PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  
 
Em Lins, a USP transforma as descartadas águas de esgoto em um produto essencial para as plantações: ainda incipiente, a técnica é uma alternativa para a escassez do líquido, num país que usa na agricultura 70% da sua água tratada

Medida irreversível e por tempo indeterminado, segundo o secretário estadual de Recursos Hídricos, Mauro Arce, o racionamento de água em vários municípios da Grande São Paulo afinal foi anunciado. Ao mesmo tempo, autoridades e população alimentavam esperanças de que a chuva pudesse, mais uma vez, servir como paliativo para solucionar um problema que se avoluma nos grandes centros e que vem se tornando crítico em todo o Estado.

Veja-se o caso do rio Piracicaba e afluentes, que ocupou os noticiários nas últimas semanas. Além de servir a dezenas de municípios do interior paulista, aquela bacia dá vazão ao sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento da região metropolitana e responsável por prover água para cerca de 60% dos 17 milhões de habitantes da Grande São Paulo. Em meio às notícias sobre racionamento, o governador do Estado, Geraldo Alckmin, chegou a colocar parte da culpa da falta d’água nas válvulas de descargas dos banheiros residenciais, que, segundo o governador, são os vilões do mau uso em residências. Isso porque as atuais válvulas consomem entre 30 e 40 litros por descarga e, sendo assim, ele defende a troca por válvulas mais modernas, que consomem apenas seis litros por descarga.

Esse não é certamente um dado desprezível diante das atuais circunstâncias. Porém, há que se considerar fatos prementes como a má gestão e distribuição dos recursos hídricos, além do desperdício, que atinge 40% nas redes de água tratada da região metropolitana. Há que se atentar também para o “modo de apropriação e utilização da água, cuja função social é quase sempre colocada em segundo plano”, como destacou Gerôncio Albuquerque Rocha, funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) e representante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, em entrevista à revista Estudos Avançados (número 47), publicada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

A Bacia do Alto Tietê, por sua condição característica de manancial de cabeceira, dispõe de vazões insuficientes para a demanda da região metropolitana, daí a necessidade de São Paulo buscar água em outros mananciais. A busca incessante de recursos hídricos complementares de bacias vizinhas, segundo o deputado federal Antônio Carlos de Mendes Thame (PSDB-SP), ex-professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, colocará a capital e o interior numa grande disputa em 2004, ano em que vencerá a concessão de 30 anos da Sabesp sobre o sistema Cantareira (leia texto na página ao lado).

Piveli: "Vamos melhorar a técnica"

É justamente nas regiões em que a demanda por água é grande que a técnica do reúso vem sendo apontada por especialistas como uma das soluções emergenciais a ser adotadas para o melhor gerenciamento hídrico, especialmente nos chamados “cinturões verdes” e em grandes aglomerados industriais e urbanos. Em sua edição número 638 (de 14 a 20 de abril passado), o Jornal da USP destacou experiências bem-sucedidas de reúso para fins industriais. A grata surpresa de outras pesquisas sobre reúso desenvolvidas atualmente na Universidade diz respeito justamente ao tipo de aplicação dos efluentes tratados: a irrigação de plantações. Num país que sofre com problemas de gestão de recursos hídricos e que consome na agricultura cerca de 70% de sua água tratada, esses projetos de pesquisa não poderiam vir em melhor hora.

A técnica do reúso – que faz parte das estratégias previstas nas metas globais da ONU para a administração da água no planeta – vem sendo estudada há anos por pesquisadores de várias unidades da Universidade, incluindo a Esalq, a Escola de Engenharia de São Carlos, a Escola Politécnica, a Faculdade de Saúde Pública e o Instituto de Biociências.

Uma das experiências pioneiras sobre desinfecção de efluentes e fertiirrigação (o uso de efluentes de esgoto tratado na irrigação de plantações) acontece num campo experimental montado em Lins, no interior de São Paulo, através de um convênio entre a USP e a Sabesp. O projeto de pesquisa “Utilização na agricultura do efluente de lagoas de estabilização em Lins” é realizado com recursos do Programa de Pesquisas em Saneamento Básico (Prosab) do Ministério da Ciência e Tecnologia. Dentro do mesmo projeto, a Fapesp financia a linha de pesquisa “Impactos químico, físico e ambiental de um sistema solo-pastagem irrigado com efluente de esgoto tratado”.

Pesquisa mostra que a água proveniente de esgoto tratado contribui para o aumento da produtividade do milho e pode substituir parcialmente o nitrogênio obtido com adubação mineral

Plantas e tilápias – As pesquisas do convênio entre USP e Sabesp tiveram início em 2001 e, em julho passado, foi finalizada a primeira etapa. Elas tiveram a colaboração de cientistas da Faculdade de Saúde Pública, da Escola de Engenharia de São Carlos e do Núcleo de Pesquisa em Geoquímica e Geofísica da Litosfera (Nupegel) da Esalq, coordenado pelo reitor Adolpho José Melfi, que participa das pesquisas de solo. Com cerca de 15 pesquisadores, o grupo integrou a fase 3 do Prosab. “No campo experimental de Lins, avaliamos a desinfecção de efluentes por meio de cloração, radiação ultravioleta e por ozonização, sempre comparando o uso desses efluentes com a irrigação a partir da água da rede, a fim de verificarmos as condições de operacionalização e custos”, afirma o professor Roque Passos Piveli, da Escola Politécnica, que coordena experimentos sobre desinfecção de esgoto em Lins. “Em cerca de 1,5 hectare, foram plantados café, milho, girassol e pupunha. Na parte de hidroponia, fizemos experiências com flores como o crisântemo. Também coordenei experimentos com o peixe tilápia-do-nilo. A Faculdade de Saúde Pública realizou o controle biológico de tudo e a Esalq verificou os efeitos dessas aplicações sobre o solo e as plantas e investigou a infiltração do efluente em lençóis subterrâneos.”

Segundo o professor, as pesquisas constataram que os efluentes são ricos em minerais. Com isso, o crescimento das plantas foi “positivo” e elas não sofreram contaminação, em parte pelo tipo de irrigação utilizado, por gotejamento. Em relação às tilápias, os pesquisadores detectaram coliformes no músculo do peixe que, no entanto, foram eliminados depois de eles serem mergulhados alguns dias em água da rede tratada.

Mas, ainda de acordo com as pesquisas, o uso de efluentes na agricultura traz o risco da migração de microorganismos para os lençóis freáticos. Há indícios também de que pode haver contaminação do solo. “Depende muito do equilíbrio da dosagem do efluente”, diz o professor. “O que pretendemos, na próxima fase, é buscar maneiras de controlar esses riscos e aperfeiçoar a técnica, que, aliás, é amplamente utilizada em vários países.”

 

Thame prevê conflitos em 2004

Na palestra “Recursos Hídricos, Planejamento, Gestão e Políticas Públicas”, realizada no dia 18 de outubro no Anfiteatro do Pavilhão de Engenharia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, o ex-professor daquela unidade e hoje deputado federal Antônio Carlos de Mendes Thame (PSDB-SP) falou sobre o custo da água e conflitos regionais de bacias hidrográficas.

Ele ressaltou que a capital paulista e cidades do interior deverão travar uma grande disputa em 2004. É quando termina a concessão de 30 anos dada à Sabesp para administrar o sistema Cantareira, que usa águas da bacia do Piracicaba para conseguir atender a uma demanda de cerca de 60% dos 17 milhões de habitantes da Grande São Paulo. Com isso, os 45 municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba – entre eles Americana, Campinas, Valinhos, Sumaré, Nova Odessa e Paulínea, além de Piracicaba –, que sofrem com escassez de água em períodos de estiagem, deverão pressionar os governos estadual e federal e os comitês de bacias, a fim de que os termos da concessão dada à Sabesp sejam revistos.

Thame: disputa pela água

Autoridades da região de Piracicaba já adiantam parte dessa batalha movendo uma ação civil pública contra a Sabesp e o governo estadual. Elas solicitam, através de liminar, indenização de R$ 11,4 bilhões, segundo o secretário do Meio Ambiente de Piracicaba, Juan Antônio Moreno. “Essa ação civil deverá ser subscrita por prefeitos e vereadores da região do Baixo Piracicaba, a fim de ser encaminhada para a justiça federal. Na ação, estamos pedindo a redução do nível de retirada da água do Piracicaba, de forma gradativa, para que São Paulo tenha tempo hábil de se programar quanto ao seu abastecimento”, afirma Moreno. “Por outro lado, fazemos um apelo para que São Paulo coloque em prática um programa de economia de água e que evite as perdas enormes que ocorrem atualmente na rede. A ação vem com um pedido de liminar, em que solicitamos a indenização de R$ 11,4 bilhões, que serão direcionados a um fundo para ser usado eqüitativamente pelos municípios afetados.”

Para o deputado Thame, a questão é tão complexa que provavelmente deverá ser intermediada pela Agência Nacional de Águas (ANA). Através de sua assessoria de comunicação, a ANA afirmou que os termos da renovação da concessão deverão ser discutidos nos fóruns do Comitê da Bacia do Piracicaba e que as demandas “serão consideradas”.

No encontro, o jurista Paulo Afonso Machado, professor da Unesp de Rio Claro, ressaltou a importância da participação popular nos conflitos ambientais. Em sua palestra, ele lembrou que nem todos os assuntos de ambiente estão previstos em texto de lei e por isso a solução justa para conflitos deve se pautar pelos “princípios da eqüidade e da razoabilidade”, previstos pela ONU. Nesse ponto, novamente a participação popular se faz necessária, disse.

Mas o secretário Moreno lembrou as dificuldades que pessoas comuns encontram ao tentar participar de audiências públicas, por exemplo, que são os foros de discussão em que questões de interesse dos cidadãos são encaminhadas. “Eu, como secretário de Meio Ambiente, tive muita dificuldade para participar de uma audiência pública sobre a instalação da termelétrica Cariobá 2, em Americana. Mais tarde, foi instaurado um processo na justiça federal que comprovou a manipulação daquelas audiências”, afirma.

 




ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]