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Para evitar contaminação, o laboratório adota medidas de segurança extremamente rígidas: pesquisas ajudarão a formular políticas públicas

O Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP ganhou um laboratório tão seguro para pesquisas de vírus que o professor Edison Luiz Durigon não resistiu a uma brincadeira na cerimônia de inauguração, realizada no auditório II do ICB, no dia 11 passado, terça-feira. “A única coisa que sai viva do laboratório é o pesquisador”, disse. A referência é ao rigor dos procedimentos para o trabalho no Laboratório Nível de Biossegurança 3 Klaus Eberhard Stewien, ou simplesmente NB3+, que começa a funcionar plenamente em janeiro. Sua importância não se restringe ao fato de ser o primeiro do gênero no Brasil, mas está ligada ao grau de excelência do projeto. Basta dizer que instalações mais sofisticadas para NB3 existem apenas nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta, nos Estados Unidos – onde o virologista Durigon trabalhou de 1990 a 1994. O projeto de construção, que durou um ano e meio e teve financiamento da Fapesp, recebeu o aval de duas instituições internacionais de renome: os próprios CDC e o laboratório NB4 de Paris.

O novo espaço vai permitir que os pesquisadores brasileiros trabalhem em segurança com vírus como o west nile e outros. O professor Paolo Zanotto, também do ICB e coordenador do Projeto Genoma Vírus, esteve em julho na Universidade de Freiburg, na Alemanha, e de lá trouxe material e amostras relacionadas ao vírus da Sars, a chamada pneumonia asiática. Entretanto, só vai mexer nesse material, dentro do novo laboratório, caso a Sars apareça no Brasil. As pesquisas permitirão conhecer melhor esses organismos, e com os dados obtidos poderão ser formuladas com mais eficiência ações de saúde pública e campanhas de vacinação. São fatores particularmente importantes em relação àquilo que os pesquisadores chamam de doenças emergentes, cujos danos são bastante sérios, uma vez que o organismo não está acostumado a elas. “O País em pouco tempo estará muito mais capacitado para trabalhar com esses agentes, condição que não tínhamos antes”, comemora o professor Durigon.

Cartão magnético – O laboratório Klaus Stewien – nome que homenageia o pesquisador alemão, naturalizado brasileiro, atualmente com 65 anos de idade e integrante do Grupo de Virologia do ICB – é o primeiro dos quatro NB3+ do Estado de São Paulo. As outras unidades serão instaladas no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, na USP de Ribeirão Preto e na Unesp de São José do Rio Preto, cidade considerada estratégica por ser a porta de entrada para a febre amarela no Estado. Esses centros integram a Rede de Diversidade Genética de Vírus, ou VGDN (sigla em inglês), criada em 2000 também com financiamento da Fapesp, hoje com quase 150 pesquisadores de 22 grupos em universidades, órgãos da Secretaria da Saúde e hospitais de São Paulo.

O trabalho da rede está centrado em quatro vírus importantes: o HIV, cujo genoma deve ser seqüenciado até o final de 2004; o HCV, causador da hepatite C; o RSV, principal causador de infecções no trato respiratório inferior em bebês e crianças em idade pré-escolar; e o hantavírus. “Com essa rede estamos dando um exemplo internacional”, afirma o diretor científico da Fapesp, José Fernando Perez. “Rede é uma palavra da moda, mas não é panacéia. Ela precisa ter objetivos e metas muito bem planejados.”

Mexer com material dessa natureza é perigoso. Há casos de pesquisadores contaminados dentro de laboratórios. Para que isso não ocorra no NB3+ do ICB, e também para que não haja risco de “fuga” de vírus para o ambiente externo, as normas de segurança são extremamente rígidas. O espaço de cerca de 50 metros quadrados do laboratório é totalmente vedado e cercado por paredes de meio metro de espessura. Do lado de fora, um monitor mostra se os equipamentos estão funcionando perfeitamente, e o pesquisador só entra se os parâmetros de segurança estiverem adequados. O controle de acesso será feito por meio de cartões magnéticos, que destravam a porta de entrada. Apenas seis pesquisadores possuirão esses cartões. Numa antecâmara, eles tiram a sua roupa e vestem o traje apropriado, que inclui macacão, botas, óculos e touca. Então chegam à sala principal, cujas portas só se abrem quando as outras são travadas. Para sair, terão que tomar um banho com água clorada.

Para trabalhar no laboratório, os pesquisadores passam por treinamento de duas a três semanas e terão constantes reciclagens. Professores visitantes também serão treinados. Todos os móveis são de aço inox, o que pode até ser desconfortável, mas é o mais adequado para os padrões de segurança exigidos. Para José Alberto Neves Candeias, professor titular do ICB, o NB3+ vai permitir que a pesquisa feita na USP, em prol da saúde pública de todo o País, entre numa nova estrada. “Já dispomos de um grupo maduro, competente e inteligente de virologistas, cujo trabalho vai aumentar muito mais”, acredita.

 

 

Uma ameaça às grandes cidades

A velocidade dos meios de transporte – com o intenso tráfego aéreo entre países e continentes –, a superpopulação, o aumento da miséria e a urbanização crescente e desordenada estão entre os fatores que contribuem para a rápida disseminação de vírus e das doenças a eles associadas no mundo inteiro. Na cerimônia de inauguração do laboratório NB3+ do ICB, o pesquisador Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, apresentou três exemplos que têm preocupado a comunidade científica.

Um deles é o novo coronavírus causador da Sars, doença que no início deste ano se disseminou a partir da China e provocou a morte de cerca de 800 pessoas em mais de 30 países. Outro exemplo é o west nile, um vírus associado a aves e cuja presença era concentrada na África. Em 1999, ele provocou um surto de encefalite humana na América do Norte e região do Caribe. Há, portanto, risco de que o west nile chegue ao Brasil. Até porque em Fernando de Noronha vivem garças que começaram a chegar do continente africano há alguns anos. Em outros países, nas duas espécies dessa garça já foi encontrado o vírus.

No País, um dos principais problemas a ser atacados é o da hantavirose causadora da síndrome pulmonar e cardiovascular. A doença foi descrita há dez anos e já houve registro de 320 casos no Brasil, com 42% de mortalidade. Os casos têm se concentrado na região rural, onde o vírus associou-se a uma espécie de roedores silvestres. Para os pesquisadores, fatores como o desmatamento, as queimadas e o avanço das periferias urbanas para regiões anteriormente silvestres têm contribuído para agravar a situação. Outra preocupação é a possibilidade da disseminação da febre amarela nas grandes regiões metropolitanas do País.

“Esses agentes patológicos têm altíssima eficiência”, alertou Figueiredo. O vírus da febre amarela chegou à América com o tráfico negreiro dos séculos 17, 18 e 19. Aqui, saiu do ser humano e se adaptou a um novo ciclo nos macacos, espalhando-se e causando epidemias. No ano passado, houve 40 casos da doença registrados em Diamantina (MG). Ou seja: o vírus vem se aproximando das regiões mais povoadas do Brasil. A grande ameaça que pesa sobre o País foi qualificada por Figueiredo como “o terror da urbanização” – a febre amarela via Aedes aegypti” (o mesmo mosquito associado à dengue).

 

 




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