Para
quem sofre acidentes que resultam em paralisia dos membros devido
à ruptura da medula espinhal, já é possível
vislumbrar uma luz no fim do túnel. Se, pouco tempo atrás,
a medicina não conseguia fazer com que a medula se regenerasse,
pesquisas recentes têm demonstrado que essa regeneração
é possível.
É o caso do estudo realizado pelo professor do Instituto
de Ciências Biomédicas (ICB) da USP Francisco Carlos
Pereira. Num estágio de pós-doutoramento na Universidade
de Miami, nos Estados Unidos, Pereira contribuiu para descobrir
a forma de conter lesões na medula espinhal conjunto
de feixes de fibras e células nervosas, mais conhecidos como
neurônios, que percorre o interior da coluna vertebral e conduz
estímulos ligados aos movimentos, às sensações
e às reações do corpo humano. Publicado na
revista científica Nature Medicine, em junho passado, o estudo
ganhou repercussão mundial.
Pereira conta que o projeto tinha como objetivo combinar diferentes
técnicas para buscar novas estratégias de tratamento
da lesão medular. A pesquisa submeteu ratos a lesões
controladas de medula espinhal e, através do uso combinado
de três substâncias, foi possível recuperar 70%
dos movimentos e induzir a regeneração de 50% dos
neurônios dos ratos. As três substâncias são
um antidepressivo chamado Rolipram, já usado em seres humanos,
uma solução com células de Schwann, que formam
a camada que recobre as fibras nervosas chamada pelos especialistas
de bainha da mielina e outra solução com monofosfato
cíclico de adenosina, um composto que funciona como mensageiro
químico no interior das células.
Para Pereira, o resultado dessa estratégia foi surpreendente.
A combinação dos três elementos ajudou
muito no processo inflamatório e diminuiu a produção
de algumas proteínas que aumentam sua quantidade quando ocorre
um processo de lesão. Essas proteínas são inflamatórias
e provocam cadeias de reações que levam à morte
de neurônios, sendo a mais conhecida delas e a que verificamos
no processo, a proteína TNF. A célula, ao deixar de
produzi-la, beneficia o processo de regeneração,
ressalta o professor.
Avaliação
O experimento foi realizado no Projeto Miami para a Cura da Paralisia.
Pereira permaneceu dois anos na universidade americana para o estágio
de pós-doutoramento, de fevereiro de 2000 até fevereiro
de 2002. Nos primeiros seis meses, trabalhou com o cultivo de células
de camundongos, ratos e seres humanos, as tais células de
Schwann. A equipe, coordenada por Mary Bunge, referência mundial
em pesquisa de regeneração medular, contou também
com o australiano Damien Pearse, bolsista da Christopher Reeve Paralysis
Foundation, e utilizou 150 ratos, que passaram por vários
processos de avaliação.
Um deles procurou verificar o número de axônios (prolongamento
dos neurônios) presentes na região da lesão.
Pereira conta que, nesse caso, notou-se uma maior quantidade de
axônios nos animais que foram tratados com a combinação
das três substâncias do que nos ratos que receberam
tratamento isolado.
Oito semanas depois do início da pesquisa, os roedores que
receberam os três medicamentos apresentaram o melhor desempenho
num teste de avaliação de capacidade motora, que vai
de 0 (nenhum movimento) a 21 (movimento normal). Os nossos
animais receberam nota 14, equivalente a 70% de recuperação
dos movimentos, comemora Pereira.
A outra análise foi feita a partir de injeções
de marcação de neurônios para saber de onde
vinham os axônios que atravessam a região do trauma.
Com a combinação das substâncias, conseguiu-se
uma contagem maior de neurônios em área específica,
o que leva a crer que os axônios desses neurônios cresceram
através do local da lesão, o que facilita o movimento,
explica Pereira.
Quando os ratos foram colocados para andar, mediu-se a impressão
da pata do animal, borrada com tinta azul, no papel branco. Com
isso avaliávamos o grau de apoio da planta do pé desse
animal e verificamos que o grupo de ratos que receberam os três
medicamentos conseguiu firmar os pés no chão mais
facilmente que os outros grupos de animais, observa o pesquisador.
O fato de os pesquisadores terem comprovado, nos diferentes parâmetros
de avaliação, que os animais conseguiram uma boa performance
foi o que levou o estudo a ser considerado, pela doutora Mary Bunge,
um dos melhores resultados obtidos nos últimos 15 anos em
pesquisa básica voltada para a regeneração
de células do sistema nervoso central.
Pereira ressalta, no entanto, que a perspectiva de andar de novo
para quem se encontra imobilizado ainda é um processo que
levará algum tempo, pois exige testes mais refinados. O único
fato que se pode afirmar é que, das três substâncias
adotadas no experimento, apenas o Rolipram pode rapidamente se tornar
ferramenta terapêutica a ser empregada logo após a
lesão medular ter ocorrido. Ainda não há
evidências de que o monofosfato cíclico de adenosina
e as células de Schwann, cultivadas em laboratório,
possam ser usadas sem prejudicar outras funções do
organismo.
De volta ao Brasil, Francisco Carlos Pereira está propondo
à Fapesp um projeto de pesquisa na linha de regeneração
medular, em busca de financiamento, e está formando parcerias
com equipes de pesquisa básica. Com o Instituto de
Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da USP, através
do professor Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho, vamos trabalhar
otimizando o laboratório e criando uma ponte entre a pesquisa
básica e a clínica.
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