PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  
       

Inaugurada no dia 20 de fevereiro, no Parque Ibirapuera de São Paulo, a exposição “Guerreiros de Xi’an e os Tesouros da Cidade Proibida” estabelece um novo marco nas relações culturais entre o Brasil e a China. Os milhares de visitantes que já passaram pela exposição e as repercussões na imprensa brasileira demonstram que iniciativas dessa magnitude semeiam importantes benefícios ao processo de aproximação humana e cultural entre nossos povos. Devido à surpreendente procura, a exposição, que foi prevista para permanecer no Brasil até 18 de maio, foi prorrogada por mais algumas semanas, encerrando-se neste domingo, dia 8 de junho.

Os Guerreiros de Xi’an fazem parte de um complexo arqueológico ainda não completamente revelado, pertencente ao túmulo do imperador Qin Shi Huan Di, que no ano 221 a.C. autodenominou-se o Primeiro Imperador da China. Na época, os Qin eram um forte reino que lutava contra outros seis reinados, procurando estabelecer a hegemonia econômica e militar. E conseguiu.

Depois de longas lutas, os outros reinos foram dominados, criando-se as condições objetivas para unificação dos reinos e o surgimento de um império. Ou seja, com a unificação, passa-se da organização monárquica à imperial. Unifica-se a escrita; o sistema de pesos e medidas; a largura das estradas e dos veículos (carroças). Com a unificação dos reinos, importantes linhas de defesas – muros construídos pelos Estados Zhao, Yan e Qin – foram também interligadas e vieram a formar o que hoje conhecemos por Grande Muralha. Apesar de sua curta duração, cerca de 14 anos, o modelo administrativo iniciado pelos Qin perdurou até 1911, quando a monarquia foi derrubada e o sistema republicano, instituído. A mostra do Ibirapuera proporciona ao visitante uma rica percepção de vários aspectos desse processo histórico.

Espelho de bronze, dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.)

História, arte e cultura – A USP, através do curso de Língua e Literatura Chinesa, tem interagido com a exposição em diferentes níveis. Antes de sua realização, ainda no ano passado, a BrasilConnects, contatou o nosso curso para que ajudássemos na preparação da exposição, especialmente oferecendo aos monitores alguns cursos sobre a história, a arte e a cultura da China. Com a efetivação do evento, nossos professores e estudantes puderam visitar a exposição e constatar que realmente se tratava de uma mostra especial, tanto na quantidade como na qualidade de peças expostas. Recentemente, recebemos na USP sete especialistas vindos de Pequim e Xi’an. Eles estão no Brasil acompanhando a mostra. Através de suas palestras podemos ter um melhor conhecimento da exposição.

A especialista Zhai Xiaolan, ao falar sobre os critérios utilizados para seleção das peças, disse que o maior desafio era representar história, arte e cultura da China com um pequeno número de objetos. “Adotou-se um critério baseado na representatividade histórica, artística e cultural. Foram selecionadas as peças mais representativas de cada época, desde o neolítico até a última dinastia.”

A exposição estrutura-se em dois núcleos básicos: um reúne peças do museu da Cidade Proibida, Pequim, outro apresenta objetos da província de Shanxi, berço da civilização chinesa. Situada no curso médio do Rio Amarelo, Xi’an é atualmente a capital da província de Shanxi. O pesquisador Ma Zhixiang, em sua palestra na USP, assim se expressou: “Xi’an é uma cidade muito antiga, capital de 13 dinastias. Além do seu mais famoso sítio arqueológico, o túmulo do imperador Qin, existem outros sítios de igual importância. Na dinastia Tang, era uma das cidades mais importante do Oriente. Por isso atraía muitos comerciantes de outras regiões, inclusive de países da Ásia Central. Dentre as muitas preciosidades arqueológicas, existe um museu com centenas de monumentos em pedra com textos gravados, os quais são fonte importante de informações históricas das diferentes épocas e testemunham a evolução da caligrafia chinesa”.

Na entrada da exposição estão peças pertencentes ao museu de Xi’an, ordenadas cronologicamente, de acordo com a evolução da cultura chinesa. Ali encontramos cerâmicas pintadas e facas de jade do período neolítico; sinos de bronze; oráculos em ossos e carapaças de tartarugas, com gravações em chinês primitivo da dinastia Zhou; sistemas de pesos e medidas padronizados pelos Qin; lanças e pontas de flechas feitas de bronze; telhas de barro com desenhos míticos; espelhos de bronze, estatuetas de humanos e animais domésticos em cerâmica cinza, potes coloridos e miniaturas da dinastia Han. Ou seja, objetos capazes de sintetizar os mais diversificados costumes sociais do povo chinês, em diferentes épocas.

No andar inferior encontram-se as famosas estátuas dos Guerreiros de Xi’an, em terracota. Onze estátuas, incluindo diversas patentes, como a de general. Dois cavalos, também em tamanho real, atestam o nível técnico e a capacidade artística na antiga China. Os detalhes das vestimentas, adornos e penteados testificam que os soldados vieram de diferentes regiões. Uma verdadeira representação documental da vida social da época de Qin. Tecnicamente, como foi possível moldar e queimar essas estátuas 2 mil anos atrás, numa época em que não se dispunha de sofisticados instrumentos científicos capazes de medir, por exemplo, a distribuição da temperatura dentro do forno? Qual teria sido o tipo de forno utilizado? Essas indagações ainda não têm respostas, mas já muitas pesquisas estão em desenvolvimento, procurando respondê-las.

O arqueólogo Li Ming, ao falar sobre a exploração do túmulo do imperador Qin, fez o seguinte relato: “Durante mais de 2 mil anos, o túmulo desse imperador somente constava nos registros dos livros, mas não se conseguia revelar sua localização e conteúdo. Por acaso, foi descoberto na década de 70. Imediatamente foi percebida sua importância cultural e atualmente é considerado pela Unesco como um dos mais importantes tesouros da humanidade”. Segundo o pesquisador, a exploração do túmulo ainda levará muito tempo, dadas as suas dimensões, mais de 70 quilômetros quadrados e a falta de tecnologias adequadas para conservar as peças exploradas. “Ainda existem muitas dúvidas e poucas foram as informações levantadas sobre a sua construção. Até mesmo o processo de fabricação de tamanha quantidade de estátuas em forma e tamanho natural é um mistério”, disse Li Ming

Estatueta da Ásia Central, dinastia Tang
(618-907)

 

 

Porcelanas – Como é de domínio público, a porcelana está profundamente enraizada na vida do povo chinês. Por isso também não poderia deixar de estar representada em uma exposição de tamanha magnitude. A especialista Li Hongkun destacou que “de acordo com resultados de estudos mais recentes, na dinastia Shang (1523-1028 a.C.) já existiam peças de porcelana cuja massa era azulada. Na dinastia Sui (581- 618) e Tang (618 – 907) a porcelana é bastante branca e fina. Na dinastia Song (960 – 1279), a produção de porcelana foi incentivada pelo imperador, atingindo um nível muito elevado. As formas das peças e vidrados aplicados na porcelana da corte eram tão exigentes que somente poucas peças eram satisfatórias para uso exclusivo da corte, o resto era destruído. Por outro lado, as porcelanas populares evoluíram de forma livre e também atingiram bom nível”.

Nos dois andares superiores, estão verdadeiros tesouros vindos da Cidade Proibida. Objetos da coleção imperial, incluindo antigas peças de bronze, porcelanas raras da dinastia Song, porcelanas das dinastias Ming e Qing, peças delicadíssimas em jade, ouro e prata; e estatuetas de Buda, em ouro. Também podemos contemplar tronos imperiais, o escritório de um dos imperadores e roupas usadas na corte.

Outras preciosidades da mostra são as pinturas. A especialista Yin Yimei disse que “a pintura chinesa utiliza-se de um tipo de pincel flexível, cuja ponta é feita de pêlos de animais organizados em formato cônico. A tinta aquosa é aplicada com pressão e inclinação diferentes, para poder se obter as linhas de variados tamanhos e tonalidades. Na construção do desenho, além do estilo minucioso, foi muito usado o estilo de expressão livre. Com poucas pinceladas pode-se simbolizar os conceitos da paisagem da natureza, flores e animais, sem a preocupação com profundidade e geometria de forma para que a pintura possa flutuar no espaço imaginário, ampliando a imaginação de acordo com sensação de cada pessoa”. Segundo Yimei, na dinastia Qing vários pintores ocidentais, como Giuseppe Castiglione, introduziram técnicas de pintura ocidental utilizando pincel chinês. A pintura tornou-se mais estereoscópica e com contrastes mais evidentes. Na mostra, duas pinturas de cavalo são exemplos muito atraentes.

No último andar, além dos objetos e pinturas relacionados à última dinastia, são artisticamente preciosos os conjuntos de instrumentos musicais feitos com sinos de bronze e pedras de jade. Zhao Yang, especialista em música ritual, relatou que esses jogos de sinos são símbolos da Corte Imperial Chinesa e eram exclusivamente usados nas cerimônias mais importantes do imperador. “O procedimento ritual de cerimônia foi estabelecido durante a dinastia Zhou e continuou até a Ming, quando desapareceu. Na época do imperador Qianglong, foi descoberto por acaso um jogo de 11 sinos de bronze da dinastia Zhou. Para restabelecer o ritual, o imperador Qianglong ordenou a fabricação de um novo jogo de sinos de bronze e procurou as pedras de jade na província de Xinjiang para completar o jogo de sino de jade. Portanto, esse jogo de sinos é o símbolo importante da continuidade da cultura chinesa.”

Com as preciosidades culturais trazidas para São Paulo e a surpreendente recepção do público, surgem novos estímulos para que possamos refletir e construir mecanismos econômicos, científicos e culturais capazes de aproximar cada vez mais os nossos povos. A USP, por ainda ser a única universidade brasileira a oferecer um curso de graduação em língua e literatura chinesa, tem muito a contribuir com esse processo de aproximação e entendimento entre a China e o Brasil.

Chen Tsung Jye e David Jye Yuan Shyu são professores do curso de Língua e Literatura Chinesa do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. José Medeiros da Silva é aluno do mesmo curso

 

 

 




ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]