Início
da década de 80. Idealistas, estudantes da Faculdade de Educação
da USP se reúnem, espontaneamente, para discutir questões
que não constavam de sua grade curricular, como a educação
popular. Passados os anos, o número de participantes aumentou
e o que era conversa sem compromisso se tornou a Semana da Educação,
que entre os dias 26 e 30 de maio tomou o auditório da Escola
de Aplicação. Promovida
pela Faculdade de Educação, com o apoio institucional
de todas as Pró-Reitorias da Universidade, a Semana reuniu
profissionais da área da educação de todo o
País e promoveu uma série de debates sobre temas relativos
à avaliação do ensino, às políticas
educacionais para o ensino médio, aos caminhos para a universidade,
à pesquisa e à pós-graduação.
Entre
as novidades desta Semana de 2003, esteve a inclusão na pauta
de discussões do problema da formação de professores.
Além dos cursos de Pedagogia, a Faculdade de Educação
oferece os cursos de Licenciatura, necessários para que qualquer
bacharel de uma área específica – um físico
ou um historiador, por exemplo – se torne professor. No entanto,
ainda que os cursos de Licenciatura façam parte da faculdade
desde sua criação, em 1970, é primeira vez
que eles foram tão amplamente debatidos.
“O
poder público se desincumbiu da formação de
professores”, disse José Sérgio Fonseca de Carvalho,
professor da Faculdade de Educação, que no dia 27,
terça-feira, participou da mesa-redonda “Perspectivas
para formação de professores: o curso de licenciatura”.
Para ele, o problema da formação de professores não
pode ser encarado como uma simples questão interna das universidades.
“É preciso fazer um esforço de reorientação
na licenciatura, uma reformulação política
da formação de professores e não um mero reordenamento
curricular.”
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Debates abordaram
vários temas ligados à educação |
A preocupação
seria a de formar um professor não apenas detentor de um
saber específico, mas também capaz de trabalhar e
conhecer por inteiro o funcionamento de uma instituição
de ensino. Coordenador da Comissão Permanente de Licenciatura
da USP, que deve apresentar ao Conselho Estadual de Educação
uma avaliação desses cursos, Fonseca acredita que
mais importante do que enviar um modelo ao Conselho é criar
as condições para um constante debate que envolva
todos os segmentos. Para ele, “uma legislação
pode ser boa, mas se não contar com adesão dos professores
não funciona”.
Uma
pesquisa realizada recentemente pelo Inep (Instituto de Estudos
e Pesquisas Educacionais) mostrou que o problema da formação
de quadros profissionais para as salas de aula é maior do
que se imaginava. Segundo o estudo, faltam aproximadamente 250 mil
professores no ensino fundamental – de quinta a oitava série
– e no ensino médio. As áreas de ciências
e matemática seriam as mais atingidas. Na área de
física, na qual deveriam existir 23,5 mil professores, só
se formaram, nos últimos 12 anos, 7.200. As explicações
para esse déficit podem ser encontradas no grande crescimento
do ensino médio nos últimos anos, mas também
na deterioração das condições de vida
e de trabalho dos professores, o que desestimularia a escolha pela
carreira docente.
“É
preciso refletir sobre o lugar material e simbólico que o
professor ocupa hoje”, diz Waldeck Carneiro, diretor da Faculdade
de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF),
que também participou das discussões sobre os novos
rumos para os cursos de licenciatura. De acordo com ele, seria impossível
resolver essa ameaça da falta de professores sem enfrentar
de maneira objetiva as condições estruturais de condições
de trabalho. No entanto, o problema da formação de
quadros também estaria aí envolvido.
No
mesmo caminho, mas centrando-se menos na questão salarial,
Fonseca diz que as universidades muito podem contribuir e deveriam
chamar para si a tarefa de formar os professores. “Democratizar
a universidade não é só aumentar o número
de vagas”, diz ele. “Uma universidade democrática
tem que pensar na relevância pública daquilo que produz
para a sociedade.”
Duas
realidades – Saindo da educação básica
e indo para o extremo oposto, Carlos Roberto Jamil Cury, professor
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresentou, na conferência
que abriu a Semana de Educação, no dia 26, questões
hoje candentes para a pós-graduação no Brasil.
Novo
presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior), Cury destacou seus planos
para os próximos quatro anos e disse que, ligado à
filosofia do novo governo, pretende fazer com que sua coordenação
participe da construção de uma sociedade mais justa
e igualitária, através de uma política de desenvolvimento
científico.
Segundo
ele, o Brasil teria duas realidades muito díspares, em que
convivem o que há de mais anacrônico – o analfabetismo,
que ainda atinge altos níveis – e de mais avançado,
que seriam os programas de pós-graduação. A
saída seria investir pesadamente nas duas pontas, sem descuidar
dos cursos de especialização – que estariam
em um patamar semelhante ao dos melhores do mundo – nem do
ensino básico.
A excelência
dos programas de mestrado e doutorado no Brasil poderia ser explicada,
conta Cury, pelo sistema de avaliação da Capes, mais
sistemático e rigoroso do que o da maioria dos países.
O orçamento para a expansão dos programas, dos cursos
e das bolsas está estagnado há oito anos. Ainda assim,
houve crescimento significativo desses três segmentos. O número
de titulados, entre 1995 e 2001, cresceu 127% e o País hoje
publica, a cada ano, 26 mil trabalhos científicos, entre
mestrados e doutorados.
Além
de elevar os recursos – um aumento do número de bolsas
já está previsto, assim como um reajuste do valor
das bolsas, que deve ser inicialmente de 24,28% –, as principais
metas da Capes são criar mais programas de cooperação
internacional, mecanismos de prestação de contas,
aumentando a transparência da instituição, e
programas que reduzam as disparidades regionais. “O Nordeste
está razoavelmente equilibrado, mas as regiões Norte
e Centro-Oeste são um vácuo”, afirmou Cury.
“Não se trata de reduzir essas diferenças a
qualquer custo. Mato Grosso não vai virar São Paulo
do dia para a noite, mas não pode ser um vazio. É
preciso começar a pensar em um equilíbrio, que é
importante para a federação.”
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Palestras
mostraram déficit de docentes no ensino médio
e fundamental |
Um
novo caminho ambicionado por essa nova gestão da Capes é
o aprofundamento do diálogo com a comunidade científica,
chamando as universidades para a discussão de questões
controversas, como a dos mestrados profissionalizantes. Presente
no encontro, a pró-reitora de Pós-Graduação
da USP, professora Suely Vilela, se disse bastante otimista com
a nova gestão da Capes. Para ela, existe uma grande disposição
para o diálogo com a academia. “A abertura para a discussão
é um sinal de aperfeiçoamento dos critérios.”
Uma outra mudança positiva apontada pela pró-reitora
se refere aos termos de avaliação, que estaria passando
a se pautar por critérios mais qualitativos e menos quantitativos,
como o tempo de titulação. “A Capes já
estava nesse caminho e continua progredindo bastante. Agora a qualidade,
e não só a produtividade, está se estabelecendo
como critério de avaliação”, elogiou
Suely.
A participação,
no encontro, do presidente do Inep, Otaviano Helene, estava prevista
para sexta-feira, dia 30, após o fechamento desta edição
do Jornal da USP.
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