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Euclides
Jesus dos Santos, acampado próximo a Presidente Venceslau,
mostra
plantação de braquiária (acima).
Ao lado, barraco "decorado" com os 10 mandamentos
do MST |
Quase
três horas da tarde e o sol forte não desanima “seu”
Euclides Jesus dos Santos. Aos 58 anos de idade, ele mostra disposição
ao montar mais um barraco no acampamento Nova Força, do Mast
(Movimento dos Agricultores Sem-Terra), um dos movimentos por reforma
agrária atuantes na região do Pontal do Paranapanema.
Isolados no meio do “nada”, os barracos das 67 famílias
do grupo estão instalados nos fundos de uma fazenda que sonham
um dia poder ocupar, nas proximidades dos assentamentos Primavera
e Tupanciritã, nas imediações do município
de Presidente Venceslau.
“O
barraco é um favor para uma senhora que está chegando.
As pessoas aqui são amigas, se ajudam muito”, explica
a esposa Maria José, companheira de Eu-clides há 13
anos, quatro deles passados sob a lona do acampamento. Ele “puxava
bóia-fria” numa caminhonete quando conheceu Maria José,
que, na época, era uma das trabalhadoras diaristas transportadas
pelo marido. Ainda eram tempos de vacas gordas para Euclides, ex-arrendatário
de terras na região. Sergipano
de Itabaiana, aventurou-se sozinho, aos 13 anos de idade, num pau-de-arara,
para vir a São Paulo “ganhar dinheiro a rodo”,
como diziam na época, conforme ele conta. Ficou dois meses
no Paraná, onde o pagamento era “uma surra por dia”
e, finalmente, veio para a região do Pontal, onde encontrou
um cearense que o empregou. Euclides conta que seus negócios
de arrendamento de terras declinaram a partir da década de
80, com o domínio da pecuária de corte. “Com
gado no pasto, ninguém mais queria arrendar a terra”,
diz.
De
fato, o café, que havia prosperado até a crise de
1929, deu
lugar para o algodão, que se expandiu em quase todos os municípios
do Pontal até por volta dos anos 50. Foi nessa fase que a
região vivenciou a explosão do sistema de arrendamento.
Mas, a partir da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento das fibras
sintéticas, o algodão foi cedendo espaço para
a pecuária de corte, que se desenvolveu principalmente nas
terras onde hoje se localizam os municípios de Teodoro Sampaio,
Rosana, Presidente Epitácio e Marabá Paulista. Com
isso, arrendatários como “seu” Euclides e milhares
de bóias-frias que trabalhavam nas lavouras de algodão
acabaram ficando à margem do sistema produtivo. Não
por mera coincidência, foi também a partir da década
de 80 que explodiram os movimentos sociais de luta pela terra, especialmente
no Rio Grande do Sul, Mato Grosso e São Paulo.
Braquiárias
– A história de “seu” Euclides pode ser
considerada um espelho do que ocorre com a grande maioria dos acampados
ou dos que já estão assentados na região do
Pontal do Paranapanema. De acordo com o professor Bernardo Maçano
Fernandes, da Unesp de Presidente Prudente, coordenador do Nera
(Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária),
50% dos assentados e acampados são originários do
Nordeste, que migraram num fluxo para esta e outras regiões
do País. A maioria já foi arrendatária e também
passou pelo Paraná, Rondônia, Mato Grosso ou Pará
antes de se estabelecer no Pontal. No Pontal, região situada
no extremo oeste do Estado de São Paulo e constituída
por 32 municípios, há cerca de 5 mil famílias
distribuídas em 27 acampamentos, além de 6.066 famílias
que habitam 94 assentamentos. Em média, cada família
possui cinco integrantes. Os dados são do Dataluta (Banco
de Dados da Luta pela Terra) e foram reunidos pelo grupo do Nera.
“Seu”
Euclides não tem medo do batente. “Faço o que
aparecer, mas no momento tem aparecido muito pouco trabalho, só
quando tem safra e quando me chamam.” O sergipano só
sabe assinar o nome e agora faz “bicos” como bóia-fria
para pequenos proprietários dos assentamentos de Primavera
e Tupanciritã. Ganha R$ 12,00 por dia, quando muito. Outra
parcela de seu sustento vem da renda da esposa, que trabalha como
empregada doméstica na cidade, três vezes por semana.
Nos assentamentos em que já trabalhou, colheu principalmente
milho, feijão, algodão e cultivou também braquiária
ou bizantão, tipo de mato que serve de alimento para gado.
Euclides conta que o cultivo desse capim e o arrendamento de lotes
por parte dos assentados é prática que vem se difundindo
nos assentamentos, o que ele critica com certa amargura. “As
pessoas ganharam terra para plantar alimento e agora fazem isso.
Se eu tivesse um pedaço de terra, plantaria o que comer.
Esse aqui mesmo (aponta um terreno de assentado) mora na cidade,
arrendou sua terra e tem um bar.”
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Barraco
do acampamento Jair Ribeiro, em Presidente Epitácio,
tem decoração de jardim, horta e bandeira do MST |
No Jair Ribeiro, a "regalia" de um poço semi-artesiano
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“Muitos
dos acampados trabalham como bóias-frias para os assentados”,
garante Wesley Leôncio de Almeida, um dos dirigentes regionais
do MST (Movimento dos Sem-Terra) no Pontal. Além dos pequenos
agricultores, os médios e grandes proprietários (estes
atualmente mais voltados para a monocultura da soja) também
empregam mão-de-obra dos acampamentos.
Fogões
de barro, sanitários do tipo fossa, banheiros improvisados,
na grande maioria dos casos os acampados “se viram”
para tomar banho em algum riacho que, felizmente, são abundantes
na região ao Pontal. Mas a maior dificuldade mesmo ainda
é comer. Não é difícil encontrar acampados
sem alimento no barraco. Essas pessoas acabam vivendo de doações
de amigos, vizinhos e até fazendeiros – que doam leite
ou água – ou ficam no aguardo da próxima cesta
básica do programa Fome Zero do governo federal. Os acampados
mais antigos ou aqueles já cadastrados no Incra (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária)
ou ao Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado
de São Paulo) passaram a contar, desde maio último,
com as cestas básicas do governo, que trazem feijão,
arroz, farinha de milho, de trigo e de mandioca, óleo e leite
em pó em quantidades que garantem o sustento por cerca de
15 dias para uma família de cinco adultos.
É
o caso de Joel Varela Câmara, de 57 anos, acampado há
quatro anos na região de Presidente Epitácio e que
recentemente se juntou ao núcleo Jair Ribeiro, comandado
pelo líder do MST, José Rainha Júnior. “Se
você procurar no meu barraco, não vai encontrar um
grão de arroz. Vou ali na frente pedir um pouco de mandioca
para dar para os meus filhos no almoço. Quando não
tem trabalho, vivo do que me dão. E trabalho é mais
difícil pra gente da minha idade. Estamos esperando a cesta
de julho, mas ouvi falar que ainda não foi distribuída
por falta de combustível para os caminhões. Se o Rainha
estivesse solto, ele já teria dado seus pulos e ajeitado
isso. Ele é o pai do povo aqui. É uma liderança
que faz falta. Tá
todo mundo contra esse juiz aí (referindo-se a Atis de Araujo
Oliveira, do fórum de Teodoro Sampaio, que decretou prisão
preventiva de Rainha e outros membros do MST em 11 de julho passado).
Ele está judiando dos meus filhos”, desabafa Joel.
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Crianças
no Pontal: perspectivas incertas e vontade de rever familiares |
Documentos
de acampados: participação política por
um pedaço de terra |
A barraca
de Joel fica numa das pontas do acampamento Jair Ribeiro. O local,
devido à grande quantidade de pessoas reunidas em pouco espaço
de tempo, vem sendo chamado de Nova Canudos. São cerca de
3,8 mil famílias, segundo dados do MST e do Nera, distribuídas
ao longo de três quilômetros da rodovia SPV-35, que
dá acesso a Presidente Epitácio. O núcleo foi
formado há pouco mais de dois meses a partir de um “trabalho
de conscientização”, como chamam os dirigentes
do MST. Antes disso, eram cerca de 160 famílias lideradas
por “seu” Edir Ronan Ribeiro, que é agora um
dos coordenadores do MST na região, além de outros
dois líderes que, conforme contam os acampados antigos, decepcionaram
as famílias com promessas que nunca foram cumpridas.
Mas,
como todo bom brasileiro, o acampado é um bravo, um sujeito
que dá sempre um “jeitinho” para sobreviver.
Os que podem comprar milho conseguem garantir um pequeno criadouro
de galinhas. A pesca nos rios da região também é
comum. Quando é possível, ou seja, se o acampado já
está há algum tempo no mesmo local ou se a área
do acampamento não está nas proximidades de reserva
florestal, muitos deles cultivam hortaliças ou mandioca.
Desagregação
familiar – Além dos problemas econômicos, os
sem-terra também sofrem com a desagregação
familiar e a falta de identidade cultural. São pessoas sem
parada, que se deslocam de um lado a outro porque buscam algum acampamento
“melhor” ou porque têm de entregar a área
ocupada em razão de liminares de reintegração
de posse, como ocorreu recentemente no acampamento instalado nos
acostamentos da rodovia que dá acesso a Sandovalina. Nesse
acampamento, a reportagem do Jornal da USP pediu para E. C. L.,
de 8 anos de idade, fazer um desenho sobre o seu maior sonho. Sem
pestanejar, ela desenhou seus dois irmãos que atualmente
moram em Campinas, interior do Estado, que optaram por não
seguir esse tipo de vida “aventureira” da família.
“Estou com saudade deles”, disse, com olhar distante,
depois de um longo tempo desenhando a família. A menina estuda
em Sandovalina, assim como a amiguinha C. T. B., de 10 anos, que
freqüenta a quarta séria do ensino fundamental na escola
do município. Mas C. T. B. já veio de outro acampamento
e lamenta ter necessitado abandonar as aulas de violino que freqüentava
pelo Projeto Guri, em Teodoro Sampaio. “Sei que aqui em Sandovalina
tem o Projeto Arco-Íris, mas só os mais antigos é
que podem freqüentar”, fala, fazendo bico. Outras crianças
desenharam outros "sonhos": casa, bicicleta, terra, carro
de polícia, animais de estimação...
Metade
das famílias do acampamento de Sandovalina foi para Pirapozinho
e a outra metade contou com a boa vontade de um fazendeiro local,
que concedeu temporariamente parte de sua propriedade, a fazenda
Santa Felicidade, para acomodar os sem-terra. “Agora vamos
ficar ali do outro lado da cerca”, fala a menina de 10 anos,
enquanto o pai desmonta o barraco e o reconstrói na fazenda
do lado da rodovia.
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Euclides
Jesus dos Santos, acampado próximo a Presidente Venceslau,
mostra plantação de braquiária(ao lado).
Abaixo lado, barraco "decorado" com os 10 mandamentos
do MST |
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