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ntre vielas apertadas, corredores úmidos e caminhos disputados por esgoto, cachorros e moradores da favela Vila Nova Alba, no bairro do Butantã, em São Paulo, um grupo de três médicos e seis alunos de graduação da Faculdade de Medicina da USP – que compõe a Liga Pediátrica Comunitária do Instituto da Criança (ICr) do Hospital das Clínicas – faz atendimento pediátrico a crianças de até dois anos de idade, em mais uma atividade de extensão universitária realizada pela faculdade. A favela possui 6 mil moradores, que se distribuem num terreno irregular, atravessado por um córrego.

A visita é feita uma vez por semana, sempre às segundas-feiras, das 12 às 14 horas. Os alunos, acompanhados pelos médicos, visitam os moradores em suas casas para dar atendimento básico de saúde. “Nós fazemos o acompanhamento físico do paciente, o que chamamos de puericultura. Medimos a estatura, auscultamos o coração, procuramos verificar se há indícios de desnutrição, anemia e infecções, como de ouvido, sinusite e pneumonia. Enfim, analisamos todo o desenvolvimento neomotor da criança e depois procuramos observar o ambiente emocional e físico em que esse paciente se desenvolve. Por fim damos orientação alimentar e de saúde para as mães”, explica o médico João Pedro Vicente.
Renato Minoru Yamamoto, chefe da Seção de Assistência Comunitária do Instituto de Criança e idealizador da Liga Pediátrica, explica a importância de os alunos irem às casas para oferecer orientações e tratar da saúde dos moradores dentro de seu próprio ambiente. “Assim, os conselhos dos médicos levam em conta as condições reais de cada família. O objetivo das visitas é diminuir a mortalidade infantil e o impacto das doenças prevalecentes na infância, através de ações de prevenção.”

Para a coordenadora da liga, Andréa Cianciarullo, as atividades desenvolvidas na Vila Nova Alba são importantes para que os alunos tenham contato direto com a criança. “Ao longo da carreira universitária, o contato prévio do médico com a comunidade o torna um profissional com condições de dimensionar as dificuldades enfrentadas pelos pacientes, evitando julgamentos antecipados. Os alunos aprendem desde cedo a fazer instruções, orientar o paciente e analisar exames físicos.”

Prevenção primária

A seção de Assistência Comunitária do Instituto da Criança desenvolve, desde 1996, projetos de saúde comunitária na área de abrangência do Centro de Saúde Escola Professor Samuel B. Pessoa. A Liga Pediátrica Comunitária iniciou suas atividades no local, em 1998, com o objetivo de introduzir o aluno de graduação na compreensão do processo saúde-escola, valorizando o papel das famílias e das condições reais de vida da criança sobre sua saúde, desenvolvendo atividades voltadas para a extensão de serviços à comunidade.

Desde o início o trabalho caracterizou-se pela implementação de ações de desenvolvimento comunitário e de prevenção primária dos agravos à saúde na comunidade, procurando incentivar a busca da melhoria das condições de vida, inclusive de sua situação de saúde.

De acordo com Yamamoto, a organização progressiva da comunidade foi importante para alcançar esses objetivos, resultando posteriormente na criação da Associação dos Moradores da Favela Vila Nova Alba. “Dentre as melhorias obtidas em conseqüência desse processo de mobilização da comunidade, destacam-se a canalização do córrego da favela, a melhoria da situação de imunização das crianças através de campanhas de vacinação in loco, a instalação de telefone comunitário e a formação de oficinas de costura, para que boa parte das mulheres que permanecem em casa possam contribuir para aumentar a renda familiar.”

Preocupado em fortalecer as atividades de extensão da Universidade, Yamamoto criou a Liga Pediátrica Comunitária com a intenção de prestar serviços a comunidades carentes. O médico afirma que, durante o curso de graduação em Medicina, é fundamental o aprimoramento do aluno em saúde comunitária. “É importante que o aluno valorize o papel da família e das condições reais de vida da criança sobre a saúde infantil, e compreenda assim o seu próprio papel social na comunidade. Dessa forma, será possível entender melhor o processo saúde-doença.”

Yamamoto explica que o aluno de graduação que participa da educação para a saúde da comunidade, valorizando-a como um processo contínuo, aprenderá a estar sempre atento ao importante papel do médico: o de promoção e proteção à saúde, e não apenas de intervenção quando as doenças já estão presentes.

Foi essa intenção que levou Igor Padovesi Mota, aluno do segundo ano de Medicina da USP, a se embrenhar pelas vielas da favela a fim de aplicar seu conhecimento. “É muito importante que nós, alunos, começemos logo no primeiro ano do curso a ter experiência com essa realidade, para ter uma boa noção do que é um atendimento médico.”

Mota afirma que gosta muito do atendimento comunitário, de participar do cotidiano das famílias e de poder entender como elas vivem nessas comunidades carentes, com suas dificuldades. “Saímos da frieza do consultório e passamos a entender de perto a realidade.”

Milena Aparecida Varella Oliveira, também aluna do segundo ano de Medicina, acha o atendimento do consultório muito diferente do comunitário. “No consultório, o paciente acaba falando o que o médico quer ouvir. Nunca citam os detalhes, que são muito importantes para a análise do problema. Vindo até a casa do paciente, percebemos o ambiente em que vivem e assim fazemos uma orientação mais completa.”

A equipe de alunos, que normalmente gira em torno de dez, leva sempre na bagagem uma cesta básica de material, como o otoscópio (aparelho para exame de ouvido), estetoscópio, fita métrica, balança e antropômetro (medidor de altura). E, quando necessário, leva também vitamina D, sulfato ferroso, solução fisiológica nasal, antibiótico, analgésico, antitérmico e broncodilatador, a “cesta básica de medicamentos”, conforme afirma Yamamoto.

O médico quer que, com essa experiência, o estudante de Medicina entenda que os seus valores são totalmente diferentes dos usuários de sistema público de saúde. “Só assim eles vão compreender as dificuldades de vida de uma mãe, que é o principal fator de proteção de uma criança, que tem que cuidar da casa, não tem recursos financeiros, enfrenta violência e mora em condições precárias.”
Yamamoto afirma que, como educador, procura mostrar as dificuldades que uma boa parcela da população enfrenta no dia-a-dia. “Tento fazer com que o aluno seja um ponto de apoio para que a comunidade resgate a dignidade. O médico tem que estar à disposição da comunidade para resolver os seus problemas.”

 



A Liga Pediátrica Comunitária em ação na favela Vila Nova Alba: objetivo é diminuir a mortalidade infantil através de iniciativas preventivas



Uma longa história de serviço

A Liga Pediátrica Comunitária do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas – que atua na favela Vila Nova Alba – dá continuidade a uma longa história de prestação de serviços da Faculdade de Medicina. As chamadas ligas, destinadas aos alunos da faculdade e vinculadas ao Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, começaram em 1918, com a criação da Liga de Combate à Sífilis e demais doenças venéreas. Todas as ligas fundadas a partir dessa iniciativa pioneira tiveram o objetivo principal de oferecer campos de estágio complementares às atividades curriculares oficiais, cobrindo lacunas importantes na formação do futuro médico geral.

Durante décadas, a Liga de Puericultura do Instituto da Criança foi a única destinada ao ensino extracurricular de pediatria, com a finalidade de capacitar o aluno para o desenvolvimento de ações preventivas e educativas na área da saúde da criança na comunidade. Todas as atividades educativas e assistenciais são desenvolvidas visando à formação de profissionais de saúde mais comprometidos com a melhoria das condições de saúde e de vida de sua comunidade.

Em 2002 a Liga Pediátrica obteve o segundo lugar no Prêmio Saúde Brasil, patrocinado pelas empresas Apotex e Wyeth. Ela conta com apoio institucional da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem), Rede Cultura, Instituto Ethos, Associação Paulista de Medicina e Associação Médica Brasileira, além de diversas sociedades médicas.

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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