A
Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp) investiu pesado na formação
de competência nacional na área da biotecnologia, na
infra-estrutura e no aprimoramento de recursos humanos e está
ajudando a montar uma indústria nacional para o setor. Por
isso mesmo, preocupa-se em garantir que o investimento não
seja frustrado por uma legislação que, ao tentar criar
salvaguardas para o Brasil, acabe na verdade inibindo a atividade
de pesquisa e o desenvolvimento de uma área estratégica
em que o País avançou a passos largos nos últimos
anos.
Esse
é o sentido do manifesto aprovado pelos 12 membros do Conselho
Superior da Fapesp e encaminhado ao presidente do Senado, José
Sarney, e aos demais senadores, dia 12 de fevereiro, a propósito
do projeto de lei da biossegurança, já aprovado na
Câmara dos Deputados. A fundação quer que os
senadores, antes de votar a matéria, ouçam a comunidade
científica e não se deixem influenciar por argumentos
de natureza ideológica. De acordo com o diretor científico
da entidade, professor José Fernando Perez, dois pontos são
fundamentais e os cientistas vão lutar pela sua inclusão
no texto da lei: o reconhecimento da CTNBio (Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança) como única e última
instância técnica de decisão, e a liberação
total da clonagem para fins terapêuticos. São alterações
ao projeto que constavam de emenda do deputado Aldo Rebelo (PC do
B-SP), agora ministro da Coordenação Política,
e que o professor Perez considera ótimo ponto de partida
para os debates.
A biotecnologia
é área estratégica porque o País possui
uma agricultura baseada na tecnologia, uma pecuária que cada
vez mais recorre à genética celular; tem problemas
de saúde pública específicos de regiões
da mesma latitude, e possui a maior diversidade do planeta, cerca
de 20% do total. Esse conjunto de fatores, de acordo com o diretor
científico da Fapesp, gera uma vantagem competitiva, pois
a biotecnologia tem essa característica, de responder a circunstâncias
geoeconômicas. Perez aponta nichos de desenvolvimento que
não implicam necessariamente competição com
grandes potências. “A tecnologia é muito do aqui
e agora”, afirma. “E esse aqui e agora nosso gera duas
coisas: necessidade e demanda. Temos então a nova vantagem,
que é a competência gerada. Antes era só a natureza,
agora temos também gente.”
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Perez:
"Precisamos aproveitar as
'janelas de oportunidades'" |
Visão
vencedora – O professor tem a impressão de que a sociedade
e a classe política em particular ainda não se deram
conta do momento que o País vive, em plenas condições
de competitividade. Competência reconhecida internacionalmente,
conforme se pode observar pelas publicações dando
conta da evolução tecnológica, sobretudo no
campo da genética, e pelo surgimento de empresas dispostas
a fazer negócios com a geração do conhecimento.
Ele insiste na necessidade de uma legislação que proteja
o meio ambiente, crie salvaguardas, mas não venha inibir
“essa janela de oportunidades”. Uma legislação
com visão vencedora, visão de competição
nos nichos à sua disposição, visão de
um país não coitadinho, mas com auto-estima.
Ora,
a Fapesp considera que o projeto de lei de biossegurança
aprovado na Câmara dos Deputados não responde a essa
visão do País. “Achamos que o texto é
uma legislação inibidora”, diz Perez, passando
à defesa do papel decisivo que precisa ter a CTNbio –
“comissão técnica cujo nome não pode
ser fraudado e que deve ser formada exclusivamente por cientistas,
e por nenhuma outra pessoa que não tenha compromisso exclusivo
com a verdade cientificamente disponível”. A idéia
de criar uma instância intermediária para realizar
outros estudos ambientais, acredita o diretor científico
da Fapesp, só vem trazer mais obstáculos e burocratizar
o processo, pois o meio ambiente já está representado
na CTNBio. Mas nada disso exclui a necessidade de instâncias
intermediárias de caráter econômico ou estratégico,
que decidam, por exemplo, sobre a conveniência ou não
de se plantar um organismo transgênico. Para
tomada de decisões, autorizar certo produto de tecnologia,
respeitando sempre o parecer técnico e os argumentos de ordem
econômica e estratégica, existe o Conselho de Ministros.
Outra
área que vem demonstrando grande competência no Brasil
é a da clonagem. Inibir a pesquisa, frear esse novo salto
tecnológico na medicina, também reconhecido pela comunidade
científica internacional, ceifar a esperança de milhões
de pessoas na nova estratégia, é lamentável,
segundo Perez, que considera essa polêmica revestida de aspectos
ideológicos. Os cientistas argumentam que apenas pretendem
defender a vida, reconhecendo, porém, que tudo se complica
quando entram no debate elementos de natureza religiosa. “A
história está cheia desses exemplos”, lembra
o diretor da Fapesp: “Trata-se de atitude estreita e obscurantista,
que alinha o Brasil com a direita radical americana”.
Perez
não descuida das razões éticas, nem pretende
trivializar o debate, mas repele uma legislação “tiro-no-pé”,
que iniba o avanço tecnológico. Principalmente agora,
quando o País está na fronteira do conhecimento na
área. A Fapesp vem financiando núcleos e uma série
de pesquisas sobre células-tronco e um dos Cepids (Centros
de Pesquisa, Inovação e Divulgação),
o da USP em Ribeirão Preto, coordenado pelo professor Marco
Antônio Zago, é integralmente dedicado a essa temática.
Se prevalecer na lei a proibição da pesquisa, esse
e outros centros certamente sofrerão impactos negativos.
Perez
garante que os cientistas não são insensíveis
aos problemas de ordem ambiental. A própria Fapesp financia
há anos o Projeto Biota, destinado a estudar todos os aspectos
da biodiversidade e a preservá-los. Um patrimônio da
nação que precisa ser conhecido e usufruído
pela sociedade. E a melhor forma de evitar a biopirataria não
é por meio da legislação, mas dotando o País
de conhecimento. Daí por que a legislação tem
que refletir os anseios nacionais, afastando a síndrome da
baixa auto-estima.
Segundo
o diretor científico da Fapesp, se prevalecer o texto aprovado
na Câmara dos Deputados, “a Monsanto continuará
a vender a sua soja transgênica, enquanto ficará proibida
de fazer pesquisa”. Perez teme que haja evasão de cérebros
e as empresas que nasceram da biotecnologia procurem outros ambientes
para trabalhar. Mas o professor também repele a “visão
conspiratória”, que atribui às multinacionais
intenções hegemônicas e destrutivas da iniciativa
nacional. Considera que pensar assim é poluir a discussão
com elementos de natureza ideológica. “A questão
deve ser respondida pela sociedade, não por alguns iluminados.”
Os elementos ideológicos devem ser cobrados, sim, mas nos
fóruns adequados, ao passo que o que é técnico
exige resposta técnica. Esse é o papel da ciência.
Quanto
aos benefícios econômicos e sociais decorrentes da
aplicação da tecnologia, quem não se lembra
de como eram baixos, até poucos anos atrás, os índices
de produtividade na agricultura e na pecuária brasileiras?
Mas hoje o Brasil é uma potência agrícola, exatamente
porque investiu em desenvolvimento tecnológico. Os créditos
devem ser atribuídos a organismos e entidades como a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, Instituto Agronômico
de Campinas (IAC) e a própria financiadora estatal paulista.
A propósito de financiamentos, o professor Perez discorda
daqueles que, alegando necessidade de regionalizar o desenvolvimento,
adotam uma política de esvaziar São Paulo, com o argumento
de que esse Estado dispõe de recursos próprios. “São
Paulo perdeu 3 mil bolsas do sistema federal”, destaca o professor,
lembrando que os recursos da Fapesp deveriam ser considerados uma
contrapartida aos investimentos federais. “O Estado deveria
receber proporcionalmente à sua competência.”
Por
tudo isso, o professor Perez espera que os parlamentares de Brasília
ouçam os cientistas e levem em conta as razões da
ciência. O presidente do Senado prometeu empenhar-se nessa
luta.
O
apelo da Fapesp
Esta
é a íntegra do manifesto da Fapesp, aprovado
dia 11 de fevereiro e em seguida encaminhado à presidência
do Senado.
O
Conselho Superior da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), reunido em
11 de fevereiro de 2004, manifesta grande preocupação
com os termos da lei de biossegurança recentemente
aprovada pela Câmara dos Deputados e presentemente em
discussão no Senado da República. A lei, nos
termos em que foi aprovada, criará sérios obstáculos
à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico
em um setor no qual a transferência de tecnologia, da
descoberta à sua aplicação, é
extremamente rápida.
Nessa
área, de importância estratégica para
o desenvolvimento econômico e social, bem como para
a soberania nacional, o Brasil conquistou competência
equivalente à dos países mais adiantados, competência
que pode ser revertida em grande benefício para a população
nas áreas de alimentos, agropecuária e saúde.
O
Conselho Superior da Fapesp apela aos senhores parlamentares
para que ouçam os representantes acreditados da comunidade
científica no sentido de transformar o texto da lei
em instrumento de progresso e independência tecnológica,
evitando assim danos irreparáveis aos mecanismos de
geração de conhecimento e de riqueza.
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