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Mudanças no currículo vão melhorar
muito a universidade,
diz Candotti

Colocar em primeiro plano a urgência de financiamento do ensino público superior é uma medida de bom senso, afirma o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ênnio Candotti, pois disso depende o próprio funcionamento das instituições. Mas não é tudo. “A universidade não pode ser pensada apenas em termos de administração e recursos. Antes de qualquer coisa, ela forma pessoas através de múltiplos canais e talvez estes devessem receber atenção prioritária”, diz Candotti. “Não encontrei no documento do governo uma menção à reforma dos currículos, por exemplo”, acrescenta, referindo-se ao relatório sobre a reforma universitária produzido por um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) do governo federal (divulgado pelo Jornal da USP na edição 673, de 2 a 8 de fevereiro passado).

Segundo o professor, o modelo de grade curricular tradicional, que cobra nos exames o conteúdo ensinado nas aulas, precisa ser repensado. As avaliações deveriam se basear no desempenho geral do aluno e na quantidade de horas que ele dedica ao estudo. “Nossas grades são baseadas num sistema que prevê um acúmulo de horas presenciais com professores e alunos, em detrimento das horas de estudos individuais. No Brasil, cursos como engenharia têm quase o dobro do número de créditos em relação a outros países, onde a cobrança quanto às horas de estudo é muito maior. Mudar isso poderia transformar o formato da nossa universidade. Haveria muito mais tempo livre para a utilização de bibliotecas, sistemas de informação eletrônicos e laboratórios”, propõe.

Para Candotti, ainda é cedo para aumentar substancialmente o ensino a distância como forma de democratizar a educação superior no País, conforme prevê o relatório do GTI. Esse documento propõe a criação, ainda neste ano, do Instituto Darcy Ribeiro de Educação a Distância, que oferecerá apoio ao desenvolvimento de redes desse tipo de ensino. “Acredito que antes temos de passar por uma fase intermediária, ou seja, de ensino presencial e a distância conjugados. Daríamos às aulas presenciais uma dimensão a distância. Os alunos utilizariam as tecnologias desse ensino e os materiais pedagógicos iriam sendo produzidos. Aos poucos iria se permitindo uma distância maior.”

Ainda sobre o relatório do GTI, o presidente da SBPC destaca o perigo das generalizações a que documentos amplos estão sujeitos. Por isso, chama a atenção para a necessidade de que cada região do País tenha seu próprio diagnóstico do ensino superior. “Estudar as deficiências regionais caso a caso é uma necessidade. As dificuldades são muito diferentes e as diversidades regionais, muito grandes. Não se deve generalizar a resolução do problema”, afirma.

A fixação de jovens cientistas ou grupos de pesquisas no Amapá, Acre ou Mato Grosso se dá através de um processo muito diferente da fixação no Pará ou Rio Grande do Norte, lembra Candotti. Os fomentos para essa fixação devem ser estudados de acordo com as necessidades e realidades locais, com a participação de fontes de financiamento e dos Estados nesse esforço. O relatório do governo prevê a criação de bolsas de aproveitamento e regionalização de doutores, a fim de aproveitar habilidades de jovens cientistas e promover o desenvolvimento do ensino superior em regiões carentes em determinadas áreas do conhecimento. Mas essa estratégia não é suficiente, alerta Candotti. “Mandar duas ou três pessoas para o Amapá, por exemplo, é destruir as carreiras desses jovens e não resolver o problema do Amapá”, destaca o presidente da SBPC. “É preciso mandar 20, 30 pessoas numa determinada área, com uma infra-estrutura que permita a essas pessoas trabalhar, se instalar, sobreviver às dificuldades locais e aos poucos se constituir como pesquisadores e formadores de quadros. Aí, sim, o programa poderá dar bons frutos.”

A autonomia das universidades federais, outro ponto destacado no documento, não deve mais ser postergada, recomenda Candotti. “Não é possível tratar certas questões sem antes definir a situação jurídica das universidades no contexto da administração pública. Mas precisamos observar que só autonomia não é suficiente. A USP e as outras universidades estaduais paulistas, por exemplo, têm autonomia há mais de dez anos e nem por isso conseguiram harmonizar os financiamentos vindos através das fundações com as diretrizes de gestão coordenadas pelas reitorias.”

Candotti: repensar currículos

A fim de resolver esse impasse, diz Candotti, é preciso discutir mais a fundo as formas de gestão universitária, além de definir claramente prioridades e a própria função social da universidade. “Não acho incompatível o financiamento privado com o caráter público da universidade. No entanto, é preciso obedecer a um princípio fundamental: os resultados desse financiamento são obtidos em instituições públicas e por isso devem responder ao interesse público, antes de tudo. Em determinados casos, poderá responder a interesses privados, mas isso deverá ser muito bem definido.”

Revolução pedagógica – O professor da Faculdade de Educação da USP Antônio Joaquim Severino vê com simpatia a diminuição da carga horária de aulas presenciais, como propõe Candotti. “Temos uma inadequada compreensão do processo ensino-aprendizagem. A pedagogia do ensino superior tem que ser mais construtiva. O estar sentado ouvindo uma exposição é uma forma muito passiva de aprender. Precisamos procurar novos formatos e criar condições para o aluno estudar”, diz Severino. “O acompanhamento e a avaliação do aluno não sairiam prejudicados porque isso seria feito através do desempenho dos trabalhos de campo ou escritos, nas atividades em bibliotecas e laboratórios. Não se trata de liberá-lo da freqüência. Para quebrarmos vícios e falhas, precisamos promover uma revolução pedagógica na universidade.”

Para o professor da Faculdade de Educação, a grade curricular de qualquer curso, em qualquer nível, representa apenas mais um instrumento de formação profissional e cidadã do estudante. Nesse sentido, para Severino, o currículo deve conter estruturalmente quatro grandes núcleos, que sustentem essa formação desejada: o de formação científica, voltado à formação do jovem pesquisador; o de habilidades tecnológicas, que visa à formação profissional em cada campo do saber; o de formação sócio-histórica e política, que promoverá a capacidade de o cidadão analisar criticamente sua sociedade; e o filosófico, que foca as discussões de valores, ética e estética para todas as áreas. Mas essa estruturação curricular nem sempre acontece, diz Severino. “Geralmente os currículos são feitos de modo muito esquemático e técnico”, diz.

 

 

 

 

 

Nota de esclarecimento

No dia 10 de fevereiro passado, terça-feira, a Reitoria da USP e a diretoria do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP divulgaram o texto a seguir.

Nas últimas semanas, a imprensa noticiou um conjunto de sugestões para a reforma do sistema universitário federal. Entre elas figuraram as propostas elaboradas por um grupo de cerca de 20 docentes da USP vinculados ao autodenominado Fórum de Políticas Públicas, associação informal criada
em dezembro de 2002.

É dever da Reitoria da USP e da direção do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP esclarecer à comunidade interna que as propostas apresentadas por esse grupo não representam a opinião da Universidade e do IEA como instituições. O esclarecimento se faz necessário diante da interpretação errônea feita por muitos, que associaram
de forma indevida a manifestação de um grupo a um posicionamento da USP sobre o tema.

Atendendo à solicitação feita pelos coordenadores do Fórum no primeiro semestre de 2003, o IEA passou a apoiá-lo do ponto de vista operacional (infra-estrutura para reuniões de trabalho e eventos públicos). Nada mais natural e democrático que uma unidade colabore com iniciativas dos docentes da Universidade. Todavia, esse apoio operacional não se traduz necessariamente em compartilhamento e muito menos em endosso institucional – por parte desta Reitoria, do Conselho Deliberativo do IEA ou de sua diretoria – das análises
e propostas dos integrantes do Fórum.

Mais do que salutar, é esperado que as diversas correntes de pensamento da USP manifestem suas opiniões sobre os mais diferentes aspectos da vida brasileira, para que a Universidade continue a cumprir seu papel crítico e de formulação de alternativas para o desenvolvimento do País em todos os aspectos. É crucial, porém, que a sociedade possa identificar as manifestações de um grupo sem interpretá-las como uma posição da USP, pois essa interpretação seria descabida, dada a própria natureza de qualquer instituição universitária: a pluralidade de pensamento.

Reitoria da Universidade de São Paulo (USP)
Diretoria do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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