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Com
50 milhões de pessoas, as regiões rurais do
Brasil devem ser entendidas como lugar promissor para as novas
gerações, até agora habituadas a valorizar
apenas a cidade |
Quem
se aposenta na cidade e tem algum dinheiro acumulado, ou o consegue
vendendo sua casa, vai morar no campo para aproveitar melhor o ócio
da terceira idade; quem, mesmo jovem, perde o emprego na metrópole,
muda-se para o interior e ali monta um boteco, um serviço
de transporte escolar, uma academia de ginástica, fabrica
e vende doces ou faz outra coisa qualquer. Mas ninguém esquece
nem abandona os hábitos, o estilo de vida e os confortos
citadinos; carrega-os junto. Assim que se instalam na casa do sítio
ou na cidade pequena, essas pessoas costumam ser vistas pelos habitantes
do lugar como intrusos, hippies ou portadores de idéias e
modos estranhos à comunidade rural; mas com o tempo elas
serão as responsáveis principais por um fenômeno
característico do início do terceiro milênio:
a revalorização econômica, social e cultural
das regiões interioranas. O elemento novo nessa transformação
do território não é, portanto, a agricultura,
que, a exemplo da indústria e do comércio, constitui
um setor econômico tradicional, mas a ruralidade, isto é,
um modo de vida em que se valorizam as relações com
a natureza e entre pessoas, diversificando as formas de renda, preservando
a biodiversidade, fortalecendo as manifestações culturais
e outros valores humanos caros à sociedade contemporânea.
Para desfazer o preconceito de que no meio rural a única
atividade que conta é a agricultura, o professor Ricardo
Abramovay, da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da USP, compilou em livro cinco ensaios, um dos
quais, o último (“Subsídios e multifuncionalidade
na política agrícola européia”), ganhou
o Prêmio Ruy Miller Paiva 2002, concedido anualmente pela
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural para o melhor
artigo do ano publicado na revista da entidade.
Abramovay
assinala que a agricultura ocupa cada vez menos gente e participa
com parcela sempre menor na formação da riqueza social
– embora seja notório que, economicamente, nos últimos
anos vem salvando a balança comercial brasileira com exportações
crescentes. A tendência ao declínio é universal,
o que não significa que os espaços rurais corram o
risco de perder o seu lugar. Se é verdade, por exemplo, que
nos Estados Unidos a população economicamente ativa
não vai além de 2% ou 3%, a população
rural ultrapassa 22%; na França, são 27% e nos países
da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE), um em cada quatro habitantes
vive em regiões rurais. Não são todos agricultores;
são operários, funcionários, enfermeiros, professores,
artesãos, guias turísticos, aposentados ou profissionais
liberais, que diretamente nada têm com a agricultura. Paradoxalmente,
o envelhecimento da população mundial contribui para
o dinamismo do campo, pois para lá os idosos se transferem,
injetam renda e exigem qualidade de vida. Quase um terço
dos brasileiros, mais de 50 milhões de pessoas, vivem em
regiões rurais. Se tomado como base para a expansão
de múltiplas atividades, esse território deve ser
entendido como lugar promissor para as novas gerações,
até agora habituadas a valorizar apenas a cidade.
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Abramovay:
reflexões sobre o campo brasileiro hoje |
No
segundo ensaio, o professor da FEA estuda a forma de organização
dessa multiplicidade de atores, assinalando que existem mais de
4 mil conselhos municipais de desenvolvimento rural e pelo menos
1.500 passaram pela experiência de aplicar um plano de desenvolvimento.
No entanto, ainda não está superado o desafio de passar
da “lógica do balcão” – ou da lista
de reivindicações aos poderes federais – a uma
racionalidade de projeto, capaz de construir o futuro dessa comunidade.
No terceiro texto, mostra-se que a organização social
é uma fonte decisiva de geração de riqueza
e o segredo está no fortalecimento dos vínculos localizados,
que permitem a ampliação da confiança e o alargamento
do círculo de negócios.
O crescimento
agrícola também pode trazer resultados nefastos, especialmente
poluição e êxodo rural exasperado. Na Europa,
a degradação ambiental e a exaustão dos recursos
naturais se fazem particularmente presentes nas regiões cerealistas;
no Brasil, um bom exemplo está nos cerrados, cada vez mais
ocupados com lavouras de soja. O impacto dessas atividades sobre
o meio ambiente é negativo e o efeito multiplicador, tênue
no desenvolvimento nacional.
Subsídios
– No ensaio premiado, Abramovay nota que a própria
opinião européia se insurge contra a política
oficial de subsídios à agricultura, pois os principais
beneficiados são sempre os grandes produtores, os maiores
proprietários de terra, os que mais degradam o ambiente e
os que menos geram empregos e ocupações. A ajuda vai
sobretudo para os produtores de cereais, de carne e de beterraba
destinada à fabricação de açúcar.
Embora a opinião pública internacional ainda acredite
que o protecionismo favoreça os pequenos produtores, isso
é falso, garante Abramovay.
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A
novidade na transformação do campo brasileiro
não é a agricultura, mas a ruralidade, isto é,
um modo de vida em que se valorizam as relações
com a natureza e entre as pessoas, fortalecendo os valores humanos |
Para
o professor, “a reforma da Política Agrícola
Comum de 1992 embute uma contradição fundamental,
que se exprime agora no debate da multifuncionalidade: por um lado,
a substituição da sustentação de preços
por ajudas diretas acabou protegendo não os ‘sete milhões
de agricultores’, mas a minoria que responde pelo essencial
da oferta de grãos e carnes, e cuja presença no mercado
mundial depende, de fato, de subsídios estatais”. É
o mesmo que dizer que a sustentação de renda dos agricultores
europeus não tem por fim o pagamento de funções
múltiplas, socialmente valorizadas e não remuneradas
pelo mercado, mas é uma forma de garantir o lugar dos maiores
produtores europeus no mercado internacional.
De
resto, conforme escreve Abramovay, os problemas enfrentados na Europa
não são particulares do velho continente; em grande
parte trazem a marca dos grandes desafios das políticas agrícolas
e do desenvolvimento rural do século. Lá como cá,
vão surgindo novas formas de relação entre
o homem e o território, onde as necessidades da produção
agrícola são apenas um componente, e cada vez menos
importante, na utilização do espaço. E “o
grande dilema da União Européia está na adaptação
de sua política agrícola às novas exigências
que a sociedade coloca ao meio rural”.
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O
futuro das regiões rurais
Ricardo Abramovay
UFRGS Editora
150
páginas
R$ 19,00
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O
que o Oeste Paulista tem
O
futuro das regiões rurais que o professor Ricardo Abramovay
descreve em seu livro tem com certeza um modelo na Região
Oeste Paulista, centralizada em torno do município de Araçatuba.
Para esse território, com população superior
a 600 mil habitantes, o Departamento de Engenharia de Energia e
Automação Elétricas (Gepea) da Escola Politécnica
e a Cooperativa do Pólo Hidroviário de Araçatuba
(Cooperhidro) prepararam um projeto de avaliação de
recursos energéticos. O
relatório técnico, redigido por uma equipe acadêmica
coordenada pelo professor Miguel Edgar Morales Udaeta, está
pronto, mas a proposta de execução do projeto aguarda
financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo). A parceria da Universidade
com a cooperativa foi assinada no ano passado e pretende identificar
as alternativas energéticas (solar, hidráulica, eólica,
biomassa, petrolífera, carvoeira e outras), a capacidade
de oferta e de demanda, e sugerir iniciativas empresariais para
o desenvolvimento econômico e social da região.
Os
processos de aproveitamento da energia solar mais usados são
o aquecimento de água e a geração fotovoltáica
de energia elétrica. No Brasil, o uso para aquecimento é
mais encontrado no Sul e no Sudeste, em razão das características
climáticas, e para a geração elétrica,
nas regiões Norte e Sudeste, em comunidades isoladas.
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Udaeta:
energia para o interior |
Para
a geração de eletricidade, o meio mais comum é
o painel fotovoltáico. O processo de conversão não
depende de calor; pelo contrário, o rendimento da célula
solar cai quando a temperatura aumenta, e as células solares
continuam a operar com o mesmo rendimento sob céu nublado.
Já
o coletor solar térmico utiliza a energia solar para aquecer
água e não para gerar eletricidade. O sistema funciona
recebendo radiação e a transfere para uma placa absorvedora;
o calor passa para o fluido do interior de tubos que se mantêm
em contato com a superfície absorvedora. Para um sistema
de aquecimento completo são necessários um reservatório
térmico, um sistema de circulação de água
e um sistema auxiliar de aquecimento elétrico. No Brasil,
situado no Hemisfério Sul, o coletor solar deve ter sua face
voltada para o norte, para melhor aproveitamento da energia solar
incidente. Os maiores índices de radiação solar
são observados na Região Nordeste, especialmente no
Vale do São Francisco. Uma
das restrições técnicas à difusão
de projetos nessa modalidade é a baixa eficiência dos
sistemas de conversão de energia, o que torna necessário
o uso de grandes áreas para a captação em quantidade
economicamente interessante.
A produção
de energia hidráulica é bem conhecida e foi uma das
primeiras formas de substituir o trabalho animal pelo mecânico,
especialmente para bombeamento de água e moagem de grãos.
O aproveitamento faz-se através de turbinas acopladas a um
gerador e a eficiência chega a 90%. As turbinas apresentam
grande variedade de formas e tamanhos, destacando-se os modelos
Pelton, Kaplan e Francis. A parte mais dispendiosa e com maiores
impactos ambientais é a barragem. No Brasil, a capacidade
instalada é da ordem de 61GW, ou cerca de 37% do potencial
inventariado e 23% do estimado.
No
Oeste Paulista há abundância de recursos hídricos,
explorados pelas usinas implantadas nos rios Tietê e Paraná.
A utilização da energia eólica para geração
de eletricidade em escala comercial teve início há
30 anos, beneficiando-se dos conhecimentos da indústria aeronáutica.
Na década de 70, com a crise mundial de petróleo,
houve grande interesse de países europeus e dos Estados Unidos
em desenvolver equipamentos e, desde então, a indústria
de turbinas eólicas vem acumulando tecnologia e movimentando
mais de 2 bilhões de dólares em vendas por ano.
Para
que a energia eólica seja considerada tecnicamente aproveitável
é necessário que a densidade seja igual ou superior
a 500 W/m2, a uma altura de 50 metros. A energia potencial da turbina
depende do cubo da velocidade do vento. Isto significa que se a
velocidade do vento dobrar, a energia de saída é multiplicada
por oito. Um estudo da Eletrobrás estima em 143.500 MW a
potência que pode ser gerada pelos ventos em todo o País,
ou dez vezes a capacidade geradora de Itaipu. No Oeste Paulista,
os ventos têm em geral velocidade menor que 5 m/s.
Biomassa
– A geração de energia a partir da biomassa
merece análise especial do projeto da Poli, pois o Oeste
Paulista é região de produção de cana-de-açúcar
e, portanto, de bagaço aproveitável energeticamente.
Mas biomassa também é lenha, carvão vegetal,
óleos vegetais e biogás. A Agência Internacional
de Energia (AIE) calcula que dentro de aproximadamente 20 anos cerca
de 30% do total de energia consumida será proveniente de
biomassa. Nessa modalidade, a capacidade brasileira é de
até 12.300 MW, havendo já tecnologia suficiente para
o aproveitamento de resíduos agrícolas, urbanos ou
industriais. O setor que mais a utiliza é o sucroalcooleiro,
auto-suficiente em energia. A partir da cana-de-açúcar,
a geração é de 1.650 MW, e de 150 MW excedentes,
que são vendidos às distribuidoras. O outro setor
que mais utiliza energia de biomassa é a indústria
de madeira, papel e celulose, produzindo-a para consumo próprio.
Os
pesquisadores da Poli observam que, em razão da grandeza
dos números do setor sucroalcooleiro, no Brasil não
se pode tratar a cana-de-açúcar como mais um produto,
mas como o principal tipo de biomassa energética, base para
todo o agronegócio sucroalcooleiro, representado por 350
indústrias de açúcar e álcool e 1 milhão
de empregos diretos e indiretos.
O Brasil
moeu e produziu, na safra de 1999/00, 300 milhões de toneladas
de cana-de-açúcar, 381 milhões de sacas de
50 quilos de açúcar e mais de 12 milhões de
metros cúbicos de álcool anidro e hidratado. Sem contar
que mais de 4 milhões de veículos utilizam esse derivado
da cana como combustível.
O projeto
da Poli e da Cooperhidro colocou também na pauta dos trabalhos
a energia derivada do petróleo, do gás natural e do
carvão mineral, este um recurso de menor potencial no País.
Conforme
o plano da parceria, coletores solares, álcool, bagaço
de cana-de-açúcar, gás natural veicular e gás
natural para uso comercial e residencial seriam os primeiros recursos
a serem estimulados. Os pesquisadores concluem que o Oeste Paulista
é muito rico em qualidade e diversidade de recursos e seu
aproveitamento racional é essencial para um desenvolvimento
local adequado. Ao contrário das grandes zonas urbanas, a
região tem a oportunidade de crescer de forma ordenada, respeitando
as normas do desenvolvimento sustentável. As relações
homem-meio ambiente, como ensina também o professor Ricardo
Abramovay, assumem grande importância, visto que as decisões
humanas de hoje causam impactos muito maiores que no passado.
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