Analistas da área de ciências políticas
concordam: as eleições municipais deste ano tendem
a restabelecer o equilíbrio político no País.
Sobretudo se o PT, que cresceu nacionalmente, perder em capitais
como São Paulo e Porto Alegre, como já perdeu no Rio
de Janeiro. A falta de consenso se manifesta, porém, quando
se toca na questão da concentração de forças
em apenas dois partidos, o próprio PT e o PSDB. Não
creio que o quadro para 2006 (eleições presidenciais)
esteja definido num sentido ou outro. Ainda há muita água
a rolar sob a ponte. Mas, neste momento, é inegável
que existem riscos para o pluripartidarismo político, e nesse
sentido as eventuais vitórias do PSDB, assim como a do PFL
no Rio de Janeiro, são positivas, afirma o cientista
político Bolívar Lamounier. Gildo Marçal Brandão,
do Departamento de Ciência Política da USP, discorda:
Não há bipartidarismo, há polarização.
Nenhum partido tem mais de 20% do eleitorado brasileiro. A estrutura
federativa, combinada com o voto proporcional, praticamente impede
o bipartidarismo. Segundo Brandão, PT e PSDB são
partidos orgânicos, têm quadros e programas, ao contrário
do PMDB, uma federação que segue a lógica da
política brasileira: saiu da esquerda para ir para o centro
e se perdeu, embora ainda mantenha profundo enraizamento no País.
Quanto ao PDT, obteve até resultado razoável depois
da morte do líder Leonel Brizola; mas o PC do B pagou caro
pelo atrelamento acrítico ao PT e está depauperado.
O PFL, forte no Rio de Janeiro com César Maia, estaria condenado
a se atrelar ao PSDB. Gaudêncio Torquato, professor de Jornalismo
da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, especializado
em comunicação empresarial e marketing político,
entende que o PT cresceu nas eleições de primeiro
turno e contribuirá para equilibrar o quadro político.
Se perder a Prefeitura de São Paulo, o PSDB lançará
a candidatura do governador Geraldo Alckmin para presidente da República.
Será uma disputa acirrada cujo desfecho se definirá
pela situação econômica do País. Se
a economia for bem, a ponto de oxigenar os pulmões sociais,
certamente Luiz Inácio Lula da Silva terá condições
de se reeleger. Se o oposicionismo crescer com a contrariedade social,
Lula poderá dar adeus.
Sobre alianças, o professor Lucio Kowarick, também
do Departamento de Ciência Política da USP, diz que
existem algumas difíceis de entender. Uma delas é
a de São Paulo, entre a candidata Marta Suplicy, do PT, e
Paulo Maluf, do PP. O malufismo é tradicionalmente
força política personalizada e situada no espectro
conservador, de origem próxima do primeiro andar da ditadura.
Maluf é a expressão dela. Não só ele;
há muita gente próxima do governo na mesma situação.
Kowarick distingue vários PTs: O dos anos 80 e 90 e
o de 2002 para cá. O PT dos anos 80 ainda existe no PT de
2002. Um terço dos deputados, senadores e militantes tem
referência nos anos 80, ainda ligados aos anos 70, do tempo
de São Bernardo (base sindical em que Lula firmou sua liderança).
Houve uma virada significativa. Se governar é preciso, fazer
alianças é preciso também, mas algumas são
muito contrárias ao que foi dito nos anos 80. A aliança
com Maluf é o exemplo disso. Conclusão do professor:
A aproximação com o malufismo, para quem tem
referências dos anos 80, é algo intragável.
Lamounier não se distancia dessa opinião: A
aliança PT-Maluf é de uma incoerência clamorosa,
não só à luz da história política
de São Paulo e do Brasil, mas à luz das próprias
acusações que a campanha de Marta faz ao PSDB por
ter Kassab como vice de José Serra. Como explicar isso? Não
sei. Limito-me a constatar que, de uns tempos para cá, o
PT não prima pela coerência. Menos severa, a
professora Maria DAlva Gil Kinzo, do mesmo departamento de
Kowarick, entende que as alianças seguem a lógica
da eleição majoritária em um quadro partidário
fragmentado. São necessárias, senão para ajudar,
pelo menos para evitar que ajudem o adversário. Daí
que há lógica na aliança de Marta com Maluf:
evita que ele apóie Serra e assim carreie ainda mais votos
dos malufistas a essa candidatura, que por sinal já conta
com a tendência maior de apoio por parte do eleitorado que
votou em Maluf. Outro professor da USP e do departamento,
Eduardo Kugelmas, afirma que o sistema de dois turnos praticamente
força alianças, porque o contingente de eleitores
é o objeto de desejo dos candidatos. Na sua opinião,
o PT com Lula no poder marchou resolutamente para o centro,
desconcertando analistas e até outros integrantes do partido.
Na construção da maioria vale até aliança
com Maluf.
Avaliação
É bom conhecer a análise que faz da política
paulista e nacional Gaudêncio Torquato, que, junto com Gileno
Marcelino, foi homenageado segunda-feira (18), no auditório
do MAC, como destaque entre os primeiros professores do Departamento
de Jornalismo e Editoração da ECA. O eleitor, explica
ele, avalia a política de duas formas: examinando a qualidade
dos administradores e da administração. Nem sempre
esses pólos são convergentes. Pode haver administração
exemplar e ao mesmo tempo o perfil do administrador se situar muito
aquém de seu governo. No caso específico de São
Paulo, o índice de aprovação da administração
de Marta, em torno de 48% segundo pesquisa do Data Folha, não
reverte necessariamente em votos. Isso ocorre, segundo o analista,
porque o eleitor está olhando também para alguns valores
individuais. Na candidata do PT o professor identifica valores
que estariam sendo rejeitados pelo eleitor, que não eram
claros na primeira eleição porque a então candidata
ainda não tinha exposição pública suficiente.
Três anos e pouco depois, a visibilidade tornou-se maior,
o eleitor percebeu esses valores, distinguiu-os e fez comparações.
Acho que no caso de Marta, diz Torquato, pode
ter ocorrido uma questão de foro íntimo, pessoal,
a separação dela do marido, senador Eduardo Suplicy.
Isto é muito sensível. O eleitor brasileiro age em
alguns momentos de maneira tradicional. Marta é uma pessoa
independente, uma psicóloga que nunca pôs a sua vida
pessoal sob o foco da política. O fator pessoal tende a influenciar
o fator político.
E o perfil de Serra? Torquato não considera o candidato do
PSDB um exemplo de simpatia. É até muito antipático,
porém congrega o oposicionismo à administração
municipal e até o conjunto de forças na área
federal. Torquato lembra que Serra já foi derrotado
algumas vezes, quando candidato a prefeito da capital pela primeira
vez e, depois, à Presidência da República. O
político precisa ter em conta esses fluxos cíclicos.
Em algum momento poderá ficar embaixo, outras vezes em cima.
Desta vez, Serra é a bola da vez. Está carreando a
contrariedade social e transformando-a em votos.
O professor aposentado da ECA admite que Marta tem na área
da saúde seu ponto fraco, e Serra o ponto alto, mas na esfera
federal. Inteligentemente, a campanha de Serra aproveita no
campo municipal esse aspecto positivo, de ele ter sido bom ministro
da Saúde. São realidades diferentes, porém
a comparação que está sendo feita pelo eleitor
é de perfis o perfil de um bom administrador da saúde
e o de um mau administrador. A reação da candidata
do PT foi apresentar uma maquete de CEU da Saúde que, na
opinião do professor da ECA, não caiu bem no gosto
do eleitorado, porque está muito marquetizada.
Palavras de Torquato: Eu diria que essa invencionice de Duda
Mendonça pode ser um bumerangue, um tiro no pé.
Sobre a aliança de Marta e Maluf, Torquato diz que o eleitorado
está cada vez mais racional e menos maria-vai-com-as-outras.
Maluf pode ir para um canto e o eleitor dizer peraí,
nós passamos o tempo todo combatendo o PT e agora devemos
apoiar a sua candidata? Assim não dá. Tanto
é assim que as pesquisas mostram que 75% dos seguidores de
Maluf não votariam em Marta em hipótese nenhuma. Pior
ainda, acrescenta o analista. Acho que o momento da
aliança foi mal escolhido, em razão da crítica
que vem sendo feita ao comportamento ético do ex-governador.
Maluf é visado pelo Ministério Público e sua
imagem negativa contribui para o mau desempenho da prefeita na campanha.
O especialista em marketing político analisa a campanha dos
dois candidatos à Prefeitura paulistana desse ponto de vista.
O marketing de Serra tem se conduzido por uma visão
mais altaneira, mais equilibrada; o da Marta me parece muito agressivo,
provocativo. Agora mais ainda com essas mensagens sobre o vice Kassab.
O leitor percebe que é jogada. Temo que, em vez de ajudá-la,
a esteja prejudicando.
Dito assim, parece que os analistas dão como certa a derrota
do PT em São Paulo. Mas não é bem assim. Acho
difícil alguma reversão a essa altura, mas não
quero apostar. Em política ocorrem muitas surpresas,
resume Lamounier. Kugelmas condiciona a reversão da tendência
a algum fato muito importante, que não está à
vista.
A
cidade
Distante da polêmica e muito ocupada em Brasília para
acompanhar os debates em São Paulo, a professora Raquel Rolnik
(PUC-Campinas), arquiteta e urbanista formada pela USP e secretária
nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades,
torce pela capital paulistana e lamenta que na campanha eleitoral
não esteja sendo suficientemente considerado o processo
real de transformação da cidade com Marta. Ela
insiste que a transformação é indiscutível:
a cidade teve nos últimos três anos a presença
constante da Prefeitura; cuidado com a limpeza, preocupação
com o espaço integral, não apenas com partes, e uma
transformação em alguns aspectos pouco visível,
como a mudança para melhor da gestão nas subprefeituras.
A eleição não está sendo polarizada
pelas diferentes propostas dos candidatos para a cidade, afirma
a professora. O projeto de quatro anos da Marta ninguém
questiona. Aceita. Os destaques são para os transportes,
setor que ficou 20 anos discutindo e só agora teve uma solução,
e para a revitalização do Centro, que renasce após
15 anos de planos. Raquel Rolnik avisa que a sua manifestação
é apenas de reconhecimento por um trabalho realmente realizado
na capital paulista.
A verdade é que a campanha eleitoral vem misturando temas
da cidade com questões estaduais ou n
acionais. A isso a professora Maria DAlva responde que cada
candidato lança mão dos recursos que mais o favorecem
ou que servem para fragilizar o adversário. No caso
de Serra, tratava-se de centrar as críticas nos problemas
da administração Marta, especialmente na questão
da saúde, na pouca abrangência de algumas políticas
sociais, como a da educação, e na alocação
de recursos do orçamento. Serra tem domínio sobre
esse tipo de temática, de forma que se saiu bem (nos debates)
ao questioná-la sobre isso. No caso de Marta, tratava-se
de salientar suas realizações na periferia, que é
onde ela teve maior apoio eleitoral, e de desconstruir a boa performance
de Serra como ministro da Saúde, associá-lo às
mazelas do governo Fernando Henrique Cardoso, além de salientar
a questão do vice sua ligação com Pitta
(ex-prefeito).
Os
pés pelas mãos
Como
analisar o caso de Fortaleza, onde o PT oficial apoiou, no
primeiro turno, o candidato do PC do B contra a candidata
do próprio partido Luizianne Lins? Será que
o PT, tão rigoroso com os seus membros no Congresso
Nacional, a ponto de expulsar de suas fileiras quem se rebela
publicamente contra a orientação dos líderes
nas votações, teria dado no Ceará um
exemplo de infidelidade partidária? Gaudêncio
Torquato acredita que o partido simplesmente errou ao fazer
a análise estratégica em Fortaleza. A cúpula
não acreditava na possibilidade da candidata; se acreditasse,
a teria apoiado desde o primeiro momento. Tenho a impressão
de que se arrependeu e agora está dando a sua contribuição
para que Luizianne vença. Foi uma das análises
mais mal-feitas pelo PT no País, conclui o professor.
O mesmo pensa Bolívar Lamounier: Um erro gritante
de avaliação, que colocou a direção
nacional do PT numa situação no mínimo
curiosa.
Eduardo Kugelmas distingue os casos do Congresso Nacional
e da capital cearense. A senadora Heloísa Helena e
outros parlamentares foram punidos porque não votaram
com a orientação oficial do partido; em Fortaleza,
o Diretório Nacional decidiu dar apoio ao outro candidato
por razões que só as circunstâncias locais
podem explicar. De qualquer modo, houve uma vitória
das bases contra a cúpula do partido. Esse é
também o ponto de vista do professor Gildo Marçal
Brandão: As conveniências levaram o partido
a meter os pés pelas mãos. A moça resolveu
bancar o jogo da morte. E ganhou contra todos. Luizianne venceu
os caciques da cidade (entre eles Ciro Gomes) e o próprio
PT oficial.
Maria DAlva Gil Kinzo tem a sua versão: o PT
tornou-se um partido bastante pragmático na definição
de seus apoios. Havia a necessidade de apoiar o candidato
do PC do B, mesmo porque a candidatura de Luizianne representava
uma outra corrente no partido (demasiado radical para a lógica
predominante no PT hoje). Além disso, era uma candidatura
que não parecia ter condições de decolar.
Logicamente que agora o PT tratará de apoiá-la
e de computá-la como uma vitória do partido,
caso a eleição de Luizianne de fato ocorra.
Para Lucio Kowarick, tratou-se de uma questão de geografia
política: assuntos regionais respondem à lógica
das alianças nacionais. O PC do B é partido
do governo, tem função importante no Executivo.
A necessidade de governar leva a barganhas. Mas esse
não é o caso de Fortaleza, avisa
ele que, embora reconhecendo que a fidelidade partidária
tem regras, achou absurda
a expulsão do PT da senadora Heloísa Helena,
a sua mais autêntica militante.
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