Líber
chronicarum é o nome do mais antigo livro que a USP
tem em seu acervo. Publicado em 1493, ele conta em verso e prosa,
através de historietas, lendas e anedotas, desde a criação
do mundo até as profecias do Apocalipse. As ilustrações,
em xilogravuras coloridas, são cerca de 2 mil e algumas tomam
até duas páginas. São passagens da Bíblia,
papas, fenômenos da natureza como cometas e terremotos, além
de vistas de numerosas cidades, como Nuremberg e Viena, então
não mais que pequenas vilas cercadas pelas muralhas medievais.
Guardada
nas estantes do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), a obra faz
parte de uma coleção de acesso restrito, mas agora
quem quiser vê-la não precisa ser um pesquisador de
estudos medievais nem ir até o instituto. Pode fazê-lo
de qualquer lugar, simplesmente através do computador, graças
à Biblioteca Digital de Obras Raras e Especiais, que coloca
à disposição na Internet o conteúdo
de alguns dos títulos mais antigos da USP.
Lançada
no dia 29 de outubro, durante a 6a Semana do Livro e da Biblioteca
da USP, a Biblioteca Digital é resultado de um convênio
entre o Sistema Integrado de Bibliotecas (Sibi) e o Centro de Computação
e Informática (CCI) e parte de um projeto mais amplo de preservação
desses materiais. Esse projeto incluiu o lançamento, durante
as comemorações dos 500 anos do Brasil, em 2000, dos
catálogos Bibliotecas Universitas, que trazem uma listagem
e descrição minuciosa do acervo bibliográfico
da USP dos séculos 15, 16 e 17. Com o apoio da Fapesp, também
foram restauradas 167 dessas obras.
Democracia
e preservação – A coleção uspiana
de obras raras soma mais de 2 mil volumes. A lista completa –
a exemplo da que há na Biblioteca Universitas, com dados
como título, autor e data de publicação –,
está na Biblioteca Digital, mas apenas 22 dessas obras (divididas
em 38 volumes) podem ter seus conteúdos consultados pela
Internet. Com financiamento do CNPq, os livros foram integralmente
digitalizados e o usuário tem acesso tanto ao texto quanto
às imagens.
O número
ainda é reduzido, mas a intenção, segundo a
diretora do Sibi, Adriana Ferreira, é buscar outras parcerias
para aumentar os títulos disponíveis. Como se trata
de livros sobre os quais não recaem questões de direitos
autorais, eles podem ser colocados na Internet sem problemas e custos
adicionais.
Por
serem obras muito frágeis, que se desgastam com o manuseio
e a consulta, o acesso digital é ainda uma forma de resguardá-las.
“A digitalização é um passo importante
para a preservação”, diz Adriana. Por outro
lado, existe também uma democratização do conteúdo
desses livros. Ainda que possam ser consultadas em dependências
reservadas das bibliotecas da USP, essas coleções
não são de livre acesso: os livros não podem
ser retirados nem copiados, fazendo com que o pesquisador fique
sujeito aos horários da instituição, o que
pode dificultar a pesquisa. Além disso, explica Adriana,
“as obras têm interesse não só para os
pesquisadores e estudiosos, mas também para o público
leigo, pelo seu valor artístico”.
A seleção
dos títulos ficou a cargo da professora Laura de Mello e
Souza, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, convidada pelo Sibi
para a tarefa. No processo de escolha, a professora e sua equipe
procuraram ser abrangentes e contemplar as várias áreas
do conhecimento presentes na Universidade: há títulos
de história, direito, astronomia, odontologia, química,
botânica, arquitetura e economia. Para isso, levaram em consideração
não só a idade das obras – não foram
escolhidas apenas as mais antigas –, mas também consultaram
as bibliotecas de diversas unidades para que elas apontassem, entre
as suas obras especiais, quais eram as mais consultadas e requisitadas
pelos seus usuários. “A Faculdade de Odontologia e
o Instituto de Química, incluídos na seleção,
não têm títulos dos séculos 15, 16 e
17, mas há livros que, para aquelas faculdades, são
raros e importantes”, conta Edijanilde Costa Ribeiro, bibliotecária
do Sibi que há mais de dez anos dedica-se à pesquisa
desses acervos.
Entre
os volumes da Biblioteca Digital de Obras Raras e Especiais, merecem
destaque as crônicas de viajantes. O conjunto traz descrições
essenciais para o estudo do País e da América, como,
por exemplo, Relato de uma viagem, do francês François
Froger, publicado em 1699, e Viagem pela América, escrito
pelo aventureiro holandês Arnolds Montanus em 1671. Com dados
históricos, os livros são também ricamente
ilustrados com imagens da fauna e da flora, além de mapas,
bastante minuciosos e precisos para a época em que foram
feitos. Montanus traz vistas de Salvador, retratos de povos indígenas
de todo o continente americano e impressionantes cenas de canibalismo
entre índios brasileiros. “São preciosidades
que a Universidade possui e que é importante que todas as
pessoas conheçam”, diz Adriana.
A
Biblioteca Digital de Obras Raras e Especiais pode ser acessada
através do Portal
do Conhecimento.
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