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Em parceria com a Associação Minha Rua Minha Casa, professores e estudantes colocam em prática metodologias de atendimento a excluídos

Em boletim de outubro, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) classificou 2003 como um ano de “turbulências”. Aponta, como conseqüência natural de fases instáveis como esta, a elevação das taxas de inflação, juros e câmbio. Para o cidadão comum, os amargos números da economia se traduzem em aumento do custo de vida. Para a economia em geral, representa queda do nível de atividade, sendo esta a principal razão apontada por especialistas para o aumento do desemprego. A roda-viva da economia reflete sempre no homem e é nas grandes metrópoles que as evidências disso são mais proeminentes. Em São Paulo a situação piorou. De 2000 até hoje, o número de pessoas vivendo em albergues aumentou 70%, segundo recenseamento divulgado no início deste mês pela Secretaria Municipal de Assistência Social, em pesquisa realizada pela Fipe. O censo de 2000 apontava 3.693 albergados, enquanto hoje são 6.186.

Essas pessoas socialmente excluídas pelas “turbulências da economia” nem sempre conseguem recuperar a autonomia, a auto-estima, o emprego e a dignidade. Se os gargalos sociais não são facilmente equacionados pelos mecanismos da economia, as seqüelas psicológicas de quem sofre na pele com essas crises também não apresentam soluções fáceis.

Nesse aspecto, a terapia ocupacional social pode ser uma forma de ajudar pessoas que, por algum motivo, romperam com suas estruturas e processos sociais. Esse, pelo menos, é um dos objetivos dos estudos desenvolvidos pelo Grupo Interinstitucional Metuia, que reúne professores, alunos e profissionais da USP, da PUC de Campinas e da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) na busca de metodologias que visam a dar suporte a pessoas em situação de risco social, sejam elas desempregadas, refugiadas políticas ou integrantes de minorias étnicas.

O projeto é realizado sob o viaduto do Glicério: lições de cidadania

No caso dos trabalhos desenvolvidos com populações de rua, o Metuia iniciou em 2000 um convênio com a Associação Minha Rua Minha Casa, que funciona embaixo do viaduto do Glicério, na zona central de São Paulo. Essa parceria vem proporcionando ricas experiências para alunos de graduação dos cursos de Terapia Ocupacional das três universidades envolvidas. Trata-se de um laboratório vivo que sensibiliza o aluno para o trabalho no campo social. “Caminhamos no sentido de produzir mais autonomia para as pessoas em situação de risco social, a fim de que elas possam definir projetos de vida e ir em busca deles. Partimos das necessidades e propostas apresentadas pelos próprios assistidos e, dessa forma, nosso trabalho ultrapassa a prática meramente assistencialista, o que está em sintonia com a filosofia da associação”, diz a professora Marta Carvalho de Almeida, do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP. “O Metuia busca sempre trabalhar com parceiros porque nós não vemos muito sentido em levar as populações assistidas para a universidade. Ao contrário, trabalhamos com essas pessoas em seu próprio território.”

Participação – Acompanhamento psicológico, cuidados pessoais, prevenção do uso de álcool e drogas, alimentação, atividades culturais e socioeducativas são algumas práticas diárias realizadas pela Associação Minha Rua Minha Casa, com a ajuda de uma equipe técnica e de voluntários, que prestam serviços duas vezes por semana. “Tentamos organizar os assistidos e capacitá-los de forma que eles participem de todas as atividades e não simplesmente recebam assistência. Eles ajudam a fazer o próprio lanche que vão comer, por exemplo, entre outras coisas”, diz a psicóloga Gabriela Carvalho Russo, uma das educadoras da equipe técnica da associação e coordenadora do corpo de voluntários. Até da compra de materiais os assistidos participam. “Os integrantes das oficinas foram com a gente à rua 25 de Março escolher e comprar os materiais para confeccionar suas peças na oficina de bijuteria”, conta a professora Marta.

O trabalho do Metuia nos baixos do viaduto do Glicério inclui acompanhamento individual e várias oficinas, que visam não só a ensinar uma atividade aos assistidos como também a ajudá-los a produzir peças vendáveis, seja uma bijuteria, uma luminária ou mesmo peças de vestuário confeccionadas com fios de lã ou linha. Sérgio Tangioni Júnior, por exemplo, já vendeu seu primeiro cachecol feito na oficina de fios coordenada por integrantes do Metuia. Com 31 anos de idade, segundo grau completo e há um ano desempregado, Sérgio preferiu viver “vários meses nas ruas” porque não gostava do “clima” e das imposições de horários dos albergues. Ex-funcionário da indústria de autopeças, passou a freqüentar a associação toda tarde e recentemente vive em um quarto alugado.

Sérgio descreve sua situação com surpreendente clareza: “No meu caso, não considero trabalho com fios uma profissão. É mais uma terapia, uma forma de não ficar ocioso. Eu costumo ir atrás de emprego de manhã e à tarde ficava sem fazer nada. As pessoas em situação de rua ficam com a auto-estima em baixa, meio perdidas e essas ocupações ajudam a retomar o rumo, a manter contato com outras pessoas. Aqui conversamos, temos orientações e isso é bom, porque pessoas na minha condição normalmente buscam o isolamento. Da mesma forma que eu, há muita gente querendo sair dessa situação e com certeza esses programas ajudam”.

Felipe em ação na “rádio” Fala Cidadão: uma chance para vencer na vida

Experiência parecida é a de Paulo Martins de Oliveira, pintor da construção civil que trabalhava em Santos e que já teve 18 anos de carteira assinada. Morou nas ruas e passou por albergues e quartos de aluguel depois que o alcoolismo tomou conta da sua vida e o fez perder o emprego. Diz com satisfação que agora é proprietário de um barraco na favela da Barra Funda. Freqüenta a associação há cinco anos, desde quando a entidade era apenas um grupo de pessoas que servia um “sopão” às quartas-feiras. De lá para cá, calcula já ter vendido cerca de 400 objetos feitos a partir da moldagem de metais como cobre e zinco. Confeccionou porta-velas, porta-talheres e luminárias, tudo em chapa de metal. Dos trabalhos, vendidos por preços que variam de R$ 12,00 a R$ 50,00, fica com 30% do total. Complementa seu orçamento mensal com a assistência do INSS e os R$ 50,00 da bolsa que ganha da Oficina Escola, mantida pela associação.

Até uma “rádio” funciona embaixo do viaduto do Glicério, além de um pequeno jornal. A “rádio” Fala Cidadão funciona com uma caixa de som que leva ao ar, às quartas e sábados, uma programação variada. Felipe Francisco de Morais, de 20 anos, é o mais jovem assistido e apresenta um programa com música sertaneja e pagode. Ele conta que, graças às atividades de que participa, aprendeu a cozinhar, a operar rádio e a fazer artesanato com fiação. É um dos vários exemplos do que a universidade – através da terapia ocupacional – pode fazer em favor da inclusão social.

Mais informações sobre o Grupo Interinstitucional Projeto Metuia podem ser obtidas nos endereços eletrônicos www.ufscar.br/portugues/projetos/metuia e www.minharua minhacasa.hpg.com.br

 

 




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