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Os 70 anos de fundação da USP foram lembrados no dia 25 de janeiro, domingo, em sessão solene do Conselho Universitário realizada no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Além do reitor da USP, professor Adolpho José Melfi, a sessão contou com a presença do governador do Estado, Geraldo Alckmin, de parlamentares, autoridades e membros da comunidade acadêmica. Os secretários de Estado da Ciência e Tecnologia, José Carlos Meirelles, e da Cultura, Cláudia Costin, fizeram parte da mesa, ao lado do presidente da Assembléia Legislativa, deputado Sidney Beraldo, e do diretor do jornal O Estado de S. Paulo, Ruy Mesquita. Também estavam presentes o secretário estadual da Educação, Gabriel Chalita, os ex-reitores da USP Miguel Reale (1949-50 e 1969-73), Waldyr Muniz Oliva (1978-82), José Goldemberg (1986-90) e Flávio Fava de Moraes (1993-97), o presidente da Fapesp, Carlos Vogt, reitores das principais universidades brasileiras, representantes diplomáticos e parlamentares. A USP foi fundada em 25 de janeiro de 1934, dia em que o interventor federal Armando de Salles Oliveira assinou o decreto 6.283, que criou a Universidade.

O evento foi aberto com discurso do professor Antonio Junqueira de Azevedo, da Faculdade de Direito. O professor, retomando a história da Universidade, lembrou que, embora a USP tenha sido fundada em 1934, São Paulo já registrava desde a década de 20 anseios e reivindicações por uma universidade que fosse foco poderoso de produção científica, cultural e artística. Sobre os anos recentes, Junqueira de Azevedo avaliou que a USP e o governo estadual – ou o “saber” e o “poder”, reunidos na celebração – têm conseguido cultivar uma boa relação, marcada pela “autonomia com harmonia”. O professor também se manifestou favorável à discussão de um sistema de cotas nas universidades públicas, com a finalidade de prevenir o que chamou de uma “evolução indesejável” e injusta no acesso ao ensino superior público.

O reitor Adolpho Melfi, por sua vez, abordou em seu pronunciamento um conjunto de críticas que vem tomando corpo na mídia e em setores governamentais, tachando as universidades públicas de elitistas e dispendiosas para a sociedade. Além de “inverídicas”, disse o reitor, essas alegações não consideram que a função social da universidade pública não se restringe ao ensino, mas também abarca a pesquisa científica e a extensão. “A universidade pública não beneficia só aqueles que a freqüentam. Ela produz tecnologia e gera desenvolvimento para toda a sociedade”, afirmou o reitor, lembrando que a USP é responsável atualmente por 25% da produção científica brasileira.

Melfi e Alckimin: harmonia entre o “saber” e “poder”

O reitor também ressaltou que os projetos de crescimento da USP, atualmente em curso, possuem um perfil marcadamente democratizante. Está em processo um aumento de 19,1% no número total de vagas, e de 35%, considerando-se apenas os cursos noturnos. A isso se soma a criação do novo campus da USP na zona leste de São Paulo, considerado pelo reitor como o “ponto mais alto do septuagésimo aniversário”, mantendo a USP “jovem e dinâmica como nos anos 30”.

Cosmopolitismo – Em seu discurso, o governador Geraldo Alckmin lembrou o ambiente cosmopolita que já marcava a cidade e o Estado de São Paulo na década de 30. “Era indispensável dotar São Paulo e a nação de um corpo universitário que fosse além da trilogia Direito-Medicina-Engenharia que regia o ensino até então.” A marca do cosmopolitismo se conserva até hoje na USP, que manteve ao longo dos seus 70 anos a função de formar quadros para todas as universidades brasileiras, além de abrigar alunos de todas as unidades da federação, acrescentou.

Durante o evento, foi assinado entre o governo do Estado e a USP um protocolo de intenções visando à doação para a Universidade do edifício que sedia o Paço das Artes, situado na Cidade Universitária, em São Paulo. O documento foi assinado pelo governador Geraldo Alckmin, pelo reitor Adolpho Melfi e pela secretária estadual da Cultura, Cláudia Costin.

O evento foi encerrado com a apresentação da Orquestra Sinfônica da USP (Osusp), que executou obras dos compositores Camargo Guarnieri – professor do Departamento de Música da USP, falecido em 1993 – e Guerra Peixe. Houve também o lançamento, pela Editora da USP (Edusp), da edição em fac-símile do livro História da Universidade de São Paulo, de autoria do professor Ernesto de Souza Campos. O livro foi publicado originalmente em 1954, em comemoração aos 400 anos da cidade de São Paulo e aos 20 anos de fundação da USP. Ainda durante a cerimônia, representantes doc estudantes distribuíram uma Carta Aberta ao Conselho Universitário da USP (leia texto abaixo).

Sessão solene no Palácio: excelência homenageada

 

 

Estudantes lançam manifesto

 

Esta é a íntegra do texto distribuído por representantes estudantis durante a sessão solene do Conselho Universitário da USP, no dia 25 de janeiro, no Palácio dos Bandeirantes, em comemoração aos 70 anos da Universidade. O texto – intitulado Carta Aberta ao Conselho Universitário da USP – é assinado pelo Diretório Central dos Estudantes da USP Alexandre Vannucchi Leme, pela Associação de Pós-Graduandos da USP (Capital) e pela representação discente da Graduação e da Pós-Graduação no Conselho Universitário da USP.

Comemoramos com muito orgulho os 70 anos da fundação da Universidade de São Paulo. Nesses 70 anos a USP consolidou-se como um dos principais centros de ensino e pesquisa da América Latina, tendo formado pesquisadores em todas as áreas do conhecimento, partícipes da construção de vários outros centros de pesquisa e ensino, não só no Estado de São Paulo como no resto do País. Além disso, graças à excelência de sua produção, é responsável direta pelo desenvolvimento econômico e social do Estado de São Paulo e do Brasil. Se, por um lado, a comemoração dessec 70 anos obrigatoriamente traz à baila os méritos da nossa universidade, temos, por outro lado, que nos questionar se, daqui a 70 anos, a USP será lembrada da mesma forma com que hoje lembramos seu passado.

Esta comemoração se dá no bojo de questionamentos e pressões de ordem extra-acadêmica que comprometem todo um patrimônio consolidado ao longo desses 70 anos.

Há décadas os movimentos sociais da área de educação reivindicam a expansão de vagas para o ensino superior público: esta é, inclusive, bandeira histórica do movimento estudantil. Vale lembrar a crise dos excedentes de 1966. Assim sendo, iniciativas de promoção de vagas nas universidades paulistas sempre são bem-vindas, desde que orientadas pelo princípio da manutenção da qualidade.

Embora a implementação do novo campus da USP na zona leste seja uma importante iniciativa nesse sentido, causa-nos preocupação o modo como esse projeto tem sido conduzido. Os cursos propostos tiveram seu mérito contestado no trâmite de sua aprovação. Há dúvidas sobre o financiamento para a manutenção do novo campus, depois de sua implementação, o que pode, nos próximos anos, comprometer o orçamento geral da USP, prejudicando o andamento das atividades-fim da Universidade. Ademais, o projeto arquitetônico não prevê moradia estudantil, inviabilizando a permanência de muitos estudantes menos abastados na Universidade, tal qual ocorre em todos os atuais campi. O direito constitucional à educação não existe sem a garantia das condições de permanência dos estudantes, sobremaneira em uma sociedade em que as desigualdades sociais são enormes. A expansão de vagas realizada no interior, lembre-se, também não considerou essa dimensão, ampliando o número de estudantes sem a contrapartida proporcional em investimentos e infra-estrutura para a assistência.

Autonomia – Motivações externas à Universidade comprometem a idéia-chave de autonomia universitária, garantia da livre produção de conhecimento e tecnologia. Trata-se de a Universidade obedecer à sua própria lógica, funcionando segundo os princípios e os interesses do ensino, da pesquisa e da extensão – e não aqueles políticos, econômicos, religiosos etc., alheios ao espírito universitário. Essa autonomia, pois, é condição fundamental para produção de conhecimento crítico e orientado socialmente. Mencionemos aqui apenas dois exemplos, significativos, de quebra da autonomia: a ingerência das fundações sobre os assuntos da Universidade e os padrões produtivistas impostos pelas agências de fomento à pesquisa. As fundações desvirtuam o caráter público da Universidade por meio da interferência de interesses privados nos rumos da Universidade. As agências, de sua parte, condicionam o financiamento a critérios exclusivamente quantitativos, a despeito das particularidades das diferentes áreas do saber, reduzindo os prazos das bolsas, direcionando externamente as linhas de pesquisa etc.

No que diz respeito à forma de organização da Universidade, a USP destaca-se pela sua estrutura de poder altamente centralizada e tecnocrática, que exclui das decisões amplos setores da comunidade acadêmica – a Universidade não é democrática. Os conselhos têm uma participação limitada dos estudantes e dos funcionários, o reitor é escolhido de forma indireta e indicado pelo governador do Estado, o orçamento é construído de forma bastante centralizada. Essa estrutura se apóia na idéia do mérito, tão cara às cátedras. O movimento estudantil reclama a paridade nos conselhos, como forma de garantir à comunidade universitária o direito de participação equânime nos fóruns decisórios da Universidade, assim como eleições diretas para reitor, uma vez que é pelo conjunto da comunidade universitária que a instituição se mantém.

O caráter público da Universidade, bem como sua qualidade, fundamentais para o desenvolvimento do País e de seus cidadãos, só se efetivará realmente quando a autonomia universitária e o espírito crítico, próprios de sua natureza, se constituírem nas diretrizes fundamentais da Universidade de São Paulo.

Que os próximos 70 anos sejam outros, melhores.

Saudações estudantis.

 

 

 

 

 

 

“Meu pai era 100% ensino público”

Ruy Mesquita (acima) e a
Cidade Universitária: “O Brasil mudou completamente a partir da criação da USP”

O diretor do jornal O Estado de S. Paulo, Ruy Mesquita, é filho de um dos maiores responsáveis pela fundação da USP, há 70 anos: Julio de Mesquita Filho. Diretor daquele jornal entre 1927 e 1969, Mesquita Filho liderou a campanha pela fundação de uma universidade em São Paulo e concebeu a idéia de trazer professores estrangeiros para lecionar na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a “celula mater” da instituição. Ruy Mesquita participou da sessão do Conselho Universitário no Palácio dos Bandeirantes, em 25 de janeiro passado, em comemoração do aniversário da Universidade. Logo após a cerimônia, ele deu a seguinte entrevista ao Jornal da USP.

Jornal da USP – Como o senhor vê os 70 anos da USP?

Ruy Mesquita – Estou muito gratificado com o reconhecimento da participação do meu pai, Julio de Mesquita Filho, e do meu tio, Armando de Salles Oliveira, na fundação da USP. Faço questão de salientar que o que dizem sobre se a criação da USP era ou não uma maneira de São Paulo voltar a ter hegemonia é totalmente secundário. A verdade histórica é que São Paulo já era, na época, o que havia de mais moderno no Brasil.

JUSP – Qual foi exatamente a participação de Julio de Mesquita Filho na criação da USP?

Mesquita – Já em 1926, meu pai escreveu um opúsculo chamado A crise nacional, em que fala que a única maneira de conduzir o Brasil para uma democracia estável, moderna, é criar uma universidade. Ele tinha, naquela época, a idéia que agora virou moda: que a base do crescimento econômico, a base da democracia política é o conhecimento, a competência, a cultura democrática etc. E ele não via condição de fazer isso no Brasil a não ser com a criação de uma universidade capaz de formar os quadros para conduzir uma democracia como devia ser conduzida.

JUSP – De que forma a Revolução de 1932 contribuiu para a fundação da USP?

Mesquita – Como meu pai dizia, a Revolução de 1932 foi uma cobrança contra os defraudadores da Revolução de 1930. Ele sempre teve essa visão. O senhor Getúlio Vargas venceu militarmente a Revolução de 1932, mas perdeu politicamente. São Paulo conseguiu o que queria. Vargas sabia que para governar tinha que pacificar São Paulo, e a única maneira de fazer isso era obter o beneplácito do jornal O Estado de S. Paulo, que, no plano civil, tinha articulado a Revolução de 1932. Por isso ele entregou o governo do Estado ao doutor Armando de Salles Oliveira, que não era político, mas um dos nove acionistas de O Estado de S. Paulo e cunhado do doutor Julio de Mesquita Filho, casado com uma irmã dele.

JUSP – A vinda de professores estrangeiros deve-se também a Julio de Mesquita Filho. Como surgiu essa idéia?

Mesquita – Meu pai dizia que na Faculdade de Filosofia – a base da Universidade, onde se estudava ciência pura –, não havia no Brasil nenhum professor em condições de lecionar. Isso fez com que ele convidasse professores da França, através de um grande amigo dele, Georges Dumas, professor da Sorbonne, que selecionou os primeiros docentes da USP. Julio de Mesquita Filho conhecia alguns dos principais homens da Universidade de Paris daquela época porque tinha formação francesa. Ele fez o curso superior no Brasil, mas cursou o primário em Portugal e o secundário, em Genebra, na Suíça.

JUSP – O senhor conheceu esses primeiros docentes da USP?

Mesquita – Claro. Eu tinha 14 anos quando a Universidade foi fundada. Eles freqüentavam a casa de meu pai, principalmente o Fernand Braudel, o Roger Bastide, o Arbusse Bastide, que não era parente do Roger, o Pierre Monbeig e o Paul Maugüe, que era o galã das meninas paulistas que ele ensinava. Depois eu fui encarregado pelo meu pai de, em Paris, fazer contato com Martial Guérroult – especialista em Kant – para convidá-lo a dar aulas na USP. Fui até aluno dele na Faculdade de Filosofia.

JUSP – Quais suas impressões sobre Armando de Salles Oliveira?

Mesquita – Armando de Salles Oliveira não era político. Era um engenheiro, um self-made man. Era de uma família boa mas pobre, e trabalhou para pagar os estudos. Foi um vencedor na carreira de engenheiro. Era rico, estava muito sossegado, nunca tinha se metido em política até o momento em que Vargas o nomeou para o governo do Estado. Aí ele se apaixonou pela política e cometeu o erro trágico de se candidatar à Presidência da República. Meu pai disse para ele: “Armando, você está cometendo uma loucura. O Getúlio Vargas jamais fará eleições. Você devia estar comprando armas para reagir a ele quando ele tentar dar o golpe”. Mas ele foi candidato e fez campanha para a eleição que seria em 1938.

JUSP – Eleição que não aconteceu por causa do golpe de 1937.

Mesquita – É. No diário de Getúlio Vargas, que é um monumento à mediocridade – são dois volumes de 1.500 páginas que não têm absolutamente nada que se aproveite –, você lê um registro de abril de 1937, em que ele escreve: “Hoje recebi Chico Campos, que veio me trazer o projeto da nova Constituição”. Quer dizer, em abril ele já estava planejando o golpe que daria em novembro. As primeiras pessoas presas foram Julio de Mesquita Filho e Armando de Salles Oliveira. Nesse período meu pai foi preso 17 vezes. Em maio de 1935 houve o atentado integralista ao Palácio da Guanabara. O tenente Severo Fournier entrou lá para matar Vargas, mas foi preso. Vargas então prendeu de novo meu pai, que não tinha nada a ver com isso. Ele nunca foi integralista.

JUSP – Como os professores estrangeiros viam os alunos da USP?

Mesquita – Eles tinham o maior respeito pelos alunos. Basta ver o nível das primeiras gerações que saíram da Universidade. Na Física, por exemplo, tivemos Marcelo Damy e Mário Schenberg. Nas humanidades, Antonio Candido. Era gente de primeiro time. É por isso que eu sempre digo: o Brasil moderno é o Brasil depois da USP. Foi a USP que permitiu que se criassem todas as universidades estatais posteriores, que são todas de bom nível. E o Brasil mudou. Criou os quadros que meu pai dizia que era preciso ser criados. Hoje você vê que o PT, por exemplo, tem gente de altíssimo nível. Um Palocci (Antonio Palocci, ministro da Fazenda), formado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, esse Dirceu (José Dirceu, chefe da Casa Civil) mesmo, que é um sujeito de alto nível, e vários outros. A fisionomia do Brasil mudou completamente a partir da criação da USP.

JUSP – A USP ficou além ou aquém do sonho do seu pai?

Mesquita – Os números provam que a USP é uma das melhores universidades do mundo, com uma vida tão curta. É preciso lembrar que a Universidade de Paris foi criada no fim do século 12. A França só virou um país politicamente sério em 1958, quando o general Charles De Gaulle proclamou a Quinta República e acabou com aquela palhaçada que era a democracia francesa, que de 1945 a 1958 teve mais do que 13 governos, que foi o número de anos decorridos. A Europa mesmo só se civilizou politicamente depois da Segunda Guerra Mundial. Antes foi aquela tragédia, que deu em nazismo, fascismo, comunismo e outros bichos, além de duas guerras mundiais. É por isso que eu tenho uma fé enorme no Brasil: o Brasil ainda é um país adolescente.

JUSP – Como o diretor de O Estado de S. Paulo vê a questão do financiamento da universidade pública?

Mesquita – Não posso entrar nos detalhes porque não conheço, mas é evidente que seria uma loucura, um suicídio fazer qualquer coisa no regime de financiamento das universidades que provocasse a diminuição do nível de estudos e de pesquisa, que ainda é muito baixo diante do ideal. Tem esse estudo que o Palocci fez dizendo que as universidades custam caro demais. Uma universidade não tem preço. Ela realmente custa caro. Mas o que fazer em vez disso? Dizem que o dinheiro destinado ao ensino superior deveria ir para os cursos primários e secundários. Mas não é o governo federal que tem que dar recursos para os cursos primário e secundário. São os governos estaduais e municipais.

JUSP – Então o senhor defende o atual sistema de financiamento?

Mesquita – Claro. Essa foi a idéia do meu pai. Aliás, no tempo que ele era menino o melhor ginásio de São Paulo era do Estado. Os irmãos dele estudaram no ginásio do Estado. Ele não, porque foi para a Europa. O doutor Julio de Mesquita Filho era 100% ensino público, ao contrário do que dizem os que nos chamam de oligarcas.

 

ROBERTO C. G. CASTRO

 




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