Conflitos
do ser humano “interpretados” por objetos que,
senão sobre o palco, seriam inanimados. Bonecos, máscaras,
sombras e atores reunidos mostram na peça Dicotomias
– Fragmentos Skizofrê o indivíduo em dúvida
entre ser incompleto e tentar se completar. Talvez através
da relação com o outro, talvez no estranhamento
da sua própria imagem. “Tem a ver com fragmentos,
ruptura, dicotomia, divisão. Na condição
humana somos todos divididos”, afirma Ana Maria Amaral,
diretora do grupo de teatro de animação O Casulo
– BonecObjeto e professora da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP.
Também
dividida em 14 cenas fragmentadas e sem falas, a peça
tem início com as sombras de “um todo que se
divide, que pode ser formas informes, seres entre animais
e monstros”, conforme caracteriza a diretora. “Eu
queria um ser que fosse bicho, gente, olho e boca”,
continua, sobre a figura que é sombra em um fragmento
e reaparece em outra cena, representando um feto, dentro da
barriga de uma mulher. Aliás, a mulher é uma
das questões mais abordadas pelo espetáculo.
Ela
aparece representando um mito, um sonho, e principalmente
a mulher comum. Em uma das cenas, a mulher busca sua identidade
mirando-se num espelho todo quebrado. Em outras, ela se divide
entre a vida e o trabalho, entre a infância e a maturidade.
Todas
essas passagens, assim como as que retratam o homem romântico,
canhestro ou violento, são simbolizadas pelos objetos
– manipulados pelos atores – com toques de surrealismo.
Coisas como um sapato feminino, um pé masculino, uma
flor de galanteio, um olho que vigia e instrumentos de trabalho
se misturam e representam as pessoas e sua convivência.
“Trabalhamos a questão do sonho, do subconsciente,
em que coisas completamente distintas se unem, não
necessariamente por uma lógica cartesiana”, afirma
o ator, manipulador e também professor da ECA/USP,
Beto Costa. “É uma proposta nova de 1910”,
ironiza a diretora. “Há uma resistência
em defender que o teatro seja racional e tenha falas. Isso
é sair do cotidiano, é surreal”, completa.
Sem
nenhum diálogo, o espetáculo é todo visual,
porém a trilha sonora se integra a todas as cenas.
Composta por Cid Campos a partir das imagens de Dicotomias,
a música faz referência inclusive a um tango
do Piazzolla. Os fragmentos relatam, com essas imagens associadas,
o desenvolvimento do ser humano, que nasce, busca sua identidade,
casa, trabalha e gera filhos, e então reinicia o ciclo
e permanece em conflito. Quase sempre na peça, a dualidade
e as transformações do homem são retratadas
pela animação com os objetos, que atuam por
meio dos atores. O ator Beto Costa explica a opção,
“humaniza-se o objeto e torna-se o homem objeto”.
Objeto de suas próprias e mais humanas questões.
A peça Dicotomias – Fragmentos
Skizofrê estréia nesta terça e fica em
cartaz até 18 de dezembro, de terça a quinta,
às 21h. No Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro,
1.000, Paraíso, tel. 3277-3611. Ingressos: R$ 5,00
e R$ 10,00.
|