O
drama e a comédia, a tristeza e a alegria, a doença
e a saúde, a guerra e a paz... Assim como fazem parte da
vida, estão presentes na peça Os Sete Afluentes do
Rio Ota, escrita pelo dramaturgo canadense Robert Lepage. Com cinco
horas de duração, conta a saga do militar americano
Luke O’Connor e de seus filhos, atravessando 50 anos de história
do século 20 – começa pelo episódio do
ataque nuclear a Hiroshima em 1945, passa pelo Holocausto e chega
até o ano 2000. “Pela primeira vez o teatro transcendeu
o palco”, afirma a diretora Monique Gardenberg, que assistiu
ao espetáculo em 1996, completando que “a obra nos
revela, com toda poesia e delicadeza, nossa comovente insignificância
e complexa humanidade”.
São
sete capítulos, como também os afluentes do Rio Ota,
que por isso se tornou o alvo perfeito da bomba atômica, matando
milhares de pessoas, que sofrendo de queimaduras, correram para
o rio em busca de água. E é a partir daí que
começa a história, com Luke (interpretado por Caco
Ciocler), que sai para fotografar os arredores de Hiroshima, e acaba
se apaixonando por Nozomi (Beth Goulart), uma das sobreviventes
que teve seu rosto desfigurado, retratando os horrores da Segunda
Guerra de forma poética já que em nenhum momento o
público vê seu rosto. Há ainda cenas engraçadas,
como a do tradutor (Pascoal da Conceição), que reproduz
na íntegra os diálogos de um jantar, tirando muitos
risos da platéia. A peça também está
dividida em duas partes, sendo que cada uma delas é independente
da outra: a primeira traz toda a história de Luke, e a segunda
abre com uma personagem, amiga da família O´Connor,
que relembra como conseguiu escapar do campo nazista de Terezin.
O
espetáculo trabalha com a linguagem do cinema, já
que Lepage é cineasta (a diretora também) e traz para
o palco um enorme retângulo como se fosse uma tela alongada.
Além disso, são utilizadas projeções
de vídeo – com cenas históricas, como, por exemplo,
da bomba ou ainda dos próprios atores –, legendas,
teatro de sombras, dança e até efeitos especiais,
entre eles, fazer chover no cenário. A trilha sonora é
um caso à parte, belíssima (assinada por Zé
Nogueira), faz os espectadores viajarem para o Japão, visitando
Hiroshima e Osaka, para a América em Nova York, além
de Amsterdã e Polônia, tudo com uma iluminação
e cenário cuidadosos. Tradução de Sérgio
Maciel (inglês) e Lisa Lagnado (francês). No elenco
estão Giulia Gam e Vera Zimmermam, que revezam os papéis
nas apresentações, Maria Luiza Mendonça, Helena
Ignês, Lorena da Silva, entre outros.
Devastação
e renascimento – Foi exatamente esse paradoxo que chamou a
atenção do dramaturgo, ator e cineasta Robert Lepage
em sua viagem a Hiroshima e é o ponto de partida da peça
Os Sete Afluentes do Rio Ota. Os ensaios começaram na cidade
de Quebec, no Canadá, em 1994 e Lepage não queria
nada menos que se tratasse de um épico teatral. Sua estrutura
é totalmente diferenciada: o cenário foi o primeiro
a ser definido e o retângulo de madeira tornou-se uma moldura,
como se fosse um cinema vivo; também era uma produção
colaborativa com o grupo Ex-Machina, onde todos conceberam o espetáculo
por meio de improvisação, discussão e estruturação,
determinando o texto final a poucos dias de sua estréia.
A
primeira versão foi apresentada em agosto de 1994, como parte
do Festival de Edimburgo, e sua versão final só veio
a público em maio de 97, no Festival de Teatro das Américas,
em Montreal (Canadá). No Brasil, sua estréia aconteceu
no Rio de Janeiro com sucesso de público e crítica,
além de ser ovacionada no Festival de Curitiba. Não
é à toa que a montagem brasileira já recebeu
cinco indicações para o Prêmio Shell de Teatro
de melhor direção, cenário (Hélio Eichbauer),
figurino (Marcelo Pies), iluminação (Maneco Quinderé)
e ator (Caco Ciocler, EAD/USP). Não dá para perder!
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