Entre
1999 e 2001, a comunidade científica comemorou os passos
dados pela administração FHC em direção
ao fomento à pesquisa e à gestão da ciência
e tecnologia. Em 1999, foram criados pelo Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT) os chamados fundos setoriais, que atualmente
englobam 14 áreas estratégicas de governo, incluindo
petróleo e gás, recursos hídricos, energia
elétrica, mineração e transporte. A proposta
dessa estrutura é financiar o desenvolvimento e a pesquisa
científica a longo prazo, com recursos formados por contribuições
vindas do faturamento das empresas, do resultado da exploração
de recursos naturais e da cobrança de royalties pela transferência
de tecnologia.
Outra
boa surpresa veio dois anos depois, em setembro de 2001, durante
a 1a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação,
realizada em Brasília, quando 262 pesquisadores, empresários,
gestores públicos e jornalistas conceberam a criação
do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE).
A exemplo do que já existe em países desenvolvidos
– os Estados Unidos, por exemplo, têm o National Science
Board –, o novo organismo nasceu com a missão
de prover estudos, informações e análises necessárias
para que o Estado brasileiro pudesse criar políticas públicas
planejadas ou baseadas em uma gestão estratégica do
conhecimento.
Além
desse trabalho de prospecção, o centro assumiu a tarefa
de assessorar tecnicamente os comitês gestores dos fundos
setoriais, tendo em vista a tomada de decisão sobre a aplicação
dos recursos. Para muitos acadêmicos e cientistas, essas ações
de FHC e, em última análise, a criação
do CGEE, representaram um momento, único no País,
de discussão sobre estratégias reais de desenvolvimento.
O reitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz, por exemplo,
diz que o centro representa a “expressão de uma nova
maturidade da pesquisa brasileira e a preocupação
em consolidar e articular uma sabedoria nacional sobre nossas possibilidades
futuras, para colocá-la à disposição
do País”.
Ao
que tudo indica, porém, o namoro entre governo e comunidade
científica acabou ou, pelo menos, atravessa uma fase difícil.
Desde a fase de campanha, o então candidato Lula e sua equipe
já anunciavam a intenção de dar novos rumos
ao MCT, aos recursos dos fundos setoriais e ao próprio papel
do CGEE. Ao final de maio, o governo decidiu colocar esse plano
em prática e causou preocupação na comunidade
científica com o esvaziamento das funções do
centro e o corte de recursos à entidade.
Numa
medida considerada arbitrária e centralizadora por diversos
acadêmicos, o MCT decidiu que o CGEE não mais prestará
assessoria aos fundos setoriais. O contrato de cinco anos firmado
entre o centro e o Ministério permite aditivos a cada renovação
anual e, com o corte de verbas, seu valor foi reduzido em mais da
metade, passando de R$ 7,9 milhões em 2002 para R$ 3 milhões
este ano – isso depois de o Ministério muito relutar
e só renovar o contrato após ser fortemente pressionado
pela comunidade científica. “Em palestra recente do
secretário-executivo do MCT, Wanderlei de Souza, realizada
durante um fórum de pró-reitores, ficou claro que
o papel do centro não será mais o que havia sido acordado
no governo anterior. As políticas de ciência e tecnologia
serão propostas pelo Ministério e o centro será
convidado a opinar quando for necessário”, diz o pró-reitor
de Pesquisa da Unesp, Marcos Macari.
Duplicidade
de funções – Francisco Romeu Landi, diretor-presidente
da Fapesp, confirma a idéia corrente de que a intenção
inicial do Ministério era mesmo “congelar” as
funções do centro. Ele opina que a medida pode ter
sido tomada pelo fato de a equipe de Lula acreditar que o Ministério
tem gente e recursos de mesma natureza na Finep e no CNPq –
ambos ligados ao MCT –, por exemplo, e que, portanto, continuar
com o centro seria manter uma “duplicidade de funções”.
O reitor
da USP, Adolpho José Melfi, define como “preocupante”
a nova orientação para a área científica
e tecnológica. “O centro tem possibilidades de dar
melhor destino aos recursos dos fundos setoriais. Esse esvaziamento
de suas funções sinaliza indefinição
e até uma falta de política estratégica para
a área. Vamos receber o ministro (da Ciência e Tecnologia)
Roberto Amaral na próxima reunião do Conselho Universitário,
em 16 de junho, e certamente abriremos discussão sobre esse
assunto.”
Mesmo
com todo o temor gerado nos meios acadêmico e científico,
Landi, que é também um dos conselheiros do CGEE, olha
para o horizonte com otimismo. “O centro não deverá
ser extinto. Ele veio para ficar. Prefiro interpretar o momento
como um interregno, uma fase de adequação, mesmo com
os pequenos desentendimentos iniciais. Todos acompanhamos as dificuldades
econômicas do governo e sabemos que há uma restrição
violenta de recursos em diversas áreas”, afirma Landi.
“O
Luiz Gushiken (secretário de Comunicação de
Governo e Gestão Estratégica) visitou o CGEE para
ver de perto seu funcionamento e ficou entusiasmado. Até
sugeriu que o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada),
com o CGEE, se tornasse um órgão de assessoria técnica
para políticas estratégicas. Por outro lado, o presidente
Lula já declarou que pretende respeitar e até ampliar
os recursos destinados à pequisa científica e tecnológica
e que planeja direcionar investimentos da ordem de até 2%
do PIB, em 2005, o que totalizaria algo em torno de R$ 12 bilhões,
contra os cerca de R$ 4 bilhões destinados hoje ao setor.”
Os
fundos setoriais estão hoje com recursos contingenciados
pela metade, o que significa que, em vez de R$ 1 bilhão disponível,
eles contam hoje com R$ 500 milhões em caixa para serem aplicados
em pesquisa, segundo Landi.
Desprestígio
– O pró-reitor de Pesquisa da USP, Luiz Nunes de Oliveira,
observa, na mesma linha defendida por Melfi, que pior do que a redução
de verbas foi o desprestígio sofrido pelo centro com o esvaziamento
de suas funções. “Financeiramente, essas medidas
nem são tão relevantes porque o dinheiro já
era escasso. Mas foi um passo destrutivo que pode apagar ações
futuras. Em termos administrativos, não faz sentido começar
do zero. Destruir uma ação para criar outra é
um retrocesso. Correções
são necessárias, mas isso não significa que
se deva apagar o passado. Politicamente, é também
um sinal ruim, um retrocesso na medida em que se voltou atrás
numa decisão que havia sido baseada em sugestões da
comunidade acadêmica e científica”, diz Oliveira.
Para
Macari, pró-reitor da Unesp, a nova estratégia do
MCT é “perigosa”. “É uma política
de altíssimo risco porque pulveriza demais os recursos. Por
um lado, prestigiará pequenos grupos de pesquisa e pesquisadores
individuais, contemplando assim um maior número de pessoas,
mesmo que com baixíssimos recursos. Não haverá
mais investimentos em grandes grupos de pesquisadores e pode ser
que, com isso, não vejamos nada relevante produzido no médio
prazo. Estamos na contramão das políticas anteriores”,
afirma.
O reitor
Brito Cruz, da Unicamp, acredita que o CGEE é especialmente
necessário neste momento, na medida em que o número
de instrumentos para financiamento da ciência e tecnologia
“cresceu muito” com a criação dos fundos
setoriais. “Essa realidade torna ainda mais necessário
o acompanhamento integrado e estratégico no setor. A não-utilização
do centro é uma perda no sentido de que não se estará
usando uma estrutura competente e que já existe. Para o Estado
fazer boas políticas, precisa de informações
confiáveis e o centro faz isso.”
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