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O projeto de lei 3029/97, em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe a redução da produção de resíduos na fonte industrial, o que poderá levar à diminuição da poluição ambiental

 

Apesar dos diagnósticos cada vez mais sombrios sobre a vida no planeta, o brasileiro tem nesta Semana Mundial do Meio Ambiente – celebrada de 1o a 8 de junho – algo concreto para comemorar. Preocupação de países devenvolvidos desde a década de 70, a problemática envolvendo a destinação final do lixo finalmente parece estar sensibilizando a sociedade e, especialmente, nossos legisladores. Tramita na Câmara dos Deputados Federais um pedido de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar denúncias de irregularidades no uso e fiscalização de terrenos usados como depósitos de resíduos sólidos, líquidos e gasosos perigosos. Além disso, uma proposta abrangente, coesa e severa de legislação sobre o tema parece estar tomando corpo em todas as bancadas da Câmara Federal, já que deputados de diversos partidos juntaram, no total, 73 propostas apensadas ao Projeto de Lei 203/91, de relatoria do ex-deputado federal Emerson Kapaz. Soma-se a essas iniciativas a criação, na Assembléia Legislativa de São Paulo, de um grupo de trabalho que visa a compilar todos os projetos de leis existentes para a elaboração de uma nova política estadual de resíduos.

A discussão sobre o assunto não só faz sentido como é essencial num contexto em que o paulistano polemiza a cobrança da “taxa do lixo” instituída pela Prefeitura, ao mesmo tempo em que cinco Estados brasileiros já apresentam indícios de contaminação química. Só no Estado de São Paulo foram detectadas 255 áreas com diversos níveis de contaminação, de acordo com laudo divulgado em 2002 pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental).

As leis, no entanto, podem trazer problemas intrínsecos que impedem sua efetiva interferência nos mecanismos sociais, ressalta a professora de Direito Ambiental da Faculdade de Direito da USP, Cristiane Derani. “O problema não é só fazer lei, e sim que ela ofereça aparatos para que suas medidas possam ser cumpridas. Para isso é preciso haver fiscalização e que também sejam criados espaços institucionais para a população poder participar. Hoje, a classe média está preparada para assimilar muito mais rapidamente programas ambientais ou qualquer propaganda pública nesse sentido. O que adianta, por exemplo, o cidadão ficar com baterias em casa sem saber como descartá-las adequadamente? Tudo isso está vinculado a políticas públicas e leis que amparem condutas apropriadas”, diz Cristiane. Para a professora, as resoluções do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) sobre descartes de pneus e baterias, por exemplo – que prevêm que tais produtos devem retornar ao produtor quando dispensados –, “não funcionam na prática” porque não possuem aparatos institucionais que garantam sua efetivação. “Esse é um problema de política legislativa, que cria normas mas não cria mecanismos para executá-las.”

“A atual legislação brasileira acerca de resíduos sólidos, contaminação química e aterros é falha e ineficiente. Daí a necessidade de estabelecer uma Política Nacional de Resíduos Sólidos”, afirma o deputado federal Luciano Zica (PT-SP). “Essa é a proposta do projeto de lei 3029/97, de minha autoria, a fim de criar soluções para o grave problema da geração de lixo. Em relação ao relatório preliminar de Kapaz, a principal diferença é que o meu propõe a redução da produção de resíduos na fonte industrial. Defendo que essa redução resulte da análise ambiental do ciclo de vida dos materiais, da efetiva alteração nas matérias-primas e de mudanças nas práticas industriais, visando a facilitar o processo de reutilização e reciclagem do lixo. Acho que não adianta tentar mudar os padrões de consumo se não mudarmos os padrões de produção. O setor produtivo precisa de uma política de prevenção e controle de poluição. Também proponho que a indústria se responsabilize pela geração de resíduos domésticos e industriais”, acrescenta Zica, que encaminhou em Brasília o pedido de CPI para levantar irregularidades na área. O parlamentar afirma que muitos aterros, mesmo licenciados pelo órgão ambiental estadual, não são vistoriados regularmente e é essa “negligência” que colabora para a contaminação de lençóis freáticos, do solo e da população residente nas proximidades do local atingido.

A questão da destinação final do lixo parece sensibilizar a sociedade hoje

Na lista da Cetesb das 255 áreas contaminadas do Estado, quatro delas são aterros ou lixões de prefeituras – como o de Barueri, Carapicuíba, São Bernardo do Campo e o aterro Bandeirantes, da Prefeitura de São Paulo. Também foi detectada contaminação em outros terrenos de órgãos públicos, como Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica).

O secretário estadual do Meio Ambiente e professor aposentado da USP José Goldemberg concorda que os procedimentos de fiscalização adotados pela Cetesb não são suficientes para monitorar todas as áreas de risco do Estado e que seriam necessários mais instrumentos e recursos para o poder público exercer tal tarefa. Goldemberg explica que as vistorias acontecem quando há denúncias sobre áreas perigosas, pedidos de laudo (feitos, por exemplo, por empreendedores que pretendam construir áreas residenciais sobre terrenos que já pertenceram a indústrias, conforme exige a lei) ou ainda operações de praxe em locais reconhecidamente de risco, como são algumas instalações industriais e aterros (leia o texto ao lado).

Diálogo com a sociedade – A comissão especial instaurada em 2001 para avaliar o relatório preliminar redigido pelo então deputado Kapaz “não estabeleceu o debate necessário com os diversos setores da sociedade envolvidos com a questão e produziu um relatório final repleto de problemas e pontos polêmicos”, diz Zica. Segundo o deputado, uma nova Comissão Especial de Política Nacional de Resíduos Sólidos deverá ser implantada para debater o PL 203/91 e seus apensos. “O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), manifestou a intenção de instalar a comissão especial para o tema já no segundo semestre”, afirma o líder da bancada do PT na Câmara, Iracilde Titan de Lima e Silva.

Metade dos pontos poluidos citados pela Cetesb refere-se a postos de gasolina

No texto “Perspectiva legislativa de uma política nacional de saneamento ambiental no governo Lula no que tange à questão dos resíduos sólidos”, assinado por Titan e Zica e apresentado na Câmara, os parlamentares fazem uma reflexão sobre as principais falhas do relatório preliminar anterior. “Intenta o relator criar um Fundo Nacional de Resíduos Sólidos que contará apenas com recursos públicos para atender às demandas de tratamento, coleta e disposição final de resíduos urbanos, bem como a descontaminação de áreas degradadas ou contaminadas por cavas químicas e disposição de resíduos urbanos. Vale ressaltar que a principal questão a ser tratada em uma Política Nacional de Resíduos Sólidos é a relativa à responsabilidade pós-consumo. Essa responsabilidade deve ser compartilhada em toda a cadeia produtiva, sendo contemplado o consumo e seu descarte. O fundo em questão libera o setor industrial produtor de embalagens dessa cadeia de responsabilidade pós-consumo. Vale lembrar que as embalagens representam 47% do lixo gerado nos centros urbanos”, destaca o texto. Assim, com a criação desse fundo, o financiamento do passivo ambiental acabaria não utilizando “o alardeado princípio do poluidor-pagador”. Esse princípio define que a indústria deve pagar e se responsabilizar pelo lixo gerado após o consumo de seus produtos, além de financiar o passivo ambiental que produzir em algum terreno em virtude da disposição inadequada de seus resíduos.

“Impor o ônus financeiro do tratamento do lixo apenas ao poder público é transferir à coletividade o custo da internalização dos efeitos negativos da produção”, afirma a professora Cristiane Derani. “De fato, não é o mais acertado (constituir um fundo para isso). O produtor do material danoso, o utilizador desse material para embalar seu produto e o consumidor devem repartir responsabilidades. O sistema mais bem elaborado nesse sentido é o do grüne Punkt (ponto verde), da Alemanha, onde foi criada uma empresa que coleta e trata o lixo reciclável. Essa empresa conta com capital do Estado e das indústrias que fabricam os produtos a serem reciclados. Assim, as responsabilidades se dividem e, mesmo que se procure repassar o custo ao consumidor, este é minimizado pelo fato de que todos estarão pagando e o Estado, ajudando. Cabe ao consumidor organizar seu lixo doméstico e participar dessa cadeia de reciclagem.” Para Cristiane, seria oportuno retomar projetos de reciclagem como o iniciado durante a administração da ex-prefeita Luiza Erundina.

 

 

 

 

Goldemberg prepara política estadual

Decepcionado com o desempenho da Comissão Especial de Política Nacional de Resíduos Sólidos – que, instaurada em 2001 na Câmara dos Deputados Federais, encerrou os trabalhos sem a votação do parecer ao projeto de lei 203/91, sobre o tema –, o secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José Goldemberg, decidiu preparar uma proposta de política estadual de resíduos sólidos, a ser apresentada à Assembléia Legislativa. “Nosso projeto já está na área da Consultoria Jurídica da secretaria. Devo encaminhá-lo ao governador Geraldo Alckmin brevemente e, através do Executivo, vamos apresentá-lo à Assembléia, porque, como mostra a experiência, as leis propostas pelo Executivo têm mais facilidade de trâmite e aprovação”, afirma.

Nova legislação sobre resíduos sólidos poderá aliviar lixões

O secretário também pretende atuar com um grupo de trabalho criado recentemente na Assembléia Legislativa de São Paulo especialmente para elaborar uma nova política estadual de resíduos sólidos. O coordenador desse grupo, deputado Arnaldo Jardim (PPS), diz que entrou em contato com Goldemberg a fim de conciliar os projetos do Legislativo com o da secretaria. “O relatório proposto em Brasília por Kapaz servirá de subsídio para as discussões, assim como os projetos de outros legisladores da Casa. O mérito do grupo é aproveitar com coerência todas as propostas para criar uma legislação unificada e coesa sobre o tema.” A agenda de discussões prevê debates, audiências públicas e contato com o Poder Executivo entre junho e agosto, segundo Jardim.

Culpa de quem? – O mundo industrializado começou a se preocupar com as áreas contaminadas no final da década de 70, após a ocorrência de “casos espetaculares” – como Love Canal, nos Estados Unidos, Lekkerkerk, na Holanda, e Ville la Salle, no Canadá. Após esses eventos foram criadas políticas e legislações em vários países, províncias e estados. Muitos desses “cemitérios” do século 20, alguns altamente perigosos, outros nem tanto, só foram identificados recentemente, o que torna difícil determinar com precisão quem são os responsáveis e quem deve pagar pela sua limpeza e recuperação, afirma Goldemberg.

Casos famosos de contaminação no Estado de São Paulo – como o da Rhodia, em Cubatão, da Solvay Indupa, em Santo André, e da Shell, em Paulínia – estão listados em laudo produzido pela Cetesb em 2002 e disponível na página eletrônica da instituição (www.cetesb. gov.br). Porém, o Greenpeace (www.greenpeace.terra.com.br) mostra com maior riqueza de detalhes e números o tamanho dos passivos ambientais produzidos nesses crimes corporativos.

Para Goldemberg, a produção industrial tem de ser "mais limpa"

Segundo Goldemberg, grande parte das áreas contaminadas do Estado tem impacto relativamente pequeno sobre o ambiente e cerca de 50% das 255 ocorrências detectadas pela Cetesb são de postos de gasolina que tiveram algum tipo de vazamento. Todos foram notificados e para os mais graves foram estabelecidos termos de ajustamento de conduta, diz o secretário. “A Shell, por exemplo, que reconheceu o dano, assinou compromisso de que tomará providências para remediar o problema e acompanhar a saúde das pessoas contaminadas”, diz.

Para o secretário, o princípio “do berço ao túmulo”, que torna uma empresa responsável pelo bem que produziu até que este chegue ao final de sua vida útil, não funciona na prática. “Isso é muito teórico. Mais interessante é incentivar a produção mais limpa, ou seja, educar as empresas para mudarem seus sistemas produtivos. Mas ainda falta muito para chegarmos a esse nível.”

 

 

 

 

 

Um limite a ser respeitado

Bastante familiar entre ambientalistas, o conceito de suporte ambiental foi delineado pelo norte-americano Eugene Odum, que ampliou os horizontes da biologia ao partir do princípio de fluxo de energia para explicar que a Terra é, na verdade, um grande ecossistema. Segundo sua teoria, se existir uma sobrecarga anormal de qualquer elemento, haverá um desequilíbrio danoso e, em alguns casos, irreversível ao meio ambiente. Ou seja, há um limite de suporte na natureza que deve ser respeitado.

Baseando-se nesse conceito, ambientalistas como Carlos Bocuhy, através do Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente), conseguiram até embargar empreendimentos que comprovadamente provocariam danos ambientais em São Paulo. “Conseguimos fazer com que o Estado levasse em conta a capacidade de suporte ambiental para a instalação de determinados empreendimentos. Em Paulínia, por exemplo, trabalhamos para aplicar esse conceito para a instalação de usinas termelétricas. Na região, o índice de ozônio troposférico já superou o limite permitido”, afirma o ambientalista. “O conceito ainda é muito pouco aplicado no Brasil. No caso de termelétricas, por exemplo, deveria-se incluir também no nível de suporte a troca de massas de ar entre centros urbanos, como no eixo Cubatão, São Paulo e Campinas.”

Liberação de poluentes pode causar danos irreversíveis

Representante das organizações não-governamentais (ONGs) do Estado de São Paulo no Consema, Bocuhy é coordenador da campanha “Billings, Eu Te Quero Viva”, criada em 1993 para proteger a represa que abastece parte da região metropolitana. Por meio do diagnóstico anual Dossiê Billings, Bocuhy diz que pôde detectar nos dez anos de atuação da ONG que “os loteamentos clandestinos, invasões e a especulação imobiliária cessaram no manancial”, especialmente devido a pressões e denúncias da sociedade. “Em compensação, essas ocupações pipocaram em outras áreas. Na década de 90, mais de 200 loteamentos clandestinos apareceram na Cantareira. Na região da Guarapiranga vem ocorrendo um adensamento populacional com expansão pelas bordas, preenchimento de espaços vazios e verticalização”, afirma.

Bocuhy defende ser necessário contextualizar as normas de potabilidade da água no Brasil, porque atualmente as atividades humanas causam nos corpos hídricos impactos muito superiores àqueles previstos na normatização brasileira sobre o tema. Nas grandes cidades, por exemplo, a água das chuvas carrega para rios e mananciais desde óleo de automóvel e material particulado de pneus até poluentes industriais e químicos que encontra em seu curso. Para ele, a Sabesp segue as normas de potabilidade do ponto de vista legal, mas não ético.

 

 

USP Recicla promove
atividades nos seis campi

Ao longo desta semana, uma série de atividades está sendo realizada nos seis campi da USP – localizados em São Paulo, Bauru, Piracicaba, Pirassununga, São Carlos e Ribeirão Preto –, sob a coordenação do USP Recicla, programa de educação ambiental ligado à Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais (Cecae) da USP.

Sob o título de 1a Semana Integrada do Meio Ambiente do Programa USP Recicla, os eventos serão abertos nesta segunda-feira, dia 2, às 9 horas, no Auditório do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo. Às 10 horas o geógrafo Aziz Ab’Sáber faz palestra sobre o papel da Universidade na conservação do ambiente. Nos seis campi, estão previstas sessões de vídeos sobre ambiente, oficinas interativas, palestras, minicursos e atividades educativas ao ar livre – entre elas caminhadas ecológicas e plantios de mudas. Mais informações podem ser obtidas na página eletrônica do USP Recicla (www.cecae.usp.br/recicla).

Além de realizar essas atividades, o USP Recicla participou do 1o Congresso Mundial de Educação Ambiental, de 20 a 24 de maio, em Espinho, Portugal. No evento – que teve a participação de especialistas de vários países –, o USP Recicla apresentou o trabalho “Como construir uma gestão compartilhada”, relatando sua experiência em educação ambiental entre alunos, funcionários e professores da USP. O programa esteve presente também no 1o Fórum das Universidades Paulistas: Ciência e Tecnologia em Resíduos, que reuniu representantes da USP, Unicamp, Unesp, IPT e Ufscar, entre outras instituições, para discutir a questão do lixo. O encontro foi realizado entre 18 a 20 de maio em São Pedro (SP).

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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