlei, aprender capoeira e, para incentivar os idosos a se exercitarem, será feita uma pista de cooper. “A única restrição de esporte que eu fiz é o skate. As crianças não têm joelheiras, caneleiras nem capacetes. Caso se machucarem, vai ser difícil levá-las para um hospital. O pior do skate é que a maioria das crianças gosta de ficar observando os mais velhos andarem e não vão no parquinho. É um esporte anti-educacional”, ensina Ab’Sáber.

De acordo com o projeto elaborado pelos arquitetos da Escola da Cidade, em frente à quadra haverá uma edificação de 400 metros quadrados que abrigará os sanitários, uma sala ampla com layout flexível, uma outra sala menor, a cozinha e – para surpresa dos moradores – um telecentro, dotado de 20 computadores, seis deles com acesso gratuito à Internet. “Hoje, nove conjuntos da Cohab já têm telecentros e, até o final do ano, serão 17 ao todo. É um projeto que tem uma eficácia muito grande. Para aquela população que sofre com a exclusão digital, o telecentro é uma forma de integrá-las a esse mundo”, afirma Schumann, da Cohab. Além de aulas de informática, a comunidade também será contemplada com os chamados “baús de livros” e com um teatro, sugestão dos próprios moradores, que estão ansiosos para ver a minivila olímpica erguida. “Quando se combinam esportes com essa parte educacional, tem-se um avanço grande e o resultado será melhor ainda quando isso se multiplicar pelos outros conjuntos”, completa Schumann.

Antes de concretizar o projeto, Ab‘Sáber fez uma detalhada pesquisa de campo para conhecer o modo de vida da comunidade

 

“Vai melhorar muito aqui”

O Jornal da USP perguntou a jovens moradores da Cohab Adventista o que achavam do projeto da minivila olímpica, criado pelo professor Aziz Ab’Sáber. A seguir, o que disseram alguns deles.

“O projeto da minivila olímpica vai tirar os meninos da rua, muitos deles inclusive ficam usando drogas. Em vez de ficar roubando, vão ficar lá dentro, brincando, jogando futebol. Acho que vai ser legal, que vai melhorar muito as coisas aqui” (A., de 17 anos).

“Eu acho que vai mellhorar muito, porque os jovens ficam nas drogas. Com a construção da minivila olímpica, eles vão passar a maior parte do tempo se divertindo. Eu acho muito bom” (M., de 16 anos).

“A minha opinião é que a minivila olímpica vai tirar os caras das drogas, porque vai ter esporte pra eles fazerem. Com certeza eu vou lá brincar. Meu esporte preferido é natação, mas como não vai ter piscina, acho que a gente podia jogar futebol” (R., de 14 anos).

“Vai mudar bastante coisa aqui no bairro, vai ser mais divertido. A minivila olímpica vai tirar esses moleques que ficam na esquina fumando droga. O pessoal aqui pratica bastante esporte, principalmente futebol, mas não tem um lugar certo pra jogar. De vez em quando a gente inventa de colocar uma rede na rua de baixo para jogar vôlei”
(G., de 21 anos).

“A construção da minivila olímpica pode dar uma melhorada na região. Acho que os meninos vão pra lá pra jogar bola, jogar vôlei. Aqui, a maioria dos moradores gosta de jogar bola. É muito importante a leitura também. Eu gosto de ler aventura. Na minivila olímpica, eu vou jogar vôlei. E ler também,
se lá tiver uns livros bons”
(M., de 23 anos).

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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