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Temos propostas prontas para oferecer ao governo na área da ciência e tecnologia. Só espero que elas não caiam no vazio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A chamada Lei de Inovação – há dois anos em tramitação no Congresso Nacional – precisa ser aprovada o mais rápido possível, a fim de favorecer o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil, afirma o pró-reitor de Pesquisa da USP, professor Luiz Nunes de Oliveira, nesta entrevista ao Jornal da USP. Segundo ele, é preciso que a lei dê aos pesquisadores a liberdade de se relacionar com as empresas, além de preservar os recursos dos fundos setoriais destinados à pesquisa. “A criação dos fundos setoriais foi a grande novidade do financiamento da pesquisa nos últimos 20 anos”, afirma Oliveira. “Está na mão do governo fazer com que eles sejam um grande marco e não mais uma bolha localizada que acabará por desaparecer.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Oliveira: problemas e soluções

Jornal da USP – Como o senhor vê a atuação do governo federal na área da pesquisa?

Luiz Nunes de Oliveira – Há algumas coisas positivas. Há algumas semanas, o ministro Antônio Palocci publicou um artigo no jornal O Estado de S. Paulo. Pela primeira vez vi um ministro da Fazenda chamando a atenção da sociedade para a importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento do País. No artigo, Palocci explicou a proposta do governo de criação de um plano de política industrial. Escondida ali, encontra-se a notícia de que os fundos setoriais vão ser parte importante dessa iniciativa. Numa interpretação benigna, podemos dizer que talvez o Ministério da Fazenda esteja guardando recursos para usá-los de uma forma planejada na implementação desse plano. Esse é um aspecto positivo.

JUSP – E as coisas negativas?

Oliveira – Do lado negativo, temos uma outra iniciativa do governo, que foi a criação de uma medida provisória para alterar a Lei 9991/01. Essa lei previa que as empresas de geração e transmissão de energia elétrica reservassem algo em torno de 0,5% do seu faturamento líquido para pesquisas que aprimorassem o sistema elétrico do País. Além da reserva de recursos, a lei obrigava as empresas a formularem propostas adequadas ao seu percentual de recolhimento, submetendo-as posteriormente à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). No caso de reprovaçào, o dinheiro ficava para um pool e podia ser aproveitado em projetos de outras empresas. Ou seja, a Aneel estabeleceu mecanismos de competição e qualidade para os projetos.

JUSP – Foi por isso que, nos últimos anos, empresas do setor desenvolveram projetos em parceria com a Universidade?

Oliveira – Exatamente. As empresas, percebendo isso, começaram a procurar as universidades e os institutos de pesquisas para poder desenvolver boas iniciativas. E isso não aconteceu só com a USP. Hoje, algumas universidades possuem centros de pesquisa elétrica notáveis, justamente por causa da entrada desses recursos. Era um arranjo bom, porque ajudava as universidades a se equipar e se desenvolver. Mas veio essa medida provisória e tirou metade dos recursos, que passaram para 0,25% em média, o que é ruim, apesar de ter sido preservado o julgamento da Aneel. O passo do governo foi no sentido errado. É preciso, ao contrário, aumentar os recursos ou colocar em discussão a lei, com a possibilidade de ampliar seu alcance para as empresas que exploram e distribuem água, por exemplo.

JUSP – Quais outras medidas do governo têm afetado a área da pesquisa?

Oliveira – Uma questão que está me preocupando muito é a Lei de Inovação, que está parada no Congresso há mais de dois anos. Ela foi proposta no governo anterior e temos notícias de que a Presidência da República está interessada em reativá-la. Trata-se de um passo fundamental para remover certos obstáculos que atrapalham muito o desenvolvimento da pesquisa brasileira.

"A Lei de Inovação é
um passo fundamental para remover os obstáculos que atrapalham o desenvolvimento da pesquisa brasileira"

JUSP – Que obstáculos são esses?

Oliveira – O que atrapalha muito, na atual legislação, é o impedimento de que um docente que queira criar uma empresa de base tecnológica tenha relações comerciais com as universidades. Se pensarmos na legislação para o funcionalismo público de uma maneira geral, essa restrição é sensata. Não podemos querer que qualquer servidor público monte uma empresa e depois faça negócios com o governo, pois isso dá margem a conflito de interesses. No caso de empresas formadas por pesquisadores, embora esses conflitos possam existir, é importante resolvê-los ou policiá-los por meio de legislação específica, com mecanismos de fiscalização e controle. Bloquear esse tipo de iniciativa é muito pior do que conviver com os conflitos, porque, em muitos países, esse é um dos principais mecanismos de desenvolvimento do setor tecnológico.

JUSP – Há casos de professores que se aposentam precocemente para poder montar empresas tecnológicas?

Oliveira – Sim. A atual legislação estimula alguns docentes a fazer isso, o que infla a folha de pagamento de aposentadorias. Além de estimular a inovação, a lei precisa permitir que os docentes estabeleçam convênios e criar os controles necessários. Outro componente importante do projeto de lei parado no Congresso é o que permite que as universidades licenciem patentes de forma mais simplificada, sem a necessidade de passar pelas etapas previstas pela lei 8.666, que regulamenta os processos e tem travado o licenciamento de patentes.

JUSP – O que mais diz o projeto de lei?

Oliveira – A Lei de Inovação também tem como proposta que parte dos recursos dos fundos setoriais seja encaminhada para as empresas, para que elas possam contratar pesquisas ou pesquisadores, mantendo seus próprios laboratórios ou estabelecendo parcerias com universidades e institutos de pesquisa. Trata-se, de uma maneira geral, de uma medida saudável. Nossa preocupação é preservar o Fundo de Infra-Estrutura, o CT-Infra. Esse fundo é destinado ao financiamento de projetos de grande porte das universidades de pesquisa. Por outro lado, ele é quase que a única forma de os recursos dos fundos setoriais chegarem aos pesquisadores de ciência básica. Se fecharmos a porta do CT-Infra, esses pesquisadores acabarão não tendo acesso aos recursos dos fundos. Os fundos setoriais tendem a ser a principal fonte de recursos no futuro, e a manutenção de uma pesquisa básica forte é fundamental para viabilizar os avanços da pesquisa de ponta.

JUSP – O senhor acredita que o projeto de lei precisa ser revisto?

Oliveira – A proposta que deve ir para o Congresso é bem enxuta em relação à proposta original, que era bem detalhada e acabou ficando parada. A nova versão contém apenas tópicos gerais e deixa a regulamentação da lei para o Poder Executivo, no futuro. Poderíamos ser otimistas e esperar que o Executivo elimine as deficiências da lei, mas é arriscado ficarmos parados, esperando que tudo dê certo. É melhor garantir que a correção desse problema ocorra antes da votação no Congresso. Que o Fundo de Infra-Estrutura seja poupado, garantindo esses recursos e aumentando o suporte institucional para a pesquisa básica.

JUSP – Segundo relatório de uma comissão do Comitê Nacional de Ciência e Tecnologia, a retenção de recursos pode ameaçar a meta do governo federal de dedicar 2% do PIB para a área até 2007. Como o senhor vê isso? Há urgência na liberação desses recursos?

Oliveira – Existe uma urgência que aparece muito claramente se olharmos sob o ponto de vista da infra-estrutura. A receita que a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), por exemplo, deveria ter tido do CT-Infra, no ano passado, era de R$ 250 milhões. Entretanto, ela recebeu só R$ 120 milhões, dinheiro que já estava comprometido com dívidas. Em 2002 quase nada chegou para o órgão, que, no entanto, liberou editais de convocação para a elaboração de projetos de pesquisa. Como resultado disso, a Finep ficou com um débito de R$ 250 milhões, dos recursos do CT-Infra que acabaram não chegando. Para este ano, a situação permanece a mesma, porque apenas a metade dos recursos do fundo vai ser liberada, o que significa que a Finep novamente terá dinheiro apenas para pagar os débitos anteriores. Isso é muito ruim para um órgão criado para investir em pesquisa.

JUSP – O senhor acredita que os recursos serão liberados neste ano?

Oliveira – Espero que sim. Se o governo, especialmente o Ministério da Fazenda, tiver visão dos problemas do País – e parece ter, como mostra o artigo a que me referi –, acredito que vai haver, neste ano, um esforço nesse sentido.

JUSP – Qual é exatamente a importância dos fundos setoriais para a pesquisa no Brasil?

Oliveira – A criação dos fundos setoriais foi a grande novidade do financiamento da pesquisa nos últimos 20 anos. Está na mão do governo fazer com que eles sejam um grande marco e não mais uma bolha localizada que acabará por desaparecer. Isso porque os fundos não são só uma maneira de trazer recursos. Eles estão ligados a faturamentos de empresas. Ou seja, se o faturamento, se a economia do País cresce, os recursos para a pesquisa crescem junto, em um círculo virtuoso em que mais conhecimento gera mais crescimento econômico. Esse fato é ainda mais positivo se pensarmos no crescimento do sistema de ensino e pesquisa do Brasil nas últimas décadas, muito superior ao do PIB, que foi medíocre nos últimos anos. Isso significa que conseguimos evoluir apesar de não termos contado com todos os recursos necessários. Crescemos a uma média de 15% ao ano. E esse número se mantém há décadas.

JUSP – Esse fenômeno se deve também ao esforço próprio dos pesquisadores?

Oliveira – Sim, apesar das dificuldades. Isso mostra que estamos em um círculo virtuoso muito robusto, em que as pessoas otimizam os recursos escassos e procuram alternativas, como as parcerias. Entretanto, existe um limite para esse crescimento. Se nada for feito, em algum momento vamos parar de crescer. O pior é que os efeitos dessa estagnação são prolongados e o sistema demora décadas para se recuperar.

JUSP – Já faz um bom tempo que o sistema de pesquisa sofre com a falta de recursos. Essa estagnação não poderia já ter ocorrido?

Oliveira – A parada no crescimento ainda não ocorreu porque o sistema teve sorte em certos momentos. No meio da década de 90, por exemplo, o governo federal começou a faltar com recursos, mas a Fapesp deu um salto adiante no financiamento. Isso ocorreu porque a alíquota da Fapesp, que antes era de 0,5% do ICMS do Estado, passou para 1%. Além disso, a diminuição da inflação e os juros altos permitiram o aumento dos recursos. Ao mesmo tempo, os órgãos federais foram se retirando de São Paulo. Essa é uma situação perversa, pois o funcionamento do sistema de pesquisa depende de uma série de alimentações positivas. Ele não precisa só de fomento, mas de uma distribuição de recursos que tenha credibilidade. Medidas que vão no sentido oposto corroem o sistema, ameaçando a existência desse círculo virtuoso.

"Os fundos setoriais tendem a ser a principal fonte de recursos no futuro, e a manutenção de uma pesquisa básica forte é fundamental para viabilizar os avanços da pesquisa de ponta"

JUSP – Quais as perspectivas para o sistema paulista de pesquisa?

Oliveira – Anos atrás, a Fapesp vivia um regime em que havia mais recursos para pesquisa do que demanda. O sistema cresceu e hoje temos o regime inverso, em que há mais demanda do que recursos. Isso gera a necessidade de readaptação do sistema. Com certeza vai ser mais difícil para o pesquisador obter recursos, mas isso é inevitável. Provavelmente surgirão algumas turbulências, mas o sistema voltará à estabilidade. A Fapesp sozinha não consegue dar conta da demanda de pesquisa de São Paulo. O Estado é responsável por 50% da produção científica e tecnológica nacional e, evidentemente, precisa de 50% dos recursos para funcionar. Mas ele não tem recebido, de maneira nenhuma, essa parcela do governo federal. Muito pelo contrário. A fatia composta pelos recursos federais foi diminuindo ao longo dos anos.

JUSP – Qual é a parcela de recursos federais que o sistema paulista de pesquisa recebe atualmente?

Oliveira – A Finep e o CNPq deram para o Estado de São Paulo, no ano passado, R$ 51,2 milhões, extraídos de R$ 393 milhões oriundos dos fundos setoriais, o que significa que São Paulo recebeu cerca de 13%, muito pouco em face da nossa produção. Se somarmos a isso pouco mais de R$ 10 milhões de auxílios vindos do orçamento do CNPq, não-vinculados aos fundos, retirados de um total de R$ 100 milhões, a proporção permanece a mesma, algo em torno de 13% ou 14%. Na Capes ocorre o mesmo, pois chegam recursos para a pós-graduação que são menores que os números anteriores, mas preservam a mesma média proporcional.

JUSP – São recursos muito aquém das necessidades do Estado.

Oliveira – Esse é outro problema que o governo federal precisa equacionar rapidamente, porque a Fapesp não tem mais condições de permanecer nessa luta de maneira tão desequilibrada. O orçamento da fundação não tem perspectivas de crescer na atual conjuntura, visto que o próprio governo do Estado acompanha essa voracidade do governo federal nos impostos. Isso vai fazer com que os recursos provenientes de impostos que chegam aos Estados fiquem cada vez menores, porque, num sistema altamente taxativo, muitas empresas e pessoas acabam sonegando. O governo federal vai sempre aumentar sua arrecadação, enquanto os Estados não têm tal possibilidade, levando o sistema a uma dependência cada vez maior do fomento federal. Daí a grande esperança que depositamos nos fundos setoriais, por causa dessa relação que eles têm com o setor produtivo: se a economia cresce, esses recursos também aumentam.

JUSP – O senhor está dizendo, portanto, que não se trata de uma simples arrecadação de impostos, pois o setor produtivo é um dos grandes beneficiários dos fundos, assim como as universidades e os institutos de pesquisa.

Oliveira – Exatamente. As empresas estão interessadas no funcionamento dos fundos, porque perceberam que o investimento em ciência e tecnologia é algo muito sério. Por isso, muitas delas se manifestaram contra a retenção, pois elas pagaram e não estão vendo resultado. Empresas nacionais e multinacionais começaram a formar seus próprios centros de pesquisa a partir da sinalização positiva criada pelos fundos setoriais. Tais fundos formam um conceito, uma instituição que precisa ser bem cuidada e preservada, em razão da sua juventude. Além disso, o governo também precisa ficar atento a eventuais necessidades de mudança.

JUSP – O aumento e a concentração da arrecadação no plano federal podem ser prejudiciais para o sistema de pesquisa brasileiro?

Oliveira – Isso é um problema complicado para a economia. As pessoas, no Brasil, têm a sensação de que o País é uma equação entre a taxa de juros e a inflação. Juros altos, inflação baixa e pouca produção, em contraposição a juros baixos, aumento da inflação e da produtividade. Podemos imaginar que talvez haja um ponto certinho da taxa de juros que manteria o País numa situação de crescimento acelerado sem inflação. Entretanto, isso depende de outras circunstâncias, em particular da capacidade de o País produzir bens de maneira eficiente. Se não fizermos assim, com o tempo outros países o farão melhor e não teremos espaço nem no mercado externo nem no interno. Minha impressão é que não estamos nesse caminho. Para sair dessa situação, necessitamos ter capacidade de inovar, produzindo novas idéias, novos processos e produtos. E, para isso, precisamos de tecnologia e de mecanismos que permitam que as iniciativas surjam e cresçam sozinhas.

JUSP – O senhor acredita que isso será feito nos próximos anos?

Oliveira – Como disse antes, há coisas positivas. Claro que o País passa por dificuldades econômicas, mas, para sairmos disso, precisamos definir qual é a prioridade. O governo não pode dividir os problemas com toda a população. É ele quem precisa achar a solução. No artigo publicado em O Estado de S. Paulo, que citei antes, o ministro Palocci disse que está esperando propostas do sistema de pesquisa. O sistema tem propostas prontas para ser levadas ao Ministério. Mas, em primeiro lugar, precisamos ter um canal de comunicação, que não está muito bem definido no momento, e, em segundo lugar, precisamos ter certeza de que, após apresentar as propostas, elas serão aceitas ou rebatidas a partir de uma argumentação razoável. Esperamos que não aconteça a situação em que, após o lançamento do desafio, as pessoas falam e suas palavras caem no vazio, sem ninguém ouvi-las efetivamente, porque jogarão a culpa no velho argumento de que o fluxo de caixa não permite a execução das novas propostas. Isso não é argumento.

"As empresas estão interessadas no bom funcionamento dos fundos setoriais, porque perceberam que o investimento em ciência e tecnologia é algo muito sério"
 




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