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Um artista dividido entre seus anseios e os paradigmas de sua época. O escritor Thomas Mann certamente não foi o único a vivenciar esse conflito. Para ele, no entanto, houve um fator determinante. Ou melhor, determinista. Além de artista e homossexual, ele ainda tinha descendência brasileira. Um novo estudo sobre o escritor alemão mostra como a origem “mestiça” de Mann levou à sua inadequação à sociedade burguesa alemã.

Ao contrário do que possa parecer, o autor de Thomas Mann, o artista mestiço Richard Miskolci, brasileiro que estudou Mann em seu doutorado na USP e na Universidade de Chicago (EUA), não compartilha de espécie alguma de determinismo nacionalista. Em vez disso, mergulha no panorama sociocultural vivido por Thomas Mann (1875-1955) para compreender seu conflito entre assumir-se como artista e estrangeiro em sua própria nação ou assimilar-se à burguesia alemã. “Ele queria ser o Goethe do século 20. Como poderia ser Goethe se não era um alemão puro?”, esclarece Miskolci, ao exemplificar uma questão que o próprio Mann se fazia.

A ciência alemã da época postulava que a arte era como uma doença transmitida geneticamente. Era o prenúncio do que mais tarde veio a se desenvolver em teorias nazistas. De acordo com a teoria em voga, Mann teria herdado sua “veia artística” do caráter estrangeiro de sua mãe, que apreciava artes, especialmente música. Sim, o escritor exilado pelo regime nazista foi influenciado pelos preceitos da eugenia. “Em uma entrevista a Sérgio Buarque de Holanda, concedida por causa da nacionalidade brasileira do entrevistador, Mann afirmou que tinha a ‘influência do sangue brasileiro de Júlia Mann’”, conta o pesquisador. Esse período histórico foi pautado pelo determinismo científico, quando a burguesia queria afirmar-se por conceitos peculiares de saúde, família e sexualidade, alocando perversões e outros fatores como responsáveis pela “degeneração” do ser.

O comumente chamado “artista burguês” queria integrar-se a essa sociedade burguesa alemã, sem contrariar as expectativas de sua família e de sua classe. Em cartas, diários, ensaios e principalmente na obra ficcional do escritor, Miskolci coletou confirmações do temor de Mann em relação a seus supostos desvios sexuais e artísticos. “As teorias da psiquiatria da época afirmavam que a inteligência e a criatividade seriam derivadas da febre da sífilis. Daí muitos dos personagens de Mann serem artistas com sífilis. Ele transferia para seus personagens o artista que ele temia ser, é como se assim ele exorcizasse o estigma”, explica o autor, que analisou obras como Doutor Fausto e A Morte em Veneza, protagonizadas por artistas. “Mann é ambíguo. Seu principal traço estilístico é a ironia, utilizada por quem se vê numa situação e não pode dizer explicitamente o que pensa”, continua.

Miskolci também relata que um dos símbolos usados pelo autor alemão foi a borboleta Hetaera Esmeralda, descoberta na Amazônia brasileira. “Mann sabia que ela era brasileira, por isso a escolheu. A borboleta é enganosa, reflete as cores com uma beleza extrema e é venenosa.” Esse símbolo, aliás, está na capa em verde e amarelo do livro, em que é feita uma contextualização social, histórica e cultural, e não psicanalítica, conforme ressalta o autor. É assim que o estudo difere de outras pesquisas acerca de Júlia Mann, que buscaram na relação materna as explicações para os paradoxos do escritor. “É uma pesquisa histórica, analiso o que era ser brasileiro na Alemanha do século 19”, enfatiza.

“A vida de Thomas Mann foi um progressivo desaburguesamento. Quando consciente de que a Alemanha já o havia rejeitado desde o nascimento, ele afirma em uma de suas obras, ‘Eles não são alemães. Eu sou alemão’”, conclui o pesquisador, esclarecendo que o escritor se referia a uma Alemanha “espiritual”, porque “a Alemanha real ele nunca aceitou”. Somente no exílio, no final de sua vida, Mann afirma ter se tornado “o cidadão do mundo isolado”, expressão utilizada por um jornal britânico para descrevê-lo.

O lançamento do livro
Thomas Mann, o artista mestiço

(Editora Annablume/Fapesp,
164 págs., R$ 25,00)
é nesta quarta, às 19h, na própria editora (r. Padre Carvalho, 275, Pinheiros,
tel. 3812-6764)

 

 




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