A
chamada guerra contra o terrorismo,
anunciada como prioridade pelo governo americano após os
atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York e Washington,
é uma estratégia fracassada, aponta o sociólogo
Emir Sader, professor aposentado da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Para ele, entretanto, ainda
não há uma proposta consistente em nível mundial
para enfrentar o problema. Uma esperança poderia ser a articulação
alternativa, liderada pelo Brasil, entre países como África
do Sul, Índia e outros não tão alinhados aos
interesses dos Estados Unidos. Porém, ressalva, qualquer
guerra contra o terrorismo que não tenha Ariel Sharon (primeiro-ministro
israelense) como alvo não pode ser levada a sério.
Emir
Sader, que coordena o Laboratório de Políticas Públicas
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), acredita que
os atentados em Madri, no dia 11 de março passado, já
provocam mudanças no cenário político da Europa.
Mesmo antes dos atentados, a situação política
apontava para uma aparente consolidação da direita
no continente, por exemplo, com a vitória dos conservadores
na Grécia e a indicação de vitória de
José María Aznar na Espanha, diz. Porém,
a rejeição manifestada pelos eleitores espanhóis
à tentativa de manipular a imprensa e culpar o grupo separatista
basco ETA pela tragédia foi tão grande, aponta Sader,
que levou a uma reversão desse quadro.
A derrota de Aznar afeta, por exemplo, Silvio Berlusconi na
Itália e Jacques Chirac na França ele agora
sofreu um grande revés nas eleições regionais,
diz o professor. A razão desse questionamento se relaciona
principalmente à incapacidade da direita em dar respostas
às demandas sociais de seus países. Para o sociólogo,
um dos principais reflexos dessa situação se dá
entre os jovens. A juventude européia não é
de direita, mas não tem participação política
porque está profundamente desiludida com os partidos e a
política tradicional. Como conseqüência,
vários governos têm sido eleitos com o voto da minoria
da população.
O fato de o primeiro-ministro Aznar ter telefonado pessoalmente
para editores de jornais na Espanha e em outros países insistindo
na tese da autoria do ETA leva Emir Sader a fazer uma dura crítica
em relação ao comportamento da mídia no episódio.
Mesmo órgãos de imprensa que tinham razões
profundas para duvidar da versão de Aznar acabaram avalizando-a.
Ou seja, a mídia, que tem um papel fundamental na formação
da opinião pública, também tem interesses privados
tão fortes e pesados que acaba caindo nessa grande promiscuidade
com o poder, afirma.
Sem
neutralidade
Gunther Rudzit, professor do Núcleo de Análise Interdisciplinar
de Políticas e Estratégia (Naippe) da USP, acredita
que está se desenhando um combate do Ocidente contra
o terrorismo radical islâmico. Já havia
o discurso americano de que ou está do nosso lado ou
está contra nós. Agora se percebe que os europeus
também estão dizendo aos outros países: ou
vocês cooperam conosco ou não vão receber ajuda.
Para o professor, as lideranças européias se encontram
numa encruzilhada política muito complicada, pois, ao mesmo
tempo em que procuram se distanciar do presidente norte-americano
George W. Bush, terão que cooperar muito ativamente com o
governo dos Estados Unidos. Um dos principais instrumentos
de combate ao terrorismo é a inteligência. Se os europeus
não cooperarem com os Estados Unidos, que têm o melhor
sistema de inteligência do mundo, não vão alcançar
seus objetivos, acredita Rudzit. A situação
é delicada porque a cooperação na área
da inteligência não pode ser tão declarada,
pois o segredo faz parte do processo.
Vai ser preciso pesar muito bem o discurso, porque não
se pode estar ao lado de um parceiro e ao mesmo tempo criticá-lo
publicamente.
Para Rudzit, os países europeus estão cientes
de que se tornaram alvo do terrorismo, e não se trata apenas
da questão de ter apoiado ou não a invasão
do Iraque. Um exemplo é a França, que está
recebendo ameaças por ter aprovado a lei contra o uso do
véu islâmico nas escolas medida que passará
a vigorar em setembro. Você não pode permanecer
neutro nessa situação, diz o professor. O
terrorismo pode não utilizar o seu território como
base de ataque, mas pode utilizá-lo como área de passagem
para terroristas, ou pode usar o seu sistema financeiro para movimentar
recursos. Não há como ficar indiferente. Tomar
posição não significa necessariamente enviar
tropas para um determinado lugar, mas sim fazer ações
que não aparecem na mídia, como o combate à
lavagem de dinheiro e outras medidas administrativas, explica.
O pesquisador do Naippe acredita que mesmo uma eventual vitória
do democrata John Kerry nas eleições americanas, em
novembro, não mudará a posição do país
quanto à política antiterror. A população
americana enxerga o terrorismo como uma ameaça. Pode haver
mudanças em algumas políticas, mas o combate ao terrorismo
vai continuar, diz. Rudzit cita recente artigo de Madeleine
Albright na revista Foreign Affairs, no qual a ex-secretária
de Estado afirma que o governo Bill Clinton teria agido da mesma
forma em relação ao Afeganistão e, no caso
do Iraque, não descartaria a invasão, mas talvez tivesse
procurado outra articulação internacional.
Doutrina
Bush II
Para Maristela Basso, professora da área de Direito Internacional
da Faculdade de Direito da USP, a Europa descobriu-se vulnerável
e confrontada com uma realidade para a qual não está
preparada. Até então, a Europa conhecia o chamado
terrorismo nacionalista aquele que procura derrubar um governo
para instaurar outro ou luta com fins de independência, como
o próprio ETA na Espanha, explica.
Como esse terror nacionalista em geral tem menor impacto e procura
atingir um líder ou um grupo específico, defender-se
dele inclui medidas como a proteção das lideranças,
das sedes de governo e do local de uma convenção partidária,
por exemplo. Já o terrorismo internacional é muito
mais difícil de ser combatido. Como é que se
defende um túnel, um prédio com muitos apartamentos,
um aeroporto, uma estação de trens? Esses ataques
são imprevisíveis. O terrorismo internacional,
que é muito mais perigoso, tem duas características
fundamentais, define Maristela Basso: fazer tremer ou seja,
atingir um número expressivo de cidadãos, sem lhes
dar a menor chance de defesa, causando grande comoção
e amedrontar.
Já a partir de maio, com a adoção da nova Constituição
da União Européia e a entrada de mais dez países
no bloco, a Europa deve voltar-se bastante para si mesma, examinando
com muito mais cuidado as suas questões de defesa interna,
analisa a professora. O continente terá que fazer muitos
investimentos militares e por isso passará a ombrear com
os Estados Unidos nessa questão, diz. Como conseqüência,
o cenário geopolítico será mais bipolarizado,
e o poder mundial não estará tão polarizado
apenas nos Estados Unidos. Sobre a eleição americana,
a docente da Faculdade de Direito acredita que uma vitória
democrata resultará num governo menos autoritário,
beligerante e intervencionista. Entretanto, se os eleitores
americanos reelegerem os republicanos, teremos uma Doutrina
Bush II, ainda mais radical que a atual.
Maristela Basso discorda da visão de que o islamismo fundamentalista
estaria em guerra com o Ocidente. Para ela, esses terroristas não
têm uma ideologia, mas sim uma metodologia ou seja,
praticam atentados que matam grande número de pessoas e,
por esse ponto de vista, são bem-sucedidos. De alguma
forma eles estão conseguindo o que querem, influindo em eleições
de outros países. Mas eu os vejo mais como um grupo pequeno
e perigoso, não como uma manifestação do islamismo
contra o Ocidente, afirma.
Entretanto, o professor Gunther Rudzit, do Naippe, faz uma previsão
pessimista: A situação no mundo tende a se agravar
com a decisão do governo de Israel de eliminar lideranças
que considera hostis, possivelmente chegando a Yasser Arafat. Podemos
esperar mais atentados nas próximas semanas, finaliza.
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