Fundamental
é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho.
Os versos de Tom Jobim, musicalizados na década de 60 do
século 20, continuam valendo para os corações
do século 21, mas para muitos é possível amar
e permanecer sozinho. Pelo menos no papel. Dados do IBGE revelam
uma queda significativa no número de casamentos na última
década. De 1990 a 2001, esse número caiu de 8 para
5,7 por mil habitantes a cada ano. Por outro lado, cresceram os
casos de divórcio, passando de cerca de 78 mil por ano em
1990 para 125 mil em 2001 (veja os gráficos abaixo).
Apesar
dos números nada românticos, o professor do Instituto
de Psicologia da USP Ailton Amélio da Silva, psicoterapeuta,
especialista em relacionamento amoroso e autor do livro O mapa do
amor, continua acreditando que o ser humano não nasceu para
ficar sozinho e que o amor é uma necessidade biológica.
“O ser humano é um animal que se casa.” Ele diz
que estudos revelam que 92% das pessoas no mundo se casam pelo menos
uma vez na vida e que o matrimônio é encontrado em
praticamente todos os tipos de civilização.
Silva
diz que a mudança é na forma dos relacionamentos,
que as pessoas continuam se juntando tanto quanto antes, apenas
já não existem mais tantas formalidades. Os dados
mais recentes do IBGE comprovam algumas dessas alterações
de comportamento. O número de uniões consensuais,
ou seja, pessoas que vivem juntas sem nenhum documento legal, aumentou
de 18,3%, no início da década, para 28,3% em 2000.
O professor
é a favor de novas formas de relacionamentos que atendam
às necessidades particulares de cada um e tornem as pessoas
mais felizes, mas acredita que a falta de um ritual de passagem
– que pode ser uma cerimônia religiosa, civil ou até
uma festa – é prejudicial. “Os rituais de passagem
incentivam as pessoas a assumirem publicamente um novo papel em
suas vidas.” Ele também diz que pesquisas mostram que
o número de traições costuma ser maior entre
as uniões não-oficializadas, em que psicologicamente
o comprometimento é menor. “A união consensual
por decorrência de prazo não significa que você
tomou uma decisão. Significa que você preferiu simplesmente
não sair de uma situação.”
A lei
atual também tem sua parcela de contribuição
para as mudanças nos relacionamentos. Aqueles que têm
um relacionamento de convivência pública, contínua
e duradoura com o objetivo de formar família – e agora,
pelo novo Código Civil, independente do tempo (cada caso
é analisado especificamente) – têm os mesmos
direitos de quem é casado no papel. Os exames de DNA também
ajudam a diminuir a obrigação do casamento. Os testes
determinam a paternidade e servem de instrumento para estabelecer
as responsabilidades dos pais. Os filhos já não são
motivo para casar oficialmente.
Todas
essas mudanças na sociedade, inclusive a maior aceitação
de diferentes comportamentos, estão gerando novos modelos
de relacionamento, que há apenas algumas décadas seriam
considerados até imorais. Casamentos “abertos”,
em casas separadas, a distância, namoros virtuais, fórmulas
cada vez mais personalizadas ganham espaço na vida moderna.
“Essa flexibilidade é boa na medida em que não
obriga todos a se encaixarem num mesmo modelo, mas o que não
funciona é a ausência total de parâmetros. Alguns
conceitos são importantes para que qualquer casamento seja
possível”, diz o professor. Ele explica que, na maioria
das sociedades, mesmo de diferentes culturas, algumas regras básicas
aparecem como essenciais para manter o casamento: comprometimento,
investimento (preservar a individualidade, mas também pensar
na forma “nós” e fazer planos juntos), pensar
a médio prazo e alguma forma de controle sexual (sobre relações
extraconjugais).
Sobre
todas essas transformações nos relacionamentos, o
professor faz uma analogia com um pêndulo que tempos atrás
esteve em um extremo e agora caminhou para o lado oposto. Ele acredita
que essa é uma fase de transição, de experimentação,
em que a sensação é de que “tudo vale”,
mas a tendência é que o pêndulo caminhe para
o centro de equilíbrio. “Não vai mais haver
um modelo único de relacionamento, mas continuaremos sempre
a nos casar. Os relacionamentos serão mais personalizados,
o que não significa a ausência total de modelos que
hoje muitas vezes vemos.”
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Patrícia
e Thomas: maneira interessante e arriscada de viver |
Um
casamento baseado na incerteza
Ao
invés de trocar juras eternas de amor e fidelidade, a professora
de Legislação e Deontologia do Jornalismo da Escola
de Comunicações e Artes (ECA) da USP Patrícia
Patrício, de 30 anos, optou por conviver diariamente com
a incerteza. Ela e o tradutor Thomas Tünnemann, de 38 anos,
namoraram por cinco anos, vivem juntos há um e apostam na
lealdade como principal sustentáculo do relacionamento. Patrícia
prefere a sinceridade em admitir os riscos de perder o amor de Thomas
a fazer falsas promessas. “Muitas pessoas fazem juramentos
eternos de coisas que não sabem se têm capacidade de
cumprir. Prefiro viver bem e
construir cada dia da relação a prometer mentiras
até a morte.”
Eles
decidiram não se casar “no papel” e nunca pensaram
em usar aliança. “A verdadeira aliança é
imaterial”, diz a professora. A honestidade na relação
dos dois assustaria a maioria das pessoas que sustentam a fidelidade
como principal compromisso na relação a dois. Para
eles, o mais importante é a lealdade do sentimento. Patrícia
cita uma frase do escritor francês Roland Barthes para expressar
o pensamento que norteou a vida dos dois desde o início do
namoro: “Encontro pela vida milhões de corpos. Desses
milhões, posso desejar centenas, mas dessas centenas amo
apenas um”.
Patrícia
acredita que é hipocrisia jurar fidelidade eterna. Ela e
Thomas têm um acordo de sempre dizer ao outro se acontecer
de se sentirem atraídos por alguém. Até o momento,
segundo ela, nenhum dos dois sentiu necessidade de ter uma relação
extraconjugal, apesar de já terem percebido o interesse de
outras pessoas e comentado o caso entre si. Mas, se ocorrer uma
experiência fora do casamento, Patrícia crê que
é possível manter o relacionamento, desde que o “incidente”
não tenha envolvido nada além do desejo. Ela confessa
que o ciúme existe, mas ainda assim coloca a sinceridade
em primeiro lugar. “É uma maneira interessante e arriscada
de viver. Tem que ter muita autoconfiança.”
A professora
diz que não se imagina vivendo de outra forma e que os dois
nunca cercearam a liberdade um do outro. Patrícia acha que
é fundamental, num casamento, existir espaço para
o indivíduo, para o casal e também para os dois juntos
no contexto social. “O problema é que as pessoas estão
muito individualistas e não conseguem conjugar o espaço
a dois e com a coletividade. É uma doença iluminista.”
Patrícia
se orgulha do tipo de relacionamento que mantém com Thomas
e acredita que, num casamento baseado na lealdade, como o deles,
as pessoas têm mais chance de serem felizes. “Uma relação
fundamentada sobre o princípio da incerteza é mais
difícil no dia-a-dia, mas a longo prazo o relacionamento
se torna muito mais forte e pronto para turbulências. É
melhor do que jurar amor eterno e se decepcionar.”
Namoro
mais que virtual |
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O Dia
dos Namorados deste ano tem um significado especial para o casal
Daniela Matielo, de 23 anos, estudante de Jornalismo da Escola de
Comunicações e Artes (ECA) da USP, e o chinês
Kai Jiang, de 27 anos, doutorando do Instituto de Química
da USP. Além de o dia 12 de junho ser o aniversário
de Daniela, os dois possuem muitos motivos para comemorar o simples
fato de estarem juntos.
Eles
são o exemplo prático do amor na era globalizada.
Quebraram as barreiras da distância, do idioma e da cultura
para partilhar um sentimento mais forte que a razão. O cupido
desse romance não poderia ser outro: a Internet.
Os
dois se conheceram sem querer, ao menos intencionalmente, no começo
do ano passado, quando participavam de um jogo na rede; ela de São
Paulo e ele da Filadélfia, nos Estados Unidos, onde fazia
doutorado. Kai achou interessante o fato de uma mulher gostar de
jogos on-line. A deixa foi o suficiente para os dois iniciarem uma
conversa além das estratégias da partida.
Eles
resolveram trocar número de ICQ, sigla fonética para
a expressão em inglês I seek you – “eu
procuro você”, em português –, um programa
de troca de mensagens on-line. As perguntas foram ficando cada vez
mais pessoais e a conexão, mais forte. Em pouco tempo, cerca
de dois meses, decidiram se falar por telefone. “Foi estranho.
Eu ainda não falava inglês muito bem, não sabíamos
o que dizer, mas apesar disso foi muito excitante”, lembra
Daniela. Depois da primeira vez, os dois se falavam quase todos
os dias por telefone e a curiosidade em se conhecer foi ficando
insuportável. Eles passaram então para o terceiro
passo do romance virtual e trocaram fotos. Daniela mandou primeiro
e Kai precisou de mais tempo para tomar coragem. “Tinha medo
de mandar a foto e ela se desinteressar por mim”, conta Kai.
Vencida
a insegurança, os dois gostaram da aparência um do
outro e começaram a fazer planos de se encontrar. A princípio,
Daniela viajaria para os Estados Unidos nas férias de julho.
A paixão falou mais alto e, no dia 25 de abril de 2002, ela
abraçou Kai pela primeira vez. Eles passaram quatro dias
em Nova York, “dias de sonho” nas palavras ditas quase
ao mesmo tempo pelos dois.
Mesmo
em tão pouco tempo, eles perceberam que a química
entre eles também funcionava fora da rede e já planejavam
o próximo encontro nas férias de Daniela. De novo,
os dois não suportaram esperar e anteciparam as férias
para o Dia dos Namorados do ano passado. Daniela e Kai passaram
cerca de 20 dias na Filadélfia e decidiram que não
iriam mais se separar. Eles só precisavam encontrar a melhor
forma de ficarem juntos.
Kai teve problemas em conseguir um visto para o Brasil nos Estados
Unidos e decidiu então ir até a China para obtê-lo.
A oportunidade se revelou também providencial para que Daniela
conhecesse a família de Kai. Apesar das muitas horas de conversa,
a família de Kai, que segundo ele é bastante tradicional
e conservadora, aceitou a decisão do filho de se mudar para
o Brasil a fim de permanecer ao lado de Daniela. Ela conta que se
surpreendeu com a recepção calorosa dos pais de Kai.
“Meus pais ficaram muito preocupados com a minha decisão,
mas tiveram uma boa impressão da Daniela e respeitaram minha
vontade porque querem o melhor para mim”, disse Kai.
Daniela
voltou para o Brasil sozinha no final de julho, mas no dia 5 de
outubro Kai pisou pela primeira vez no País em que decidiu
morar para ficar ao lado de um amor mais urgente que os planos que
já tinha traçado. Para a alegria dos dois, mesmo com
muitas dificuldades – sobretudo pela barreira da língua
(Kai não falava nada de português quando chegou) –,
os novos planos deram certo e Kai foi aceito no programa de doutorado
do Instituto de Química da USP e também escolhido
para receber bolsa.
“Para
mim, o mais importante na vida é primeiro encontrar o verdadeiro
amor.” É assim que Kai explica sua atitude que, para
muitos amigos e familiares, pareceu um ato de loucura. Os dois moram
num quarto na casa dos pais de Daniela, que, passadas as preocupações
iniciais, apóiam o relacionamento. Para Daniela, a decisão
também não foi fácil, afinal, como o próprio
Kai lembra, eles não podem fazer “como todo mundo faz:
brigar e ir cada um para sua casa”.
A estudante
está convicta e consciente de sua escolha. “O que me
fez tomar essa decisão foi a sensação de que
a gente pode resolver qualquer problema, estamos em muita harmonia.”
É claro que, como em todo romance na vida real, os problemas
existem, mas, ao contrário do que pode parecer, a cultura
não é a maior barreira. “Sou um chinês
mais ocidentalizado e o mais importante é que os nossos valores
são os mesmos”, diz Kai.
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Daniela
e Kai: exemplo prático do amor na era globalizada |
Perdas
e ganhos da paixão a distância |
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Diferentemente
de Daniela e Kai, Gisele Takekawa, de 29 anos, e Edson Tritiack,
de 33 anos, compartilham da mesma língua e cultura, moram
no mesmo país, mas têm um relacionamento marcado pela
distância. O amor deles sempre esteve associado a quilômetros
de estradas. Filhos de uma geração em que a realização
profissional é tão importante quanto o amor para a
felicidade, dividir o mesmo teto acabou ficando em segundo plano.
Na fase atual, a distância que separa os dois é a menor
em que eles já estiveram um do outro: 230 quilômetros.
Gisele
é coordenadora de recursos humanos e gestão de
uma fundação ligada a uma indústria de
bebidas na capital e Edson é piloto da Força Aérea
Brasileira (FAB) em Pirassununga, no interior de São
Paulo. Edson era amigo do irmão de Gisele e já
freqüentava sua casa antes de namorarem. Um dia, o pai
dela foi pego de surpresa quando, ao invés de buscar
o amigo para sair, Edson disse que esperava por Gisele. Era
o começo de um longo romance. |
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Em
1994, Gisele foi estudar Engenharia de Alimentos em Campinas e Edson
foi morar em Natal, no Rio Grande do Norte, enviado pela FAB. No
ano seguinte, a família de Gisele passava por dificuldades
financeiras e ela resolveu ir trabalhar no Japão por um ano
e meio, para ajudar. Enquanto isso, no Brasil, Edson já havia
se mudado para Brasília. Gisele conta que guarda muitas cartas
dessa época em que o e-mail ainda não era tão
acessível à maioria.
Durante
o período em que a engenheira esteve no Japão, Edson
também teve uma experiência internacional. Foi estudar
na Inglaterra. Mesmo sem se ver, o namoro permanecia. Os dois só
voltaram a se encontrar em 1996 e Gisele confessa que estava com
medo. “Eu sabia que tínhamos mudado bastante, não
imaginava o que podia acontecer, mas quando nos reencontramos percebemos
que tínhamos que ficar juntos.”
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Apesar
da constatação, a relação continuou
a distância, Edson em Brasília e Gisele em Campinas,
para terminar os estudos. Ela diz que os dois sempre enfrentaram
dificuldades e problemas por causa da distância, sobretudo
quando brigavam e queriam a todo custo se ver, mas aos poucos
foram se acostumando e aprendendo a administrar o relacionamento
dessa forma. |
Em
1999, Edson voltou para Pirassununga. Um ano depois, surgiu uma
oportunidade profissional para Gisele em Londrina. Edson não
foi contra, mas disse que estava cansado de viajar tanto. Ela se
comprometeu a vir encontrá-lo todos os finais de semana em
São Paulo. Depois de muitas horas perdidas dentro do ônibus,
ela se cansou e resolveu, em 2001, voltar a trabalhar em São
Paulo. E há dois anos a situação dos dois se
mantém. “Sei que vai chegar uma hora em que um dos
dois vai ter que ceder”, declara Gisele. Ela diz que já
tentou procurar emprego em Pirassununga, mas não teve sucesso.
Para Edson também seria uma decisão difícil
deixar a FAB para vir morar em São Paulo. Os dois têm
medo de mudar o rumo da vida profissional um do outro e depois se
culparem caso algo saia errado.
Mesmo
sem ter ainda um plano definido, eles pretendem se casar um dia.
Gisele revela que às vezes tem um pouco de receio –
depois de 13 anos se relacionando a distância – de passar
todos os dias ao lado de Edson. “A relação a
distância não tem o desgate do convívio diário,
mas também nunca tive essa experiência para saber se
mesmo assim é melhor.”
Apesar
de as escolhas profissionais terem vindo na frente, até agora,
na história de Gisele e Edson, ela acredita que o amor é
o que existe de mais importante na vida. “Acho que um de nós
dois vai acabar abrindo mão do trabalho para ficarmos juntos,
mesmo sem um ultimato.” Os dois estão noivos desde
o ano passado, mas a data do casamento ainda não foi marcada.
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Edson
e Gisele: dividir o mesmo teto ficou em segundo plano |
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