Mais de cem especialistas de cerca de 200 entidades ligadas
à educação se reuniram entre os dias 1º
e 4 de abril no Fórum Mundial de Educação São
Paulo, que aconteceu no Centro de Convenções do Anhembi,
para trocar experiências e fortalecer a luta pelo direito
à educação. Com um público em torno
de 60 mil pessoas e delegações de sete países,
o fórum foi um evento preparatório para o 3º
Fórum Mundial de Educação, que vai acontecer
de 28 a 31 de julho próximo, em Porto Alegre (RS).
O
fórum foi composto de dez conferências temáticas,
20 painéis de aprofundamento, mais de 400 atividades
com autogestão, 700 pôsteres e diversas opções
culturais. A programação incluiu, também,
a Feira Mundial de Educação. Entidades governamentais
e não-governamentais estiveram presentes.
Para a presidente da representação da Faculdade
de Educação da USP, Leny Magalhães, o fórum
buscou debater uma educação dentro de um contexto
plural. A Faculdade de Educação ajudou |
|
a
compor as temáticas. Foi uma grande discussão,
que vem ocorrendo desde o ano passado. A temática que
trouxemos para o fórum tem uma dimensão de pesquisa,
de política e de cultura mais ampla. Todos os trabalhos,
do ponto de vista da USP, estão presentes aqui para estabelecermos
um contato maior com a sociedade, disse. |
Para
Bernard Charlot, Professor Emérito da Universidade de Paris
8, pesquisador visitante do CNPq e membro internacional do Fórum
Mundial de Educação, a realização do
fórum em São Paulo é um marco histórico.
Estamos hoje, aqui no evento, contando com a inscrição
de aproximadamente 60 mil pessoas, o que representa um momento importante
para construirmos uma resistência à globalização
neoliberal que ameaça a educação.
Charlot acredita que, depois do fórum, os professores vão
entrar na sala de aula com outro olhar, com mais empenho e desejo
de mudar a educação. Eles viram que não
estão sozinhos nessa luta, observou. A defesa da escola
pública também é uma bandeira do fórum.
Defendemos a escola pública, mas também defendemos
a sua mudança. Só a escola pública garante
o direito de cada ser humano ter acesso ao saber, afirmou
Charlot.
Educação Cidadã como Direito Social e
Humano foi o primeiro eixo temático, que tratou das
implicações neoliberais do processo de globalização,
que, segundo os organizadores, vêm acirrando conflitos, movimentos
migratórios e pobreza, trazendo como uma de suas conseqüências
limitações de acesso e manutenção de
uma parcela expressiva da população mundial à
educação. Quase 1 bilhão de pessoas, no mundo
todo, são silenciadas pelo analfabetismo, de acordo com dados
apresentados pelos organizadores do fórum. A educação
cidadã afirma que a educação, como direito
social e humano, deve ser garantida. Nesse sentido, propõe
que cada cidadão e cidadã pode e deve contribuir para
a ampliação do conhecimento e concretização
desse direito.
Com
a presença de 60 mil pessoas e 100 especialistas de 200
entidades governamentais e não-governamentais ligadas
à educação,
o fórum realizou inúmeras atividades - entre elas
palestras, debates, oficinas, vídeos e atividades para
crianças - com o objetivo de mostrar
que um outro mundo é possível e exigir um ensino
público, gratuito e
de qualidade para todos |
|
Presente no encontro, o escritor Frei Betto, assessor especial da
Presidência da República, atuando como coordenador
da mobilização social para o Programa Fome Zero, afirmou
que a experiência desse programa é também um
trabalho de educação cidadã. É
um projeto pedagógico e tem uma íntima relação
com a educação, principalmente por não ser
assistencialista e sim de inserção social. Ao contrário
do que muitas pessoas imaginam, não fazemos uma gincana de
distribuição de alimentos, e sim procuramos realizar
uma proposta de política pública, com transferência
de renda, ações emergenciais e de educação,
para possibilitar que 11 milhões e 300 mil famílias
caminhem para a inserção social e produzam renda própria.
Já atingimos 3,6 milhões de famílias com o
Programa Bolsa-Família. Até o final deste ano chegaremos
a 6,5 milhões, explicou Frei Betto.
Cidade
educadora
No segundo eixo temático, Paulo Freire: Educação
Cidadã para uma Cidade Educadora, o fórum procurou
abranger questões como as perspectivas para a educação
no País e no mundo, políticas públicas, importância
da educação no processo de formação
das identidades culturais e a relação da educação
com a mídia. As discussões focalizaram as formas de
garantir os direitos sociais para todos os seres humanos, por meio
de projetos político-pedagógicos de caráter
emancipatório nos diversos espaços educativos, formais
e informais.
Para o professor Moacir Gadotti, diretor do Instituto Paulo Freire,
os fóruns são eventos que, em razão dos debates
e discussões, fazem as pessoas acreditarem em mudanças.
A importância de um fórum é que não
há consenso. Toda unanimidade burocratiza, emburrece, engessa.
Este fórum propõe ser um espaço de luta para
buscarmos alternativas para um projeto pedagógico que se
contraponha ao projeto neoliberal, que busca mercantilizar a educação.
São espaços de democracia de alta intensidade,
explica.
O que é uma cidade educadora, tão debatida no encontro?
Gadotti diz que é a cidade que ocupa todos os espaços
com uma intenção educativa. Educação
não se faz só nos bancos da escola. Usar e abusar
da cidade como fonte de recursos didáticos e como lugar para
a prática pedagógica é a proposta da cidade
educadora. A rua, o bairro e a cidade constituem o primeiro
espaço de formação da criança depois
da família. Dessa forma, todos os equipamentos urbanos devem
estar preparados para ser uma extensão da escola formal.
Para Carlos Rodrigues Brandão, professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), cabe aos educadores e educadoras
a tarefa de construir esse outro mundo possível proposto
pelo fórum. A primeira pergunta que deveríamos
fazer é se somos livres. Só somos livres quando nos
unimos e criamos a cada dia um mundo melhor. A liberdade é
uma construção, um processo, um trabalho poético,
pedagógico e de transformação.
Brandão citou Paulo Freire, um dos homenageados pelo fórum,
que dizia: Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar,
de inventar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que,
em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo
engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um
passado de exploração e de rotina.
Como bom contador de histórias, o educador Rubem Alves, muito
aclamado pelos participantes, citou Gabriel García Márquez
para dizer que o pressuposto para um bom educador é ser um
apaixonado pela vida, e quem ama a vida ama a criança. A
essência de um bom educador é a necessidade de comunicar.
Outro eixo temático, Cidade Educadora: Identidade Cultural
e Cidadania, contou com a participação do músico
baiano Carlinhos Brown, da ativista argentina dos direitos humanos
Alicia Cabezudo e do diretor-executivo do Fórum Educativo
peruano, Grover Pango. A cidade educadora não é
uma magia, mas uma prática cotidiana. Para chegarmos a ela,
a mudança, a conscientização tem que ser feita
entre alunos, mas, principalmente, entre professores, declarou
Alicia. Ou seja: a construção da cidade ideal passa
pela escola.
Todos os espaços da cidade têm que
servir à educação, dizem especialistas
A escola, em geral, está em crise porque o mundo mudou,
mas não a escola. Os pais costumam dizer que a escola do
seu tempo era melhor. Como, se era ainda mais ditatorial, ainda
mais rígida do que é hoje?, questiona Pango.
Para ele, está claro que a democratização da
escola, mesmo no discurso, precisa ser ainda mais enfática.
Escola e comunidade precisam se integrar mais e mais.
Carlinhos Brown roubou a cena durante quase todo o encontro. Idealizador
do Projeto Pracatum, que desenvolve ações sociais
para a população do bairro do Candeal, em Salvador,
Brown dividiu opiniões ao declarar que não existe
preconceito racial no Brasil. O preconceito é feito
e construído por quem se vitima. O que há é
ignorância em relação às diferenças,
disse.
O último eixo temático, Ambiente e Educação
para a Sustentabilidade, finalizou a discussão apresentando
um resumo sobre as contribuições de uma educação
ambiental tratada de uma perspectiva naturalista e socialmente construída.
Para isso a educação ambiental deveria reunir contribuições
a partir de uma participação democrática, para
não contar com uma verdade única, e sim com um modelo
a ser seguido incorporando à sua diversidade a autonomia
e o protagonismo. Nesse sentido, isso nos daria a idéia
de que a sustentabilidade não é apenas um papel dos
ambientalistas, e sim de todos que vivem neste planeta. Devemos
pensar numa educação ambiental prazerosa, ciente da
luta, da crise e da briga, que não busque apenas vencer,
mas também considerar a causa, o caos, a dificuldade e uma
oportunidade de construir caminhos para essa mudança que
vemos como utopia, declarou Maria Rita Avanzi, docente da
Universidade São Marcos.
Para que o conceito de Cidade Educadora se concretize, os esforços
devem vir de todas as áreas: Os lugares urbanos precisam
ser planejados ou reestruturados para se tornar espaços educadores.
Praças, museus, lojas e shopping centers entram também
nessa concepção, assim como as organizações
não-governamentais, os meios de comunicação,
as associações populares, os sindicatos e os partidos
políticos, ilustrou Grover Pango, que também
é membro do Conselho Nacional de Educação do
Peru e ex-Ministro da Educação daquele país.
Para ter um papel ativo nesse cenário, as escolas precisam
derrubar seus muros, permitindo que o aluno produza
conhecimento também fora do ambiente formal da educação
e o traga para a sala de aula. Muitas vezes, o professor não
sabe o que a cidade oferece. Nesse sentido, o poder público
tem o dever de fazer a ponte entre os recursos oferecidos pela municipalidade
e os educadores, ressalta Alicia Cabezudo, também coordenadora
do Programa Rede de Direitos Humanos na América Latina e
diretora do Escritório Regional de Cidades Educadoras na
América Latina.
Educação
e criança
Não foram só os professores e educadores que tiveram
um espaço privilegiado de debates e troca de experiências.
Cerca de 2 mil crianças e adolescentes, de 7 a 16 anos, estiveram
reunidos no Fórum Mundial de Educação Criança,
programado especialmente para trazer para o centro da discussão
as contribuições daqueles que são o principal
objetivo da luta por uma educação de qualidade.
Inserido na programação oficial do evento, o Fórum
Criança consolidou a participação dos jovens
como sujeitos de cultura, voz e direito na construção
de uma outra educação possível, segundo os
organizadores. Para isso, toda a programação do evento
foi pensada dentro de uma lógica de integração
das crianças. Elas trouxeram suas sugestões,
reivindicações e as temáticas mais importantes
para a educação, afirmou Luiz Carlos de Oliveira,
do Instituto Paulo Freire, responsável pela organização
do Fórum Criança. O diferencial está
no fato de que a apresentação de projetos foi feita
pelos alunos, e não pela professora que o coordena. A intenção
foi que eles mostrassem como aquele projeto interfere em suas vidas.
Isso é afirmação da identidade e exercício
da aprendizagem de participação.
Além de debates coordenados pelas crianças, o fórum
também contou com atividades culturais, como apresentações
de maculelê, bumba-meu-boi, teatro de bonecos, ciranda e contadores
de história. Os pequenos participaram ainda de oficinas de
rádio e, num espaço dedicado à produção
artística, desenvolveram faixas e cartazes para a marcha
que encerrou o Fórum Mundial de Educação São
Paulo, no dia 4.
O Fórum Criança aconteceu num espaço diferente
do Fórum de Educação. Foi montada uma tenda
dentro do Anhembi, que funcionou como central de informações
sobre atividades voltadas ao público infanto-juvenil. Vídeos
de um minuto enviados de todo o País mostraram experiências
de trabalhos educacionais infantis e foram exibidos na abertura
das grandes conferências do encontro.
Diferentemente da maioria dos congressos, que são encerrados
com grandes discussões em salas fechadas, o Fórum
Mundial de Educação São Paulo resolveu ir para
as ruas, no último dia, domingo, protestar pela melhoria
da educação, na Caminhada pela Educação
como Direito Universal.
Após quatro dias de oficinas e palestras acerca do tema que
tanto preocupa não só o Brasil, mas o mundo, uma grande
concentração de participantes saiu do Sambódromo
do Anhembi, em São Paulo, e seguiu em direção
à Praça Heróis da FEB, na zona norte da cidade.
Foi uma marcha em favor da educação, da dignidade
e da cidadania.
|