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Coordenada
por professores do Instituto de Geociências da USP,
pesquisa sobre Fernando de Noronha resulta em livro que expõe
aspectos geológicos, biológicos e históricos
do arquipélago visitado por Charles Darwin |
Águas
azuis, mais do que transparentes, com temperatura média de
26ºC. Peixes coloridos, raias de quatro metros de largura e golfinhos
acrobatas. O paraíso em seu estado mais puro e preservado,
acreditam muitos. Tamanha generosidade da natureza encontra-se a
360 quilômetros de Natal (RN) e em 21 ilhas e ilhotas, somando
26 quilômetros quadrados de terra firme. O arquipélago
mais famoso do Brasil, Fernando de Noronha, está retratado
num livro lançado recentemente. Arquipélago
Fernando de Noronha: o paraíso do vulcão foi coordenado
por cinco especialistas – entre eles dois professores do Instituto
de Geociências (IGc) da USP, Wilson Teixeira e Umberto Cordani
– e patrocinado pelas Pró-Reitorias de Pesquisa e de
Cultura e Extensão Universitária da USP. O objetivo
é levar o conhecimento científico para a sociedade,
de maneira que ela sinta, através da leitura, a importância
da preservação ambiental: “conhecer para preservar”.
O resultado
final, um livro de 168 páginas com cerca de 140 fotos e infográficos,
mais do que servir como excelente exemplo, passa desde já
a ser “o estandarte do Programa de Divulgação
Científica” da Pró-Reitoria de Pesquisa, segundo
texto de abertura. Sem esconder o orgulho, o diretor do IGc, Wilson
Teixeira, responsável também pela captação
de recursos para que o projeto fosse desenvolvido, conta que o livro
traz uma visão plena do arquipélago, mostrando três
tempos distintos, mas indissociáveis para se entender a sua
rara beleza: o tempo geológico, o tempo biológico
e o tempo humano. Para isso, a coordenação editorial
procurou os maiores especialistas em Fernando de Noronha, de norte
a sul do País. O livro é também o primeiro
subproduto do Curso de Licenciatura em Geociências e Educação
Ambiental, implementado este ano no IGc e “o primeiro do Brasil
a lidar com a educação ambiental em seu sentido pleno”,
afirma Teixeira. Nas páginas finais, o livro traz um roteiro
de todos os passeios possíveis que o turista pode fazer.
Com
uma tiragem de 5 mil exemplares, Arquipélago já é
o terceiro livro mais vendido em uma das mais conhecidas livrarias
de São Paulo, para orgulho dos autores e dos patrocinadores.
Embratel, Agência Nacional do Petróleo (ANP), CSD-Geoklock
e USP investiram mais de R$ 100 mil na publicação,
que custa R$ 40 ao leitor. Em palestra na Estação
Ciência sobre Fernando de Noronha, Teixeira foi convidado
a organizar uma exposição com as fotos do livro. E
os desdobramentos do sucesso editorial não param por aí.
A médio prazo, o professor pretende conseguir recursos a
fim de traduzir o livro para o inglês. “Lá em
Noronha, os turistas estrangeiros só têm acesso a publicações
sobre o local em português”, afirma. Como tentativa
de atingir e conscientizar o maior público possível,
a Embratel disponibilizará o livro gratuitamente na página
eletrônica do Instituto Embratel 21 (http://www.bibliotecamultimidia.org.br).
Vulcões
adormecidos – “Perante a dimensão do tempo, os
seres humanos simbolizam apenas uma parte recente e efêmera
da trajetória complexa do mundo natural”, diz o livro.
Se pensarmos que Fernando de Noronha começou a se formar
há mais de 12 milhões de anos, os poucos anos de colonização
humana do arquipélago tornam-se algo insignificante. Isso
quer dizer que retirar uma pedra, erodir o solo ou matar uma ave
propositadamente é desvirtuar um processo que é muito
maior e mais antigo do que imaginamos.
O arquipélago
de Fernando de Noronha tem origem vulcânica. Entre 12 milhões
e 1,5 milhão de anos atrás, ele foi palco de sucessivas
e distintas explosões de lava que construíram uma
montanha submarina de material magmático. A ilha principal
e as ilhotas que a circundam encontram-se no topo dessa montanha
submarina, um cone vulcânico de 74 quilômetros de diâmetro
com 4,2 mil metros de profundidade. Ao longo desses milhões
de anos, um edifício de vulcões hoje “adormecidos”
foi constituído, desde Messejana, no Ceará, até
Noronha.
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O
caranguejo-terrestre, golfinhos-rotadores, aves e variadas
espécies de peixes compõem a fauna do arquipélago |
Depois
dos episódios vulcânicos que formaram o arquipélago,
as variações climáticas (ventos, sol e chuva
fortes, era glacial) se encarregaram de desgastar e destruir o topo
das montanhas, o que resultou no relevo atual de Fernando de Noronha.
Também a erosão marinha contribuiu, e o faz até
hoje, para a modificação dos bordos das ilhas. Por
isso é possível detectar desde praias e dunas até
falésias e elevações vulcânicas –
tudo resultado de milhões de anos de transformação
geológica.
Sapo-boi
e pererecas – O estudo biológico de Fernando de Noronha,
apresentado no livro, tenta reconstituir a formação
da vida a partir das transformações vulcânicas
que o ambiente sofreu. Depois de esfriada a superfície, “a
natureza vai iniciar campanha para implantar vida capaz de se adaptar
às condições precárias de sobrevivência”,
lê-se na obra. Os primeiros organismos a povoarem esse ecossistema
foram invertebrados marinhos, seguidos por peixes. Devido às
correntes oceânicas, organismos de todas as espécies
migraram para o arquipélago, aumentando a produção
de peixes. Com a vida aquática em pleno vigor, as aves foram
atraídas para o local, que tem em suas montanhas ótimos
pontos para a construção de ninhos. Como, na natureza,
uma coisa depende da outra, as aves trouxeram consigo sementes.
Não é à toa que a vegetação nativa,
assim como as aves, seja de origem africana, uma vez que correntes
marinhas e aéreas vêm daquele continente.
Há
muitos registros históricos que retratam o arquipélago
como sendo o paraíso das aves marinhas e terrestres. Hoje,
porém, apenas 40 espécies foram detectadas. Além
disso, essas aves procuram fazer seus ninhos nas ilhas e rochedos
secundários – locais com menor ou nenhuma presença
humana. As aves que residem em Noronha são os mumbebos, catraias,
viuvinhas e rabos-de-junco. Os mumbebos-marrom são facilmente
vistos mergulhando no lado oriental da ilha. Entre as espécies
terrestres estão o sebito, endêmico do arquipélago,
e a arribaçã, do sertão nordestino. Hoje é
possível vê-la na margem das estradas e nos quintais
das casas à procura de grãos e sementes.
Além
das aves, os animais que constituem a fauna insular são o
lagarto mabuia, a cobra-de-duas-cabeças e o grande rato.
Relatos do início do século 16 até o 19 descrevem
o alto índice de ratos e sua aproximação intensa
do homem. Não é à toa que a segunda maior ilha
do arquipélago tenha o nome de Rata. Até hoje eles
são abundantes – três espécies e um tipo
albino vivem em Noronha. Os lagartos são encontrados em duas
espécies, o mabuia e o teju, este último um pouco
maior. Outra espécie introduzida no local é o mocó,
roedor parecido com o preá e nativo do semi-árido
nordestino, provavelmente levado para caçar os ratos. O sapo-boi
e as pererecas são as espécies mais visíveis
aos visitantes. De origem desconhecida, a presença de todos
esses animais está relacionada ao processo de colonização
humana e às embarcações.
Entre
os animais protegidos pelo Ibama está o caranguejo-terrestre.
Com uma população reduzida por causa da caça,
mesmo proibida, vive em tocas escavadas na terra, nas áreas
menos afetadas pela urbanização. Procura o mar apenas
para a reprodução. Tartarugas e golfinhos-rotadores
também são protegidos. Os últimos têm
sua presença em Noronha citada em relatos de 1556. Ativos
e acrobatas, possuem um vasto repertório de comportamentos
aéreos, que pode ser simples brincadeira, sinalização
acústica de facilitação social ou para desalojar
parasitas. No Brasil, além de freqüentarem o arquipélago,
viajam desde o Rio Grande do Sul até o Piauí. Tubarões
e raias de várias espécies, de pequeno e grande portes,
agressivos ou não, também podem ser vistos.
A pesca
comercial dos últimos anos, advinda da intensificação
da atividade ecoturística, alterou a variedade biológica
perceptível das águas rasas próximas à
praia. O aumento de ouriços brancos, por exemplo, está
relacionado com a diminuição de polvos, capturados
para abastecer as cozinhas de restaurantes para os turistas.
Em
relação à flora, Noronha não apresenta
muita densidade. O solo argiloso, de pouca espessura e baixa permeabilidade,
dificulta a retenção de água. Com isso, não
há umidade o bastante para a manutenção da
vegetação, que seca rapidamente. A flora do arquipélago
foi alterada ao longo dos anos de ocupação humana.
Hoje ela é composta por cerca de 300 espécies. Nas
duas ilhas maiores, a Fernando de Noronha e a Rata, com áreas
protegidas do vento, a vegetação é mais variada
(rasteira, densa, caatinga e arbórea) em razão da
formação de solos mais espessos. Nas ilhas menores,
o que existe é uma aparência vegetal monótona
e com baixa variedade.
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Surgido
há 12 milhões de anos, Fernando de Noronha foi
palco de sucessivas explosões de lava, que deram origem
às formas atuais |
Ciganos
e presidiários – Descoberto em 1503 por Américo
Vespúcio, o arquipélago de Fernando de Noronha já
passou por invasões holandesas, francesas e portuguesas.
Recebeu, em 1832, a visita do inglês Charles Darwin, por conta
de sua famosa expedição pelo mundo, a bordo do Beagle,
que resultou na publicação de A origem das espécies,
em 1859, obra fundamental para as ciências naturais no que
diz respeito à evolução das espécies.
Em
1504, o arquipélago foi doado ao fidalgo Fernão de
Loronha, como a primeira das capitanias hereditárias brasileiras.
Ao longo do tempo, o nome foi se transformando até chegar
ao que é hoje, Fernando de Noronha. Depois de sucessivas
ocupações francesas e holandesas nos séculos
17 e 18, o governo português se deu conta da localização
estratégica do arquipélago. Mais tarde, construiu-se
na ilha principal uma colônia para ladrões comuns de
Pernambuco – a definitiva ocupação humana do
local.
A vila
contava com alojamento, oficinas, equipamentos e serviços
para a manutenção do presídio. Também
eram encaminhados para lá ciganos e pessoas consideradas
nocivas à sociedade. A Vila dos Remédios sempre foi
a sede da colônia correcional. Todo o sistema de defesa do
arquipélago foi construído nesse período –
dez fortes distribuídos nas praias em que era possível
desembarcar. Com isso, criou-se um dos maiores sistemas fortificados
do Brasil do século 18. A Fortaleza de Nossa Senhora dos
Remédios demorou 41 anos para ser construída, com
seus 6,3 mil metros quadrados de área. Com muralhas de três
metros de espessura, em 1938 ela se tornou presídio político.
Capela,
residências, ruas, praças. Tudo foi construído
por mão-de-obra carcerária, obrigada a trabalhar até
a exaustão. O presídio comum de Noronha existiu durante
201 anos. Funcionários estatais e famílias dos presos
formaram a população local, que hoje soma pouco mais
de 2 mil habitantes – a maioria envolvida na preservação
do arquipélago. Muitos são guias ou donos de estabelecimentos.
Para o turista desavisado, é preciso uma permissão
para entrar na ilha e o pagamento da Taxa de Preservação
Ambiental, cobrada de acordo com os dias de estada. De abril a agosto
é estação chuvosa, com chuvas esporádicas
e intercaladas por sol intenso. No restante do ano há estiagem.
Em Noronha há racionamento de água, principalmente
na época de seca. Isso porque o local não possui rios
perenes e as bacias, pequenas, não dão conta do abastecimento.
Por isso, a entrada de visitantes é regulada pela disponibilidade
de água doce na ilha.
Coleção
inclui Chapada
Diamantina e Pantanal
Arquipélago
Fernando de Noronha: o paraíso do vulcão
é o primeiro livro de uma série planejada pelos
professores do Instituto de Geociências da USP. O professor
Wilson Teixeira pretende conseguir patrocínio para
lançar um livro por ano. O próximo título
de Tempos do Brasil, como se chama a coleção,
deverá abordar a Chapada Diamantina, na Bahia. Depois
do paraíso baiano, o professor pretende publicar as
belezas do Pantanal, Bonito, Foz do Iguaçu e Serra
da Capivara, totalizando seis títulos. Cada livro da
série descreverá os patrimônios ambientais
brasileiros em três tempos distintos – o tempo
geológico, o tempo biológico e o tempo humano
–, como foi feito com Fernando de Noronha. “Dessa
forma, queremos aproximar o leitor da paisagem. Transformá-la,
de mero objeto contemplativo, em espaço de interação
e entendimento”,
diz o professor. A coleção é publicada
pela Editora Terra Virgem. |
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Arquipélago
Fernando de Noronha: o paraíso do vulcão
coordenado por Wilson Teixeira, Umberto Cordani, Eldemar Menor,
Margareth Teixeira e Roberto Linsker
Editora Terra Virgem
(www.terravirgem. com.br)
168 páginas
R$ 40 |
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