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Gravando. Ele prefere conversar com seus entrevistados somente quando já está filmando. Também prefere fazer filmes em pequenos locais. Afinal, de um prédio em Copacabana a uma favela, sempre há muitas histórias para contar. “Num espaço limitado, posso filmar mais tempo, mais pessoas daquele lugar. Tenho que contar com o mundo que existe lá, o que me obriga a escavar”, esclarece Eduardo Coutinho. Para ele, documentário é isso – escavar dentro de limites. Melhor então que seja ele a estabelecer as restrições. Coutinho conta que, quando está filmando, mesmo que alguém apareça sugerindo um personagem sensacional para seu tema, ele não extrapola o limite espacial que estipulou. “Se a pessoa não está naquele lugar, ela não existe no documentário.” Foi o que ele fez em seu filme mais recente, Edifício Master (2002), ao escolher o universo de um prédio em Copacabana, onde 37 vizinhos, que mal se cruzam no edifício, falam de suas vidas. Em Babilônia 2000 (2001), o morro é o cenário – ou melhor, o limite espacial – das expectativas que moradores das favelas de Chapéu Mangueira e Babilônia têm para o ano 2000 no dia 31 de dezembro de 1999.

Antes de escolher esse caminho, Coutinho assinou o roteiro de Dona Flor e seus dois maridos (1976), adaptação do romance de Jorge Amado, e participou de outros filmes de ficção e documentários para a TV. Da ficção ao documentário mais recente, a mostra Diretores Brasileiros, que o Centro Cultural Banco do Brasil faz em sua homenagem a partir deste sábado, traz uma seleção de obras de diferentes fases, relevando o que para o diretor é prioridade: o documentário. O primeiro deles começou a ser filmado em 1964. Cabra marcado pra morrer retratava as lutas no campo, através de seu líder na época. Foi interrompido pelo governo militar. Mas 17 anos depois, Coutinho ainda não tinha engavetado o projeto. Voltou ao local de filmagem e fez um documentário sobre o documentário. Encontrou a viúva do líder e procurou os filhos do personagem. Em 1984, o filme estava finalmente pronto, para marcar a produção documental brasileira.

Escavar histórias dentro de limites é o que o diretor faz em Edifício Master (ao lado) e numa favela carioca em Babilônia (acima)

Mas são filmes menos conhecidos que abrem a mostra. Eduardo Coutinho dirigiu alguns para o programa “Globo Repórter”, como Seis dias de Ouricuri (1976) e Theodorico, imperador do sertão (1978). Para fazer Theodorico, Coutinho ficou hospedado por 15 dias na fazenda do major e fez dele o narrador do filme, gravando conversas do fazendeiro com seus escravos, cerca de 3 mil moradores da propriedade no Rio Grande do Norte. Denúncia social? Os filmes do documentarista não se propõem a julgar, seja para condenar ou absolver. Ele não quer inventar uma história e atestá-la com prédios, documentos ou imagens que comprovem sua tese. O que ele transmite é a sua curiosidade de escutar o personagem.

Para o próprio Coutinho, essa meta ficou mais clara depois de Santo forte (1999), em que registrou depoimentos sobre diferentes experiências religiosas na favela carioca Vila Parque da Cidade. Passa a concentrar-se ainda mais nas relações que estabelece com os entrevistados num exclusivo momento de entrevista, sem que a pessoa tenha que repetir para a câmera o que já disse antes. Se a pessoa está dizendo a verdade ou não, não é este o interesse de seus documentários, mas sim as falas, entonações e surpresas. Talvez seja por isso que nas entrevistas seus personagens revelem um algo a mais. Como ele consegue isso mesmo com uma câmera postada diante da pessoa? “Tenho necessidade do outro. Tenho necessidade de escutar a pessoa”, conta ele. De alguma maneira, o entrevistado percebe que Coutinho quer contar sua história. “O personagem elabora seu auto-retrato junto comigo”, acrescenta. No momento único da entrevista, “sagrado”, as pessoas se mostram da maneira como querem. São atores numa única tomada. Porque “coisa repetida não dá certo”. Está gravado.

A mostra Diretores Brasileiros, que homenageia o documentarista Eduardo Coutinho, tem início neste sábado, às 18h, e vai até 15 de outubro, com sessões de terça a domingo. Há palestras com o diretor (no dia da abertura, às 20h), com Ismail Xavier e Henri Gervaiseau, professores da ECA/USP (dia 11, às 18h) sobre a influência de Cabra marcado para morrer; e com Consuelo Lins e Regina Novaes (dia 15, às 19h30) sobre a produção recente. No Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, Centro, tel. 3113-3651). O cinepasse, válido para todas as sessões da mostra, custa R$ 8,00. Programação completa no site www.cultura-e.com.br.

 




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