Educação
como uma mercadoria – a ser negociada no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC) – e a inclusão social
foram os dois grandes temas de discussão do 4o Seminário
de Cultura e Extensão Universitária da USP, realizado
nos dias 20 e 21 de agosto no Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade
Universitária. “As discussões foram muito importantes
e devem colaborar para a formação de políticas
públicas”, acredita o pró-reitor de Cultura
e Extensão Universitária da USP, professor Adilson
Avansi de Abreu, lembrando que os debates ocorridos no seminário
serão publicados na forma de anais.
No
dia 20, em mesas-redondas realizadas de manhã e à
tarde, o seminário discutiu “O ensino e a OMC”.
Um dos participantes foi o professor da Faculdade de Direito da
USP Luiz Olavo Baptista, membro da Corte Permanente de Arbitragem
de Haia e da Corte de Arbitragem Internacional de Paris, que falou
de manhã. Ele elogiou a postura do Japão no que se
refere à participação de capital estrangeiro
na educação. Segundo o professor, o governo japonês
não se opõe à abertura aos investimentos externos,
mas impõe condições para que essa abertura
concorra para a efetiva melhoria da qualidade do ensino. “Não
devemos nos opor à liberalização, mas devemos
impor condições”, sugeriu Baptista, lembrando
que o Brasil precisa pensar também em atuar em outros países,
e não apenas reagir face a uma suposta ameaça. “Existem
aspetos positivos na liberalização. Se negociarmos
bem, será possível desfrutar muitos benefícios,
como o aumento dos investimentos no setor.”
Na
parte da tarde do dia 20, o professor Celso Cláudio de Hildebrand
e Grisi, da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade (FEA) da USP, traçou a história da proposta
de incluir a educação na lista de serviços
da OMC. Essa história teve início em janeiro de 2000,
em Doha, no Catar, quando os Estados Unidos solicitaram o comprometimento
dos demais países com a política de liberalização
dos serviços de educação. Em junho de 2001,
a Nova Zelândia fez a mesma sugestão, alegando que
a liberalização não traria conseqüências
negativas aos padrões de educação pública
– ao contrário, seria compatível com as necessidades
dos países. No ano passado, numa atitude aparentemente conciliatória,
o Japão também propôs a liberalização,
ao mesmo tempo em que impôs normas relacionadas ao ensino
e à pesquisa.
Grisi
citou as vantagens e desvantagens de considerar a educação
como um serviço no âmbito do comércio mundial.
Para
ele, a medida proporcionaria mais investimentos no setor e facilitaria
a atualização tecnológica. Entre os aspectos
negativos, o professor lembrou que a liberalização
traria a desnacionalização do setor, com o aumento
da competitividade, o agravamento dos quadros regionais e a “fuga
de cérebros”, seduzidos por propostas de universidades
estrangeiras. Grisi destacou a posição do governo
brasileiro, que por “prudência” não apresentou
propostas para a questão da educação na OMC.
“É uma negociação de alta complexidade,
multilateral e, portanto, não é nada fácil
encontrar um consenso do lado dos países pobres.”
O coordenador-geral
de Cooperação Internacional da Capes, Álvaro
Esteves Migotto, ressaltou, porém, que o Brasil não
admite a hipótese de a educação ser um bem
mercantil, pois ela é um bem público sob a responsabilidade
permanente do Estado. “Não se poderá conceber
a educação como uma moeda de troca. O Brasil não
apresenta ofertas nos setores de educação, ambiente,
saúde, bem-estar social, lazer, cultura e esportes.”
Para
a professora Eunice Ribeiro Durham, coordenadora do Núcleo
de Pesquisas sobre Ensino Superior (Nupes) da USP, é preciso
analisar, quanto à entrada de capital estrangeiro no setor
da educação, o interesse do ensino privado brasileiro.
“As
universidades particulares não têm interesse em investir
no seu próprio pessoal”, disse. “O problema central
é o do controle da qualidade, que é muito precário.
Temos uma massa de universidades vergonhosas neste país porque
não se consegue ter um controle razoável dessa expansão
desordenada sem garantia de qualidade de ensino.” Segundo
Eunice, as universidades privadas aumentam o número de vagas,
ganham fortunas com as matrículas e exportam esse capital.
“Toda vez que temos capital especulativo ele se acumula em
setores de maior rentabilidade e não naqueles que têm
maior necessidade de investimento. Não estou dizendo que
devemos impedir a presença de professores estrangeiros, por
exemplo, mas impedir o investimento especulativo.” As mesas-redondas
sobre o ensino e a OMC tiveram a participação também
do professor da Fundação Getúlio Vargas Paulo
Nogueira Batista, da secretária-geral da USP e professora
da Faculdade de Direito da USP Nina Ranieri e da reitora da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Wrana Maria Panizzi (leia no texto
ao lado mais informações sobre a educação
e o comércio mundial).
Exílio
da periferia – No dia 21, o 4o Seminário de Cultura
e Extensão Universitária foi dedicado ao tema da inclusão
social. As discussões tiveram a participação
do secretário nacional de Economia Solidária, Paul
Israel Singer, também professor da FEA. Singer insistiu na
função social da universidade. “É de
extrema importância que a universidade atenda à nossa
sociedade, que tem uma das maiores desigualdades sociais do mundo”,
disse. “Nós, que fazemos parte da universidade pública,
temos uma dívida com a população.”
Destacando
que, “de uma forma ou de outra”, toda a USP está
voltada para a extensão social, Singer lembrou a criação,
na USP, em 1998, da Incubadora Tecnológica de Cooperativas
Populares, segundo ele uma forma de extensão universitária
“muito positiva”. “O movimento de economia solidária
cresceu tanto que foi parar dentro do Ministério do Trabalho.
Já criamos o Fórum Brasileiro do Trabalho, que vai
reunir trabalhadores dos mais diversos setores, como pescadores,
catadores de papel e empregadas domésticas. Trata-se de uma
oportunidade única neste país. Queremos ouvir todos
os setores que sempre ficaram excluídos.”
Também
sob responsabilidade da Secretaria Nacional de Economia Solidária,
acrescentou Singer, está o programa de erradicação
do trabalho escravo. “Para isso estamos lutando para eliminar
os bolsões de miséria, de onde provém a maioria
dos problemas. Sem essa estratégia não vamos conseguir
acabar com o trabalho infantil e nem com o trabalho escravo”,
disse o professor. “Temos incentivado o crescimento das cooperativas
de cajueiros e de psicultores. Assim, queremos criar cada vez mais
oportunidades para que a economia solidária cresça
e colabore com as mudanças no País.”
O vice-diretor
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), professor José Antônio Peres Gediel, fez um
relato da experiência da sua instituição na
área da extensão universitária. Ele citou a
criação do curso de mestrado em Direito Cooperativo
e Cidadania, oferecido pela Faculdade de Direito da UFPR, uma iniciativa
que tem como objetivo valorizar a participação dos
alunos em trabalhos sociais. “As pesquisas do curso devem
estar relacionadas aos grupos e problemas das cooperativas”,
explicou Gediel.
Para
o professor, a extensão universitária é uma
ótima oportunidade para promover pesquisas voltadas diretamente
para a sociedade e independentes da ajuda dos órgãos
financiadores. “Através dela conseguimos determinar
as pesquisas de interesse comum da sociedade e reconhecer as verdadeiras
demandas da população.”
Gediel
citou alguns princípios que devem nortear a extensão
universitária. Segundo ele, os projetos não podem
ser de curta duração, para que os resultados não
sejam similares aos da pesquisa clássica. “A extensão
é um espaço de formação de política
pública. É um privilégio perceber o sentido
das demandas e atuar em favor do atendimento das carências
da sociedade”, disse. “É um desafio que mexe
com a subjetividade e tem a capacidade de transformar os sujeitos
que se dedicam a ela.”
A universidade
tem a responsabilidade de conhecer a realidade, a fim de transformá-la.
Foi o que disse a secretária-executiva do Ministério
das Cidades, Ermínia Maricato, também professora da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Ela citou as
condições de vida da população dos grandes
centros urbanos brasileiros para exemplificar a necessidade de a
universidade conhecer e mudar a sociedade. “Uma pesquisa da
FAU revelou uma grande quantidade de homens ociosos nessas regiões.
Constatou-se que um dos motivos é a imobilidade de quem mora
nas periferias. Falta transporte e, quando tem, é muito caro
para um desempregado. A imobilidade é maior na população
de baixa renda. Isso significa que a população não
sai do bairro. Foi o que Milton Santos chamou de exílio da
periferia.”
Ermínia
lembrou outro aspecto da realidade das periferias – a falta
de atividades artísticas, culturais e sociais para os jovens.
“Toda essa condição gera um caldo de violência.
O desemprego, segregação, nível de congestionamento
habitacional e desocupação são elementos que
compõem o que chamo de bombas socioespaciais. Bairros gigantescos,
sem lei, estão se adensando enormemente de forma progressiva.
As favelas crescem muito mais do que a média da população
brasileira”, disse a professora. “O mais incrível
é que não temos dados da população pobre.
Não temos conhecimento rigoroso dessa situação,
e isso diz respeito à universidade.”
O secretário
de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São
Paulo, Marcio Pochman, concordou com a professora Ermínia
Maricato: “O primeiro passo para quem quer transformar a realidade
é conhecê-la”. Segundo ele, o Brasil vive um
momento de profunda transformação nas formas de exclusão
social. “A pesquisa é a única que pode trazer
resultados concretos para a elaboração de políticas
públicas no País.” Por isso, acrescentou, é
importante que a pesquisa cresça cada vez mais. “Com
melhor conhecimento da nossa realidade, é possível
melhorar a qualidade da extensão. É imprescindível
o papel da universidade na formação de gestores de
políticas públicas. Hoje temos muita escassez nessa
área.”
Sob
a mira dos investidores
Dados
divulgados pela imprensa no mês passado mostram que
a educação no Brasil pode constituir um grande
negócio para investidores internacionais, que têm
interesse em aplicar seus dólares no País. Segundo
matéria divulgada pela Agência Estado no dia
20 de agosto, uma única empresa administradora de fundos,
a JP Morgan Partners, possui US$ 570 milhões para investir
em negócios na América Latina, que podem incluir
a compra de faculdades. Outra administradora de fundos, a
Advent International, conta com US$ 265 milhões para
investir no Brasil. Ela tem feito contatos com empresários
do setor do ensino. O objetivo dos investidores é adquirir
instituições de ensino superior particulares,
injetar recursos nelas, valorizá-las e, finalmente,
revendê-las a preços multiplicados. Essas operações
– que já vêm sendo feitas no Brasil, em
setores de serviços e industriais – são
chamadas de private equity no mercado financeiro.
O
que atrai os investidores é principalmente o potencial
de crescimento do setor do ensino superior no Brasil. O número
de instituições privadas de ensino superior
no País subiu de 684, em 1995, para 1.760, neste ano.
Elas respondem por 2,1 milhões dos cerca de 3 milhões
de alunos. Projeções citadas pela Agência
Estado apontam que, em 2008, o número de matriculados
em faculdades será superior a 6 milhões.
O
ministro da Educação, Cristovam Buarque, declarou
à imprensa, também em agosto, que considera
“salutar” o interesse de grupos estrangeiros em
investir no mercado brasileiro de ensino particular. “É
muito melhor que o capital seja aplicado na educação
do que em outras áreas, como pornografia ou jogo”,
disse o ministro. O importante, para ele, não é
a nacionalidade do investidor, mas a forma como o dinheiro
é aplicado. “Temos de mostrar qual é o
tipo de ensino que queremos. Se seguirem os parâmetros
curriculares, se o conteúdo for bom, não há
motivos para preocupação.” |
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Os
debates durante o 4º Seminário de Cultura e Extensão
Universitária da USP: propostas para uma sociedade
que inclua todos os cidadãos, com a ajuda da universidade |
Idéias
e propostas via Internet
Como
nos três anos anteriores, o 4o Seminário de Cultura
e Extensão Universitária da USP – realizado
nos dias 20 e 21 de agosto – foi transmitido simultaneamente
para os seis campi da USP através da técnica
da teleconferência. Uma novidade no evento deste ano,
no entanto, foi a participação de Cão
Carlos e Ribeirão Preto na geração de
conteúdos. Os dois campi não apenas assistiram
aos debates realizados na capital, mas também enviaram
suas contribuições para a discussão da
questão da inclusão social, na tarde do dia
21. Para
o pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária,
professor Adilson Avansi de Abreu, a experiência foi
“muito positiva”. “Tivemos uma participação
intensa entre todos os campi e também de pessoas que
acompanharam o seminário pela Internet. Ficamos surpresos
com o retorno que tivemos. Foi
uma experiência inovadora dentro da Universidade. Os
cinco campi do interior e o da capital estavam interligados
e tudo isso foi para a rede mundial de computadores. Conseguimos
ampliar muito o nosso espaço de diálogo e incluímos
também pessoas de fora da academia”, alegra-se
Avansi. Segundo ele, essas múltiplas intervenções
enriquecem a discussão por reunir pessoas com graus
diferentes de experiência.
O
formato escolhido para o debate, tanto em São Carlos
como em Ribeirão Preto, foi o de “roda-viva”,
nome que faz referência ao programa da TV Cultura, em
que um convidado é submetido às perguntas de
vários entrevistadores. Em Ribeirão, o entrevistado
foi o professor José Marcelino de Rezende Pinto, da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto (FFCLRP) da USP e diretor de Tratamento e Disseminação
de Informações Educacionais do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) do Ministério
da Educação.
As
discussões, em torno da temática da inclusão
social, tiveram como foco a educação. “É
preciso qualificar a idéia de inclusão social”,
disse Rezende Pinto. “Do ponto de vista da lógica
econômica, todos estão incluídos. Mesmo
o catador de latinhas faz parte do sistema. É na distribuição
de riquezas que há incluídos e excluídos.”
Segundo o professor, mecanismos de inclusão social
na educação, como as bibliotecas e o acesso
à Internet, distribuem-se de maneira profundamente
desigual. Enquanto 76% das escolas particulares têm
bibliotecas, nas públicas o índice cai para
21%.
Outra
questão discutida foi a das políticas de cotas
nas universidades. Os resultados do vestibular estariam refletindo
o quadro da desigual distribuição de renda brasileira.
Dessa forma, alunos capacitados, mas não devidamente
preparados pela escola pública, não conseguiriam
entrar nas universidades. Para Rezende Pinto, a verdadeira
solução para o problema seria uma profunda ampliação
de vagas no sistema público, com o aumento de verbas
em educação. Enquanto isso não acontece,
contudo, a política de cotas seria uma forma correta
de promover a inclusão social. “A distribuição
é o ideal, mas a política de cotas é
uma forma de intervenção nessa realidade”,
disse ele. Além de garantir o acesso, defendeu o professor,
a política teria que se preocupar também em
manter o aluno na universidade.
De
outra maneira, o assunto foi retomado no debate em São
Carlos. Nele, foi apresentada a Ação Cultural
Zumbi dos Palmares, um programa desenvolvido na cidade para
preparar o aluno afro-brasileiro para a universidade. Funcionando
de forma diferente dos outros cursos pré-vestibulares,
o projeto pretende construir um outro modelo de formação.
“Não adianta só entrar, o negro tem que
ter condições de ficar na universidade”,
afirmou Oswaldo dos Santos, coordenador pedagógico
do Ação Palmares. Um outro trabalho de inclusão
apresentado foi o Projeto Pequeno Cidadão, desenvolvido
pela USP de São Carlos desde 1997. Coordenado pelo
professor Dagoberto Dario Mori, prefeito do campus de São
Carlos, o Pequeno Cidadão é um trabalho de ação
social com as crianças da rede pública do município.
Depois de freqüentarem a escola, as crianças são
envolvidas em atividades artísticas e esportivas. O
mesmo programa já existe há dois anos em Piracicaba
e deve ser levado, até o próximo ano, para os
campi de Ribeirão Preto e Pirassununga.
M.E.M
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