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O Ministério da Justiça vai destinar R$ 4,6 milhões para a implantação do Programa de Pesquisas Aplicadas 2003, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Trata-se de política inédita no País, que selecionará projetos de pesquisa voltados para a área da segurança pública e que possam dar subsídios para o diagnósdico dos fenômenos associados ao crime e à violência. O programa, que escolherá os trabalhos através dos Concursos Nacionais de Pesquisas Aplicadas em Justiça Criminal e Segurança Pública, foi lançado no dia 22 de agosto passado, na sala do Conselho Universitário da USP. Será desenvolvido em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), que coordenará a divulgação do edital e a seleção técnica dos trabalhos.

O evento em que foi assinado o compromisso de parceria contou com a presença do secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, e do presidente e da secretária-executiva da Anpocs, Luiz Werneck Vianna e Maria Arminda do Nascimento Arruda, além da autora do programa, Jacqueline Muniz, e da representante do ministro da Educação, Ana Maria Tiseo. O diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Sedi Hirano, e o procurador-chefe da Consultoria Jurídica da USP, João Alberto Del Nero, representando o reitor Adolpho José Melfi, também estavam presentes.

Jacqueline, que dirige o Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública da Senasp, disse que o programa nasceu inspirado no Plano Nacional de Segurança Pública do governo Lula. O objetivo prioritário é reunir informações e dados que possibilitem o aperfeiçoamento dos órgãos do sistema de justiça criminal e de segurança pública do Brasil. A idéia é corrigir rumos, evitar dispersões de esforços e promover uma gestão mais integrada e eficaz da área.

Dentro desse foco, serão desenvolvidas 60 linhas de pesquisas norteadas por sete grandes eixos temáticos: Gestão do Conhecimento e de Informações Criminais; Organização e Gestão das Instituições de Justiça Criminal e de Segurança Pública; Valorização e Formação Profissional dos Operadores do Sistema de Segurança Pública; Estruturação e Modernização das Instituições Periciais; Programas de Prevenção Social e Situacional; Controle Externo das Agências de Segurança Pública e Participação Social; e Programas de Redução da Violência.

Os detalhes dos editais estarão disponíveis nos próximos dias nas páginas eletrônicas do Ministério da Justiça (www.mj.gov.br) e da Anpocs (www.anpocs.org.br). Após a publicação dos editais no Diário Oficial da União, os interessados terão 45 dias para apresentar seus projetos. Segundo Jacqueline, a verba de R$ 4,6 milhões – correspondente a 1% dos recursos previstos para o Fundo Nacional de Segurança Pública em 2003 – possibilitará a realização de cerca de 60 trabalhos de pesquisas por instituições e pesquisadores individuais em todo o País nos próximos seis meses. Os trabalhos devem receber de R$ 100 mil até R$ 200 mil, no caso de instituições, ou R$ 50 mil, para pesquisadores individuais.

Idade da pedra – Segundo o secretário Luiz Eduardo Soares, até o final de 2002 a Senasp funcionava como uma espécie de “apreciadora” e “repassadora” de verbas para projetos de ações policiais nos Estados. Mas essa sistemática conduzia a dificuldades insuperáveis, afirmou, já que não era possível integrar os projetos estaduais dentro de uma política nacional planejada na área da segurança pública. Citou o exemplo de um Estado que aplicou, com resultados positivos, um trabalho de educação policial, que, no entanto, caiu no vazio porque o Estado Maior da Polícia Militar daquele Estado não valorizava a metodologia. Ao serem reenviados às suas unidades de origem, os policiais voltaram a praticar os velhos métodos de policiamento. “Todo o recurso e esforço empenhados foram vãos. A secretaria acabava refém dessa irracionalidade quanto à gestão policial e cúmplice da dispersão de recursos. Esse é um exemplo típico que demonstra a inviabilidade dessa dinâmica”, destacou.

Num primeiro passo para a reorganização da secretaria, governadores e autoridades de segurança pública de todo o País foram convocados a apresentar planos sistêmicos, ou seja, uma política integrada de ações no âmbito da segurança pública. “Tudo isso parece muito trivial, mas estamos falando de uma área que está ainda na idade da pedra do ponto de vista organizacional e gerencial”, disse.

Segundo o secretário, os planos estaduais de políticas de segurança pública começaram a chegar à secretaria ao final de junho. “O grande desafio era combinar a autonomia dos Estados com a nossa obrigação de implementar uma política nacional. A partir desse desafio, tomamos como referência os fundamentos da Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.” Segundo o secretário, os temas centrais que os Estados deviam contemplar em seus planos sistêmicos são exatamente os mesmos apresentados ao universo acadêmico como objetos de pesquisa.

O lançamento do programa: R$ 4,6 milhões para 60 projetos de pesquisa

Para enfatizar a falta de integração na gestão policial, o secretário disse que o Brasil está hoje “perdido numa babel” no que diz respeito às linguagens informacionais, já que as 54 instituições estaduais, as duas federais e algumas municipais organizam suas ocorrências com códigos e classificações distintas. “Cada instituição policial descreve com códigos próprios as ocorrências que são alvos de suas intervenções. Isso inviabiliza o diálogo, a troca de informação e, evidentemente, a constituição de um banco de dados nacional. Precisamos de uma língua que uniformize os padrões de coleta, processamento, organização e análise das informações dos Estados. A gestão do conhecimento é um desafio fundamental. Por outro lado, essas informações qualificadas não podem ser utilizadas adequadamente se não houver qualificação dos profissionais.”

Outra questão crucial para a reorganização institucional da polícia diz respeito aos métodos e critérios de avaliação do serviço policial, acrescentou Soares. “Se perguntarmos a qualquer autoridade de segurança pública do País qual a avaliação que faz dos resultados de ações empreendidas pelas instituições sob sua responsabilidade num determinado período de tempo, a resposta confundirá avaliação com listagem de operações. A lista de operações é o trabalho realizado e isso nada nos diz sobre o impacto desse trabalho na segurança pública propriamente dita. Nada saberemos sobre a relação do investimento realizado e a redução da criminalidade. Não há planejamento porque faltam diagnósticos e estes não existem por conta da precariedade de informações. Estamos, portanto, num edifício que precisa ser reconstruído.”

A perícia policial é outro setor sucateado e ineficaz, disse Soares. “Sem perícia, as polícias se rendem às velhas práticas de interrogatórios, que são cada vez menos eficientes e cada vez mais indutores de violência. Sem perícia não há investigação, que é uma atividade fundamental nas instituições policiais. Para se ter uma idéia do problema, o secretário nacional de Segurança Pública não tem condições de informar sobre a taxa média de esclarecimento policial dos crimes mais graves praticados neste país. Se não posso dar informações sobre o êxito nas investigações, não tenho como identificar os pontos estratégicos que têm de ser objeto da intervenção corretiva.”

Esta é a primeira vez que o governo federal investe em pesquisas tecnicamente qualificadas na área de segurança pública. Para o secretário, esse passo reflete o amadurecimento do conceito de segurança pública no País. No seu discurso durante o evento na USP, Soares ressaltou que nos últimos anos a área conquistou “legitimidade reflexiva teórica e política” e que, mesmo que esteja estreitamente interligada a outros campos do conhecimento, começa a ser vista como um capítulo autônomo que merece investimentos focados nas suas especificidades. “Até por conta das tragédias que se abateram em nosso país recentemente, a sociedade começou a redescobrir e a valorizar as estratégias de segurança pública. Até certo ponto da história, acreditou-se na visão ingênua de que os crimes se dissipariam na medida em que prevalecesse a justiça social. É claro que essa visão não resistiu a um exame mais apurado e aos poucos a reflexão crítica começou a lançar luz sobre objetos de segurança pública em suas especificidades. Por outro lado, a política segregacionista e conservadora que propunha constituir cinturões sanitários em torno das ‘classes perigosas’ – a fim de preservar as camadas médias e as elites dos problemas sociais – também revelou-se insuficiente para conter a violência que se derramava cada vez mais sobre a sociedade”, disse. Para o secretário, com o passar dos anos, chegou-se ao consenso de que a eficiência policial caminha junto com os direitos humanos. “Percebemos que não havia possibilidade de impor respeito aos direitos humanos sem eficiência policial. São elementos indissociáveis.”

 

 




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