Financiamento
e a autonomia das universidades. Essa foi a temática central
das apresentações feitas pelos reitores da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), José Carlos Trindade, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Carlos Henrique de Brito Cruz, e
da Universidade de São Paulo (USP), Adolpho José Melfi,
durante a 7ª edição do MEC Debate, ciclo de discussões
mensais promovido pelo Ministério da Educação
e que marcou a inauguração de uma série de
debates que acontecerão em todo o país sobre a reforma
universitária.
Com
o tema “Autonomia: 15 anos depois”, o MEC Debate reuniu
na última quarta feira, dia 28, os reitores da USP, Unesp
e Unicamp. O debate que aconteceu no auditório principal
do MEC, em Brasília, e contou com a participação
do novo ministro da Educação, Tarso Genro, do secretário
de Educação Superior, Carlos Roberto Antunes dos Santos,
e a mediação da presidente da Associação
Nacional das Instituções Federais de Ensino Superior
(Andifes) e reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Wrana Maria Panizzi, além de uma platéia de reitores,
deputados, professores e funcionários do MEC.
A idéia
do MEC é promover a discussão, como afirmou simbolicamente
o secretário Carlos Antunes, ao afirmar que estava aberta
a “Constituinte” da reforma universitária, referindo-se
ao chamado feito pelo ministro Tarso Genro ao assumir o cargo. A
proposta é trazer ao debate reitores, professores, pesquisadores
e estudantes para refletir sobre questões como autonomia,
democracia, controle social das instituições privadas,
articulação ensino-pesquisa, financiamento público
das instituições estatais, condições
de trabalho dos trabalhadores da educação, assistência
estudantil, entre tantos outros assuntos.
Contradição
– O ministro Tarso Genro nem bem assumiu o cargo e já
iniciou os debates sobre a reforma da universidade brasileira, pois
afirma que essa é “uma das preocupações
do presidente”. “A questão da universidade pública,
como elemento vetor da reforma universitária, proporcionará
um debate extraordinariamente importante para o futuro do nosso
País”, afirmou o ministro, que diz não ser a
favor do pagamento de mensalidades nas universidades publicas. “É
uma contradição pagar o que é publico, o que
o governo está fazendo é abrindo espaço para
discutir o financiamento da universidade no contexto de um país
absolutamente desigual. Existe
uma enorme diferenciação social que, em última
análise, compõe esse quase apartheid social em que
vive o País”, disse Genro. “O que pretendemos
é encontrar soluções de uma maior inclusão
sem privatizar, sem degradar o ensino, o correto não é
baixar o nível da universidade em uma acessibilidade populista,
um estilo desqualificado, mas, ao contrário, é qualificar
a universidade e colocá-la na vanguarda cultural e científica,
na vanguarda política. Para isso a autonomia é fundamental.”
“O
compromisso deste governo é com a manutenção
da universidade pública e gratuita”, disse o secretário
Carlos Roberto Antunes, ao esclarecer que o 7º MEC Debate iria se
concentrar nas experiências de autonomia das universidades
estaduais paulistas – Unesp, Unicamp e USP –, que vigora
há 15 anos.
A presidente
da Andifes, Wrana Panizzi, disse que o tema Autonomia Universitária
desperta interesse de estudantes, reitores, professores, servidores,
sindicatos e da sociedade civil. A Andifes, explicou, começou
a construir, em 1996, uma lei orgânica para a universidade
que tem a autonomia como centro do sistema público federal.
Afirmou, também, que a Andifes estará presente na
construção da reforma universitária.
O reitor
Melfi da USP iniciou sua fala situando que a conquista da autonomia
universitária, estabelecida pelo decreto 29.598 de 2 de fevereiro
de 1989, foi de importância fundamental para a apresentação
de indicadores positivos das Universidades Públicas Paulistas
nos dias de hoje. “O decreto está completando 15 anos.
Desde então, houve aumento no número de cursos de
graduação e pós-graduação, ampliação
de vagas”. Em 2002, a USP tinha 72.867 alunos matriculados:
42.554 em cursos de graduação e 30.313 de pós-graduação.
Melfi
avaliou que esse modelo permitiu às instituições
uma racionalidade na aplicação de recursos, possibilitando
maior responsabilidade, planejamento e programação
de atividades em longo prazo.
O decreto
29.598, entre outras coisas, determinou que o orçamento dessas
Universidades corresponderia a um percentual fixo da arrecadação
do ICMS do Estado de São Paulo. Fixou para o orçamento
das três Universidades Públicas Paulistas o percentual,
inicialmente de 8,4% em 88, elevando para 9,57%, em 96; sendo a
divisão interna desse percentual feita no âmbito do
Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas).
Ao contrário do que acontece com as instituições
de ensino superior dependentes dos estados ou da União –
que são obrigadas a gastar os recursos no mesmo ano sob pena
de devolvê-los ao Tesouro no fim do exercício –,
o recurso pode ser acumulado e usado no ano seguinte. “Um
dos pontos positivos é a possibilidade de utilização
de recursos do orçamento do ano anterior. Com a autonomia,
as sobras orçamentárias permanecem na universidade”,
disse Melfi.
Embora
considere extremamente importantes as experiências das instituições
paulistas, Melfi afirmou que o modelo também tem defeitos.
Em sua opinião, os problemas no orçamento são
causados pelo envelhecimento do quadro docente. Note-se ainda que
os percentuais de comprometimento da folha de pagamento com aposentados,
na USP, evoluíram de 17,9%, em 89, para 22,9% em 2002. O
reitor citou, ainda, como pontos negativos, as despesas com a manutenção
dos quatro hospitais e o pagamento de precatórios. A
universidade gasta 54,20% do orçamento com pagamento de pessoal
da ativa, 22,90% com inativos, 9% com hospitais, anexos e pessoal
e 13,60% em custeio e investimentos.
Eficiência
– A Universidade Estadual Paulista (Unesp) também cresceu
com a autonomia de gestão, afirmou o reitor Trindade. O número
de alunos na graduação passou de 17.676 para 27.037.
O número de campus também cresceu, chegando a estar
em 23 cidades paulistas. Trindade defendeu, como um dos pontos positivos
da autonomia, a possibilidade de reitores e professores tomarem
consciência do valor do dinheiro público. Segundo ele,
a experiência de autonomia trouxe maior eficiência e
racionalização do uso de recursos. “O orçamento
anual é debatido intensamente no Conselho Universitário,
e permite uma maior flexibilidade no emprego dos recursos.”
Por
outro lado, Trindade criticou o fato do decreto desconsiderar a
existência de despesas que a rigor deveriam permanecer como
responsabilidade do governo do Estado, ao se referir às altas
despesas com aposentadoria (em 2002 R$ 200 milhões, do total
de R$ 700 milhões do orçamento da instituição).
Para resolver essa questão, o reitor propõe que o
custo das aposentadorias seja do Governo de São Paulo.
Brito
Cruz, reitor da Unicamp, lembrou que, antes do decreto, a autonomia
tem como pilar a Constituição Federal, que em seu
artigo 207 garante às universidades gozarem de autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial.
Ao
apresentar os pontos positivos da autonomia, Brito Cruz apontou
para a qualidade da produção cientifica dos docentes
e mostrou que a Unicamp tem 1.700 professores, dos quais 95% são
doutores. “A autonomia fez com que a Unicamp promovesse um
estímulo à titulação em doutorado, a
fixação de prazos para a conclusão de teses
e a obrigatoriedade de apresentação de relatórios
trienais por todos os professores”. O
reitor ainda apontou que a liberdade na gestão de recursos
humanos é outro grande ganho da autonomia, pois a universidade
tem a possibilidade de contratar professores substitutos, promover
a carreira e o treinamento de pessoal, autorizar professores para
atuarem como consultores sem ter que burocratizar o caminho.Ao final
de sua exposição, o reitor disse que São Paulo
é um dos poucos estados que não tem uma grande universidade
federal.
A principal
característica dos debates ocorridos entre os reitores e
a platéia foi a necessidade de se pensar em propostas que
ampliem a autonomia das universidades federais – inclusive
na gestão e captação de recursos – e
que combata as teses privatistas de taxar estudantes ou terceirizar
a gestão dos cursos. A idéia é se ter mais
verbas de custeio, mais professores, expandir o número de
vagas, mantendo o atual nível de qualidade e obter novas
fontes de recursos para as instituições. Concluiu-se
que entre os principais itens a serem discutidos na reforma universitária
está a autonomia financeira e administrativa e os possíveis
caminhos para o melhor financiamento das instituições.
“Não se faz autonomia sem autonomia financeira”,
declarou a deputada federal Mariângela de Araújo Gama
Duarte (PT-SP), que acredita ser de fundamental importância
a vinculação de receitas (União e Estados)
e queixa-se ao falar da falta de repasse de recursos da União
para São Paulo. “É preciso considerar as universidades
paulistas como brasileiras.”
Ao
final do debate, os três reitores interaram que a isonomia
estabelecida nesse decreto deve ser aperfeiçoada, corrigindo-se
distorções existentes. O ministro Tarso Genro avaliou
que as interlocuções foram ricas, sérias, objetivas
e que das experiências paulistas serão tiradas conclusões
que ajudarão o governo e a sociedade no processo de reforma
da universidade que está começando.
|