PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  
 

O governador Geraldo Alckmin lembrou os tempos de infância ao anunciar, no dia 15 passado, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, a conclusão do mapeamento genético do Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose – popularmente conhecida como “barriga d’água”. “Quando eu era criança, meu pai, que era veterinário, resolveu pesquisar como algumas espécies de peixes poderiam ser usadas para combater os caramujos que causam a esquistossomose”, disse o governador, destacando a “grande importância” da mais recente façanha da ciência paulista. O anúncio foi feito com a presença do secretário estadual de Ciência e Tecnologia, João Carlos Meirelles, do reitor da USP, Adolpho José Melfi, do presidente do Conselho Superior da Fapesp, Carlos Vogt, e do diretor-científico da Fapesp, José Fernando Perez.

O projeto de mapeamento genético do Schistosoma mansoni teve a participação de 37 pesquisadores ligados a nove laboratórios da USP, Unicamp, Instituto Butantan e Instituto Adolpho Lutz. Iniciada em junho de 2001, a pesquisa foi coordenada pelo professor Sérgio Verjovski Almeida, do Instituto de Química da USP e custou US$ 1 milhão, divididos igualmente entre a Fapesp e o Ministério da Ciência e Tecnologia. Os resultados divulgados por Alckmin estão publicados na edição de outubro da revista Nature Genetics, lançada no mesmo dia 15 de setembro, sob o título Transcriptome analysis of the acoelomate human parasite Schistosoma mansoni.

Mais do que um grande feito científico – comparável ao célebre mapeamento da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da praga do amarelinho, também realizado nos laboratórios paulistas, em 2000 –, o seqüenciamento do DNA do Schistosoma mansoni representa um passo importante em favor da saúde pública no Brasil e no mundo. A partir dele, os cientistas podem investigar agora novas alternativas de tratamento – incluindo vacinas – da esquistossomose.

Não é pouca coisa. De acordo com dados divulgados pela Fapesp, a esquistossomose atinge 75 países, a maioria deles situada em regiões subdesenvolvidas. Cerca de 200 milhões de pessoas são infectadas a cada ano entre as 600 milhões que se encontram em situação de risco de contrair a doença. Do total de infectados, pelo menos 10% ficam gravemente doentes. O índice anual de mortes causadas pela esquistossomose no mundo é de 300 mil a 500 mil. “Em termos de impacto socioeconômico e de saúde pública, a doença é superada apenas pela malária nos países onde é endêmica”, informa a Fapesp.

Novos genes – O término da pesquisa abre novas perspectivas para eliminar os males causados pela esquistossomose – através da ciência. Isso porque os pesquisadores paulistas descobriram um punhado de genes que podem estar relacionados com a doença. Segundo a Fapesp, o artigo publicado na Nature Genetics aponta 45 novos genes que poderão ser importantes para o desenvolvimento de drogas e outros 28 que possivelmente estarão na base da produção de novas vacinas. “A pesquisa ampliou o número de genes completamente conhecidos do Schistosoma mansoni de 160 para 510, além de encontrar outros 14 mil novos genes, o que equivale a mais de 90% do material genético que codifica as proteínas do parasita. Para a identificação desses genes foram produzidas 180 mil seqüências de fragmentos de genes expressos, 50% acima da meta inicial”, segundo a Fapesp.

Essas seqüências são geradas a partir do RNA mensageiro, molécula que põe em ação as informações contidas no DNA e dá início à produção de proteínas na célula. Por isso, elas são capazes de mostrar quais genes estão mesmo ativos. “Uma estratégia genômica pode ser tão importante para combater uma doença típica do Terceiro Mundo quanto a educação e a prevenção”, analisa Verjovski.

Outros 55% de genes totalmente novos identificados – que não têm similaridade com genes já seqüenciados de outros organismos – devem desempenhar funções biológicas específicas desse tipo de parasita. Isso amplia as perspectivas do estudo de genes de interesse para o controle da doença.

Ovos e larvas – O ciclo do Schistosoma mansoni começa com os ovos do parasita presentes nas fezes de uma pessoa infectada que vão parar na água. Os ovos germinam e eclodem, liberando uma larva conhecida como miriacídio. Essa larva penetra no caramujo do gênero Biomphalaria, multiplica-se por aproximadamente 30 dias e transforma-se numa segunda larva, a cercaria. Em apenas um dia, um caramujo libera milhares de cercarias, que sobrevivem por algumas horas. Nesse período, elas buscam o homem, seu hospedeiro definitivo.

Na corrente sangüínea ou na linfática, as larvas chegam aos pulmões, no primeiro dia, e ao fígado, nove dias mais tarde. Elas se alimentam de sangue e, no vigésimo dia, tornam-se adultas e começam a se reproduzir. Quarenta dias depois da contaminação, as fezes do doente já estão cheias de ovos do Schistosoma mansoni e o ciclo recomeça. Os principais sintomas da doença são dor de cabeça, febre, falta de apetite, fraqueza, calafrios e diarréia. O fígado e o baço incham por causa das infecções, razão por que é conhecida como barriga d’água.

O único medicamento utilizado no combate ao parasita existente no mercado, o Praziquantel, é incapaz de impedir que as pessoas sejam reinfectadas pelo verme, uma vez que gerou linhagens resistentes desse organismo. Por isso a esperança dos pesquisadores é poder manipular características específicas do Schistosoma para criar novos medicamentos e vacinas.

Todas as descobertas realizadas através do estudo são muito promissoras. Quatro dos genes identificados sintetizam toxinas secretadas pelo parasita, que se assemelham a quatro tipos diferentes de venenos de abelha causadores de resposta alérgica. O fato de o Schistosoma mansoni secretar toxinas alergênicas similares às de abelhas explica um fenômeno que se sabia estar presente na doença: a resposta imune do tipo alérgico induzida pelo parasita.

Meirelles, Alckmin, Perez e Melfi:
nova conquista da ciência paulistwa

Os pesquisadores acreditam que a reação alérgica a essas toxinas seja uma maneira utilizada pelo parasita de despistar o sistema imune. Ao intensificar a resposta alérgica, ele evita a resposta imune de defesa que poderia matá-lo. Espera-se que o conhecimento dessa arma usada pelo parasita – as quatro toxinas – permita interferir no mecanismo de defesa e dificultar, ou impedir, a sobrevida do Schistosoma mansoni na circulação do homem.

Outra toxina secretada pelo parasita que foi identificada no estudo é semelhante a uma toxina anticoagulante presente no veneno de serpentes. Isso revela um mecanismo que provavelmente permite ao parasita viver na circulação do homem sem ser identificado como corpo estranho. Espera-se que a partir de um estudo dessa toxina possa se desenvolver uma vacina que interrompa o mecanismo.

Como forma de proteção intelectual, a Fapesp já solicitou um pedido de patente internacional para utilização de genes mais promissores. Com essa proteção, a Fapesp quer atrair investimentos necessários para os testes que levem ao desenvolvimento de medicamentos efetivos contra a doença.

 

 




ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]