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Simulação de atendimento a vítima de acidente foi uma das atividades do Dia do Alerta na USP

Ele chegava em casa sempre tarde da noite. Sem motivo aparente, começou a beber muito. Em poucos anos, a necessidade da bebida se tornou um vício que o consumia. Em estado cada vez mais deplorável, deu para bater na mulher e, mais tarde, nas filhas, de 2 e 4 anos de idade. Na penumbra da noite, já se notava o medo nos olhos das meninas quando se aproximava o momento em que chegaria em casa um pai ausente e violento, cuja figura em nada se identificava com o papel paterno. J. da Silva, no entanto, é um sobrevivente. Com muita conversa, apoio da família e parentes, conseguiu levar adiante a vontade de nunca mais colocar na boca uma gota de álcool.

Casos como esse se repetem pelo Brasil e são mais comuns do que se imagina. O álcool é responsável por 60% dos casos de violência doméstica no País e também o vilão que motiva 50% das faltas no trabalho e causa 50% dos acidentes de trânsito. Pesquisa concluída recentemente pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea) da Faculdade de Medicina da USP, com apoio da Fapesp, mostra que o uso de álcool, tabaco, maconha, alucinógenos, anfetaminas, anticolinérgicos, inalantes e barbitúricos – pelo menos uma vez – vem aumentando entre universitários. Os padrões de uso e abuso têm acompanhado as tendências mundiais de crescimento do consumo, segundo dados da ONU.

Funcionários, estudantes e professores das três universidades estaduais paulistas – USP, Unesp e Unicamp – terão uma boa oportunidade para reverter esse quadro a partir de uma campanha conjunta lançada no dia 24 de setembro, quarta-feira. Trata-se da Proposta de Política sobre o Uso de Álcool e Drogas nas Universidades Estaduais de São Paulo, apresentada para convidados e imprensa na Sala da Congregação da Faculdade de Medicina. Estiveram presentes ao lançamento alguns dos maiores especialistas em álcool e drogas das instituições envolvidas: Arthur Guerra de Andrade, presidente do Conselho Administrativo do Grea, Florence Kerb-Corrêa, coordenadora do Projeto Viver-Bem da Unesp, e Élson Lima, coordenador do Projeto Viva Mais da Unicamp.

Com a meta de conter o uso daquelas substâncias nos campi das universidades, o projeto baseia-se nas medidas de prevenção e tratamento da Política Nacional Antidrogas elaborada pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. “A intenção da campanha é inicialmente conscientizar, fazendo com que as pessoas repensem a forma como encaram a bebida”, disse o professor Élson Lima.

O diretor de Recursos Humanos da USP, professor Adnei Melges de Andrade, confirma a necessidade da iniciativa: “Os números falam por si. Daí a grande importância desta campanha”, disse, referindo-se ao levantamento feito pelo Grea na Cidade Universitária em 2002. Melges representou o reitor da USP, Adolpho José Melfi, no evento.

Em 2002, o levantamento do Grea mostrou que 16,7% dos funcionários da USP apresentaram problemas relacionados ao álcool, sendo que 12% deles eram dependentes e 4,7% faziam uso nocivo da substância. Comparativamente, a situação das outras instituições não é menos preocupante. Na Unesp, 43,5% dos alunos já haviam experimentado algum tipo de droga, excluindo-se álcool e tabaco, segundo dados de 1998. Na Unicamp, de acordo com estudo realizado este ano, 81,4% dos alunos haviam consumido álcool, 26%, tabaco, 18,9%, maconha e 1,6%, cocaína, durante o mês anterior à pesquisa (últimos 30 dias).

A comunidade acadêmica tomou contato com o projeto através do Dia de Alerta sobre Uso Excessivo de Álcool nas Universidades, que, também no dia 24, quarta-feira, promoveu uma série de eventos nos campi das três universidades estaduais. Com mesas-redondas, distribuição de panfletos, pedágios em pontos estratégicos e exibição de filmes, o Dia de Alerta deverá ficar marcado especialmente entre as pessoas que viram, espalhados pelo campus, carros destruídos em colisões no trânsito. Houve ainda simulações de efeitos do álcool sobre o motorista e de atendimento a vítimas de acidente.

Na Cidade Universitária, a programação do Dia de Alerta reuniu o psiquiatra Jairo Bouer, da TV Futura, Hugo Leal, da Alcoólicos Anônimos, e os professores André Malbegier e Sandra Scivoletto, do Grea, que, na Escola Politécnica, debateram o tema “Álcool, mídia e o jovem”. O grupo teatral Bum Chacalaka mostrou a peça Quem cala consente?, no restaurante central. Grupos de voluntários distribuíram panfletos e questionários educativos e sortearam camisetas sobre a campanha entre os usuários do campus.

Prejuízos socias – Detalhes sobre o atendimento e como se dá o tratamento de dependentes químicos podem ser conferidos na página eletrônica do Grea (www. usp.br/fm/grea). O grupo atende no Núcleo de Psiquiatria do Hospital das Clínicas a públicos diversos, como adolescentes, adultos e idosos dependentes das mais diversas drogas psicotrópicas.

Distribuição de folhetos na USP: para Hélio Guerra, do Grea, a conscientização de todos é fundamental

A reabilitação do indivíduo pode incluir várias formas de tratamento e profissionais de diferentes áreas, como médicos, psicólogos e assistentes sociais, além da participação do dependente em grupos de ajuda mútua, de acordo com as necessidades de cada pessoa. Para a comunidade interna da Universidade, o atendimento se dá através do Serviço de Atendimento Médico Direcionado (Samdi), no Hospital Universitário (telefone 3091-9450).

Agressões, homicídios, acidentes de trânsito, uso de outras drogas, gravidez indesejada e transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, além de prejuízos sociais, físicos e psicológicos, são problemas comuns associados ao uso excessivo de álcool, segundo o Grea. Doença crônica, o alcoolismo compromete a saúde e provoca transtornos mentais e de comportamento no dependente.

A doença pode se instalar na mulher depois de dois a sete anos de uso contínuo e abusivo de álcool. No homem, isso ocorre no período de cinco a 15 anos. De acordo com os especialistas presentes ao lançamento da campanha, classifica-se como uso moderado de álcool, avaliado de acordo com padrões internacionais, o consumo diário de até uma dose de uísque para mulheres e de até duas doses para homens.

HC discute políticas para o setor

Ainda como parte da campanha contra uso abusivo de álcool nas universidades estaduais paulistas, aconteceu nos dias 25 e 26 de setembro o simpósio Políticas Públicas para Problemas Relacionados ao Consumo de Álcool e Sistema de Saúde, no Anfiteatro da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas. Participaram do encontro pesquisadores de várias universidades que trabalham na prevenção do uso de álcool e drogas.

O encontro, dedicado a gestores de políticas públicas de saúde, discutiu estratégias de prevenção do uso abusivo de álcool e drogas. Os especialistas acompanharam o andamento do Programa de Ações Integradas para Prevenção e Atenção ao Uso de Álcool e Drogas na Comunidade do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto – ligado à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP. Iniciado este ano e com encerramento previsto para 2006, o programa visa a criar bases para um protocolo de ações de políticas públicas na área da saúde a ser implantado em países em desenvolvimento pela OMS.

 

 




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