Qual
o papel da Amazônia na regulação do clima mundial?
Quais os impactos que a ocupação humana, incentivada
pelo governo militar, teve sobre o ecossistema da maior floresta
tropical do mundo? A Amazônia absorve gás carbônico
ou o elimina para a atmosfera? Essas são apenas algumas das
interrogações que impulsionam pesquisadores brasileiros
e estrangeiros nos estudos desenvolvidos pelo LBA, que em inglês
significa Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na
Amazônia.
O projeto,
coordenado pela USP, conta com a participação de várias
universidades brasileiras, União Européia e Nasa,
além de receber financiamentos da Fapesp e do Ministério
da Ciência e Tecnologia, para estudar o clima, a ecologia,
o ciclo das águas, as composições biogeoquímicas
da atmosfera e os impactos da exploração da terra
sobre a Amazônia e o resto do planeta.
Em
outubro passado, data da mais recente campanha de coleta de dados
do LBA, uma equipe da TV USP foi a Rondônia conhecer o dia-a-dia
dos pesquisadores. O objetivo era produzir o documentário
“Amazônia prometida – A colonização
de Rondônia”, que será apresentado no dia 1o
de julho, terça-feira, através do Canal Universitário
de São Paulo (canal 15 da NET e da TVA), em cinco horários
(7h30, 12h, 16h30, 21h e 1h30).
Em
Ouro Preto do Oeste, a equipe conversou com o coordenador Paulo
Artaxo, professor do Instituto de Física da USP. Em Ji-Paraná,
entrevistou a coordenadora Maria Assunção da Silva,
professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmostéricas (IAG), também da USP. De volta a São
Paulo, ainda faltavam outros dois coordenadores. Em
Cachoeira Paulista, a TV USP encontrou Carlos Nobre, pesquisador
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e, em Piracicaba,
entrevistou Reinaldo Victoria, diretor do Centro de Energia Nuclear
na Agricultura (Cena), ligado à Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. Parte
das discussões a ser apresentadas em “Amazônia
prometida”, no dia 1o de julho, o leitor acompanha a seguir.
TV
USP
– Durante a Rio+10, no ano passado, em Johannesburgo, voltou
à tona a polêmica sobre a internacionalização
da Amazônia. Afinal, o que está realmente por trás
dessa discussão?
Paulo
Artaxo
– Quando, na Rio+10, se referenciou a questão de a
Amazônia ser um patrimônio mundial, não se discutia
a propriedade dela em si, que é inquestionável, mas
sua importância na regulação do clima global.
A floresta é a principal fonte de vapor d’água
em regiões tropicais do planeta e isso regula o ciclo hidrológico
global.
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A
floresta é fundamental para regular o ciclo hidrológico
global |
TV
USP
– É claro o interesse que a Amazônia desperta
na comunidade científica internacional. A prova é
a presença de instituições estrangeiras dentro
do LBA, como a Nasa e o Max-Planck Institute. Qual a proposta do
experimento?
Artaxo
– O LBA é um experimento de iniciativa brasileira,
com cooperação internacional, que busca entender o
funcionamento integrado do ecossistema amazônico. O experimento
é organizado em diferentes áreas temáticas:
ciclagem de carbono, que enfoca a absorção de gás
carbônico e sua emissão na área da Amazônia
Legal; ciclos biogeoquímicos de fósforo e nitrogênio,
cruciais para a manutenção do ecossistema; clima físico,
para estudar a emissão de vapor d’água, de partículas
de aerossóis e de gases traços, que influenciam na
precipitação, temperatura e radiação;
estudos de como essas variantes se relacionam com as mudanças
de uso do solo; e, por fim, as dimensões humanas. Não
é possível hoje estudar o clima físico e o
funcionamento físico-químico do ecossistema sem tentar
entender o papel do homem nessas alterações.
Maria
Assunção
– Na parte de física do clima, a nossa intenção
básica é entender até que ponto se modificam
o regime de chuvas, a temperatura e a umidade do ar no momento em
que se altera o uso da terra – por exemplo, quando se substitui
a floresta por pastagem.
Reinaldo
Victoria
– O Grupo de Química das Águas, coordenado pelo
Cena, trabalha em Rondônia num projeto temático da
Fapesp intitulado “Como as mudanças de uso da terra
estão afetando as características dos rios da região”.
TV
USP
– Em qual momento da história podemos dizer que a vegetação
amazônica começou a sofrer alterações?
Carlos
Nobre
– A partir dos anos 60, a cobertura vegetal da Amazônia
já começou a sofrer alterações em razão
da construção de estradas que cruzam a região,
como a Belém-Brasília. A partir da década de
70, com os planos governamentais de abrir a Amazônia à
exploração agrícola, o processo de desmatamento
foi acelerado. Até 1978, 2% da cobertura vegetal da floresta
tinha sido desmatada. Agora, 25 anos depois, esse percentual já
chega a 15%. Hoje, mais de 600 mil quilômetros quadrados,
área maior que o Estado de Minas Gerais, já estão
desmatados.
TV
USP
– Quais são os Estados mais desmatados?
Nobre
– Mato Grosso, Pará e Rondônia. O último
já tem mais de 35% de sua cobertura florestal modificada
pela ação humana.
TV
USP
– Quais são as causas do desmatamento?
Nobre
– Entre as principais causas do desmatamento, podemos destacar
a extração seletiva de madeira, a agricultura –
especialmente a de subsistência – e a pecuária,
que ocupa 80% das áreas desmatadas.
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A
temperatura média do planeta poderá subir 60C
até o ano 2100 |
TV
USP
– Nesta fase das pesquisas do LBA, já é possível
estabelecer relações entre as mudanças do clima
e o desmatamento? É comum ouvirmos moradores antigos de Ji-Paraná,
em Rondônia, reclamar do calor e da diminuição
das chuvas.
Maria
Assunção
– Há dois anos, fizemos uma campanha de sobrevôos
sobre a região amazônica durante a estação
chuvosa e constatamos que choveu 20% menos na área desmatada
em relação à floresta. Além disso, o
aumento na sensação térmica de calor é
bastante sensível, o que é explicado pela substituição
de floresta por pastagem.
Artaxo
– Uma pastagem reflete mais radiação de volta
para o espaço do que uma área de floresta. Isso tem
importância fundamental porque contribui para o aquecimento
da atmosfera. Alterando a temperatura, altera-se uma série
de padrões termodinâmicos, que, por sua vez, mudam
o funcionamento do ecossistema.
TV
USP
– Entre agosto e novembro, quase não se vê o
Sol em Rondônia. O céu está constantemente encoberto
pela fumaça originária das queimadas. Quais as conseqüências
dessa prática?
Artaxo
– O processo de queimada ocorre depois da chamada derrubada.
No começo de maio, árvores são derrubadas e
mantidas no chão para secar. Em setembro, toca-se fogo e
grande parte do carbono armazenado naquela massa orgânica
queimada é lançada para a atmosfera na forma de gás
carbônico, que é o principal causador do efeito estufa.
TV
USP
– Podemos então afirmar que o Brasil contribui para
o acirramento do efeito estufa?
Artaxo
– Hoje existe um consenso na comunidade científica
internacional de que as emissões antropogênicas, como
a queima de combustíveis fósseis, são os principais
responsáveis pelo aumento das concentrações
de gás carbônico na atmosfera e pelo aumento de temperatura
observado em diversas regiões do planeta. As principais questões
são: quais serão as conseqüências disso
no final do século 21, quais as formas de diminuir as concentrações
de gás carbônico na atmosfera e, principalmente, quem
paga a conta do controle global da emissão de gases do efeito
estufa.
TV
USP
– Quais são as previsões e as possíveis
conseqüências do efeito estufa?
Artaxo
– A previsão dos modelos de clima global indica que,
no final deste século, em torno do ano de 2100, a temperatura
média do planeta vai subir entre 3°C e 9°C, com um
valor mais provável ao redor dos 6°C. Um aumento desses
pode trazer conseqüências econômicas muito sérias
para a agricultura, o aumento das taxas de furacões, inundações
e um espaço menos adequado para a espécie humana.
TV
USP
– Quais são os métodos de pesquisa do LBA para
estudar o ciclo do carbono?
Artaxo
– O LBA está operando atualmente 12 torres de medidas
de fluxo de carbono em várias regiões da Amazônia.
Estamos instalando outras. A idéia é entender os processos
que regulam a absorção de carbono da atmosfera pela
floresta. Até o momento, observamos que ela tem funcionado
como um pequeno absorvedor e nós queremos entender o porquê
e principalmente o que regula esse fluxo.
Maria
Assunção
– As torres do LBA estão distribuídas ao longo
da Bacia Amazônica, em áreas bastante diferentes entre
si, para depois podermos comparar como o uso que se faz do solo
influencia o ciclo de carbono. Temos torres instaladas em florestas
virgens, em locais onde existe o corte seletivo, em pastagens, em
áreas que ficam entre a pastagem e a floresta, no cerrado
etc.
TV
USP
– Existem outras conseqüências das queimadas sendo
estudadas pelo LBA?
Maria
Assunção
– Na parte de física do clima, queremos entender até
que ponto o regime de chuvas é alterado pela composição
do ar na época de queimadas. No mês de outubro de 2002,
utilizamos dois aviões para fazer medições
em nuvens. O Bandeirante do Inpe, que está voltado para medidas
de química atmosférica, composição de
queimadas e composição das partículas originadas
da queima da biomassa, e o Bandeirante da Universidade Estadual
do Ceará, que está equipado para medir tamanhos de
gotas e conteúdos de água dentro das nuvens. Uma coisa
que nos surpreendeu foi a quantidade imensa de partículas
de fumaça que está na atmosfera numa situação
de queimada. Há indicadores de que essa quantidade incrível
de material particulado no ar afeta a capacidade de as nuvens “choverem”.
TV
USP
– Além do calor e do clima abafado, outro ponto que
nos chamou a atenção ao chegarmos a Ji-Paraná
foram as margens do principal rio da cidade. As matas ciliares deram
lugar a moradias precárias. Qual o impacto disso sobre as
águas?
Artaxo
– A equipe do Cena está estudando como o uso do solo
ao longo da bacia influencia na qualidade da água, por exemplo,
do rio Ji-Paraná. Para a surpresa desses pesquisadores, observou-se
que, em algumas regiões, as concentrações de
nitrato, sulfato e de indicadores de ocupação humana
são extremamente elevadas, comparáveis às dos
rios do sul do País. Obviamente, as águas do rio Amazonas,
por causa do volume, são muito pouco perturbadas. Mas algumas
bacias regionais já se encontram próximas do ponto
de saturação, principalmente em Rondônia, Mato
Grosso e sul do Pará.
Reinaldo
Victoria
– Em Rondônia, por exemplo, existem indicações
de que as características químicas do rio Ji-Paraná
estão mudando. Eu não chamaria isso ainda de poluição,
mas diria que o rio está “sentindo” o que estão
fazendo em suas margens. À medida que você desmata
a bacia de drenagem do rio, você altera o regime pelo qual
os nutrientes e os sedimentos são levados da terra para o
rio.
TV
USP
– Testemunhos dos ribeirinhos indicam que a água do
rio Ji-Paraná muitas vezes é utilizada para consumo
quando falta água encanada. Essa população
corre algum risco? Qual a relação entre o desmatamento
das matas ciliares e a contaminação das águas?
Reinaldo
Victoria
– Quando você tem uma chuva em área de floresta,
esta tem grande capacidade de absorção. Então
o caminho da água é subterrâneo. Mas, quando
se remove a cobertura vegetal, o caminho passa a ser superficial
e provoca a erosão das margens. O acúmulo de sedimentos
arrastados para dentro do rio causa a eutrofização,
que é o excesso de nutrientes nas águas. Isso pode
afetar a população em caso de consumo porque o tratamento
é dificultado. Esse ainda não é o problema
em Rondônia, uma vez que as cidades são pequenas. Mas
pode ser que chegue a isso.
TV
USP
– Quais são os resultados alcançados pelo Cena
até agora?
Reinaldo
Victoria
– O que estamos detectando é que, à medida que
você passa de regiões não desmatadas a regiões
altamente modificadas e novamente volta a regiões ainda virgens,
o rio não consegue mais recuperar as características
naturais.
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Desenvolvimento
sustentável é a saída para a preservação
da Amazônia |
TV
USP
– Quais os legados que o LBA deixará?
Artaxo
– É importante entender que o pior uso que se pode
fazer de uma floresta é queimá-la e transformar aquela
biodiversidade e aquele carbono em gás carbônico. É
o uso mais anti-econômico. É uma tarefa de todos os
brasileiros desenvolver uma estratégia de ocupação
da Amazônia que possa minimizar os impactos sobre o ecossistema
e maximizar os ganhos econômicos da exploração
da florecta, que podem ser muito grandes.
Maria
Assunção
– Outro legado do experimento será a formação
de pessoal que saiba estudar o ambiente amazônico como um
todo. Mas é claro que existem outros benefícios que
serão deixados pelo LBA. Um deles é a melhoria dos
modelos de previsão climática – modelos que
estimem com mais precisão o que vai acontecer daqui a cem
anos. Porque uma melhor representação dos processos
e das projeções futuras acaba sendo um benefício
na hora de se formularem políticas públicas.
Reinaldo
Victoria
– Seguramente o legado é conhecimento e educação.
Nós estamos aplicando recursos da nossa pesquisa para montar
laboratórios em Rondônia, treinando pessoal para que,
daqui a dez anos, eles conscientizem as pessoas sobre como tratar
as nossas águas.
Nobre
– Para os países amazônicos, principalmente para
o Brasil, um dos principais legados do LBA é a formação
de recursos humanos para atuar na área científica.
O LBA terá formado de 120 a 150 mestres e doutores sobre
pesquisa amazônica. Esse é seu principal legado, porque
vai permitir, mais adiante, o enraizamento de práticas de
desenvolvimento sustentável. Primeiramente é importante
entender como funciona a Amazônia, depois como os ecossistemas
respondem a alterações e, por último, desenvolver
tecnologias que sejam sustentáveis sob o ponto de vista ecológico,
econômico e social.
O
documentário “Amazônia prometida – A colonização
de Rondônia” será apresentado no dia 1o de julho,
em cinco horários (7h30, 12h, 16h30, 21h e 1h30), pelo Canal
Universitário de São Paulo (canal 15 da NET e da TVA).
Duração: 54 minutos. Direção de Produção:
Lara Silbiger e Fabiana Mariz. Direção de Fotografia:
Alexandre Gennari. Direção de Edição
e Roteiro: Lara Silbiger. Edição: Anderson de Oliveira.
Entrevistas: Fabiana Mariz e Lara Silbiger. Imagens: Alexandre Gennari
e Jessica Sato.
Os
benefícios do LBA
O
Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia
(LBA) é uma iniciativa internacional de pesquisa liderada
pelo Brasil. O objetivo é conhecer o funcionamento
da floresta e saber de que modo as mudanças do uso
da terra estão afetando os ecossistemas local, regional
e global. Os estudos, que contam com investimentos de US$
100 milhões, envolvem pesquisadores da USP, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Administração
Nacional de Espaço e Aeronáutica (Nasa), dos
países amazônicos, de cinco países europeus
e do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa), entre
outros.
As pesquisas, multidisciplinares e integradas, estão
divididas em sete áreas: física do clima, armazenamento
e troca de carbono, biogeoquímica, química da
atmosfera, hidrologia, usos da terra e cobertura vegetal e
dimensões humanas. A partir dos resultados, o LBA ambiciona
propor idéias que contribuam para o desenvolvimento
de políticas públicas voltadas para o uso sustentável
da terra na Amazônia.
Outra contribuição do projeto é a formação
de pesquisadores, na região amazônica, especialistas
no tema “mudanças climáticas globais”
– considerado um dos maiores desafios da ciência
no século 21.
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A
floresta do milênio
Em
outubro de 2001, uma das pesquisas do LBA, “Mudanças
de uso de solo na Amazônia: implicações
climáticas e na ciclagem de carbono”, coordenada
pelo professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física
da USP, foi contemplada pelo Programa Institutos do Milênio
do Ministério da Ciência e Tecnologia. A iniciativa
federal visa a desenvolver centros de conhecimento científico
e tecnológico que elevem a novos patamares o desempenho
do País nesse setor estratégico para o progresso
social e econômico.
Uma
das metas do Instituto do Milênio Amazônia/LBA
é fortalecer grupos de estudos ambientais nas universidades
e centros de pesquisa localizados na própria região.
Dos R$ 4 milhões concedidos pelo Ministério
para os três anos de pesquisa, 71% serão empregados
em instituições da região amazônica.
Além
de entender o funcionamento da Amazônia como um sistema
integrado, o projeto também estuda alternativas de
uso do solo que minimizem o impacto ambiental do processo
de ocupação da região.
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