São
retratos de um Brasil que desperta orgulho. Saudade. E a alegria
de receber a lembrança de um amigo querido e a imagem de
um lugar distante. Foi pensando nessa emoção que o
colecionador e historiador João Emílio Gerodetti e
o jornalista Carlos Cornejo lançaram recentemente o livro
Lembranças do Brasil As capitais brasileiras nos cartões-postais
e álbuns de lembranças, pela Solaris Edições
Culturais. Aprovada pela Lei de Incentivo à Cultura e patrocinada
pela Siemens, a edição propõe uma viagem no
tempo. E a lugares que só ficaram registrados nos cartões-postais.
Curioso rever o Triângulo da Metrópole do Café:
a rua São Bento por volta de 1900, quando era freqüentada
especialmente por homens; a rua Direita de 1905, ainda com as casas
que, anos depois, foram demolidas para abrir espaço para
a Praça do Patriarca. Interessante também passear
pela 15 de Novembro, entre os bancos, escritórios... Apreciar,
nesse centro, elegantes senhores discutindo os negócios e
o futuro da São Paulo nos cafés ou nos salões
de chá. As damas e senhoritas só andavam por ali no
início da tarde. Iam observar a moda nas vitrines das lojas
chiques. Quando anoitecia, o movimento era outro. Desfilavam as
conhecidas mundanas distribuindo acenos para os cavalheiros de chapéu-coco
e bengala.
São essas cenas do cotidiano e paisagens de São Paulo
e de outras capitais brasileiras que os autores apresentam no livro,
que, como eles próprios definem, procura construir a memória
coletiva no Brasil. Nessa edição estendemos
nossas andanças pelas capitais e ex-capitais, através
de imagens de ótima qualidade, diz Gerodetti. Nosso
passeio vai longe. Volta na assim chamada época de ouro do
cartão-postal, que corresponde às primeiras décadas
do século 20.
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É
o tempo da belle époque, considerada um período
de esplendor, com desenvoltura de costumes e formas de pensar
peculiares. Uma de suas manifestações foi
a moda de intercambiar cartões-postais, com paisagens
coloridas e atraentes que denotavam uma visão de mundo
otimista, lembra Carlos Cornejo. O postal revelou-se,
desde sua criação, uma inovação
artisticamente significativa e uma inestimável fonte
de imagens para a história das cidades, já que,
pelo fato de registrar vistas de um mesmo local em diversas
épocas, se transformou num documentário, retratando
a dinâmica da transformação das metrópoles.
Gerodetti e Cornejo selecionaram mais de 600 imagens de interesse
urbanístico, histórico e social, que foram produzidas
pelos melhores fotógrafos da época, constituindo
um documento importante porque muitas dessas paisagens já
não existem mais e estão registradas apenas em
cartões-postais considerados raridades. Os retratos revelam
a atmosfera da época, observada a partir dos estilos
arquitetônicos, dos modelos dos carros e do vestuário
dos transeuntes, que permitem ao leitor se localizar no tempo
e no espaço. |
Viagem
no tempo
A primeira capital apresentada no livro é o Rio de Janeiro,
uma cidade de braços abertos. A baía que os
navegadores portugueses confundiram com um rio, segundo os velhos
documentos quinhentistas, vem fascinando os viajantes desde os seus
primórdios, explica Gerodetti. Através dos postais,
fica muito fácil compreender esse fascínio. Uma imagem
editada em 1899 traz um panorama geral, com destaque para as docas
e armazéns da Alfândega e para a Igreja de Nossa Senhora
da Candelária, construída entre 1775 e 1811, na atual
praça Pio X. A visão da Baía de Guanabara e
do Pão de Açúcar, a partir do Corcovado, com
destaque para a praia de Botafogo, repete-se em incontáveis
cartões. Mostram bem a natureza que se tornou cidade e a
cidade que dá a impressão de natureza.
4As
imagens de Vitória, no Espírito Santo, a cidade
presépio, também encantam e, ao mesmo tempo, documentam
as transformações urbanas, econômicas e
sociais. O leitor vai apreciar essa cidade no tempo em que tinha
uma feição tipicamente colonial portuguesa na
sua arquitetura e arruamento. Irá se deparar com um postal
de 1910 revelando um trecho da antiga rua da Alfândega,
atual avenida Jerônimo Monteiro, com os casarios, as charretes,
a vida pacata. Cenário que foi modificado dois anos depois,
com o alargamento da rua e, mais tarde, com a construção
de grandes edifícios.
Os autores se preocuparam em orientar esse percurso visual através
de textos que resgatam a história das cidades. Desenvolvemos
uma extensa pesquisa bibliográfica, reunindo também
o depoimento dos viajantes e cronistas, observa Cornejo.
Também realizamos um completo trabalho de campo,
visitando todas as localidades retratadas e confrontando cada
uma das imagens publicadas com a situação atual
daqueles logradouros. |
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De
arraial a metrópole, Belo Horizonte também surpreende
o leitor. Interessante ver BH no postal enviado em 1910. Traz o
Palácio da Liberdade, sede do governo do Estado de Minas
Gerais, inaugurado em 1898, com as obras ainda em andamento, mas
cercado por uma multidão de moças de vestidos esvoaçantes
azuis, brancos, amarelos, protegendo-se do sol com a sombrinha nas
mesmas cores. Mais interessante ainda é a mensagem do remetente:
Nesta praça, às quintas e domingos à
noite, há um footing ou passeios a pé, muito animados
do pessoal do bairro. Os rapazes fazem alas e há um verdadeiro
desfile pré-nupcial, como dizem os cronistas. Correm para
lá todas as pequenas casadoiras. No centro da praça
há um lago onde os poetas da terra vão buscar inspiração.
Além
da saudade
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Quando
a saudade apertava, a solução era o cartão-postal.
Lembranças de viagens ou apenas símbolos da saudade,
as imagens seguiam via correio reforçando o elo entre
o remetente e o destinatário. Esses cartões
faziam parte do cotidiano das pessoas de um jeito que é
difícil imaginar, diz Gerodetti. Eram concebidos
como peças artísticas e reproduzidos por artistas
gráficos com auxílio de técnicas aprimoradas
de impressão.
O jornalista lembra que o cartão-postal era um meio de
comunicação eficiente, que permitia a troca de
mensagens breves, acrescidas de uma imagem. Quando a fotografia
ainda era coisa de profissionais, o cinema engatinhava e inexistiam
o rádio e a televisão, os postais eram uma importante
referência visual, em certo sentido precursores dos modernos
meios de comunicação, retratando locais significativos
das cidades, cenas pitorescas, tipos populares e personalidades,
já que nada escapava à curiosidade insaciável
dos fotógrafos, ávidos por atender a um público
ansioso por novidades. O retrato oferecia uma visão
idealizada da realidade. As mensagens mais comuns eram: Gostaria
que estivesse aqui; Olha aonde a minha viagem me
trouxe; ou Desfrute da beleza desta paisagem tanto
quanto eu. |
Como
ficar indiferente ao postal de 1905 com a moça alva de folha
verde nos cabelos anelados, ombros desnudos e vestido vermelho,
convidando a conhecer a Ladeira da Preguiça da Bahia, em
Salvador? A jovem não tem nada a ver com a realidade do lugar
tumultuado pelas canoas, trabalhadores rudes, mas torna o cais interessante.
O elevador Lacerda, inaugurado em 8 de dezembro de 1873, também
está eternizado nos cartões como símbolo da
cidade.
Os postais destacam também lugares não tão
conhecidos, como Corumbá, no Mato Grosso do Sul, que foi
considerada uma capital importante. A necessidade de consolidar
as fronteiras nacionais e a estratégica ocupação
de uma das margens do rio Paraguai, em 1860, tornaram a cidade um
importante posto militar da Capitania. Em um cartão de 1905,
está registrada a paisagem do porto com a seguinte mensagem:
Corumbá é a capital de uma imensa província
do Brasil, em parte inexplorada e desconhecida, contendo riquezas
incalculáveis em ouro, diamantes e borracha, mas infelizmente
acompanhadas de alguns inconvenientes: feras, jacarés e sobretudo
por febres mortais.
Envolvente, Lembranças do Brasil vai conduzindo o leitor
pelas curiosidades de Florianópolis, Porto Alegre, Goiás,
Goiânia, Brasília, Cuiabá, Campo Grande, Aracaju,
Maceió, Recife, Olinda, João Pessoa, Natal, Fortaleza,
Teresina, São Luís, Belém, Manaus, Porto Velho...
Um percurso que João Gerodetti começou a fazer quando
tinha 8 anos de idade e iniciou a sua coleção de postais.
Hoje, aos 65 anos, esse engenheiro formado pela Escola Politécnica
da USP tem o prazer de dividir as incontáveis imagens que
reuniu. Rios, montanhas, florestas, praias... A imensidão
e a diversidade do Brasil que despertaram a curiosidade do menino
João. Eu ficava emocionado diante das imagens,
lembra. E estou feliz por poder compartilhar o prazer de olhar
esses antigos e belos retratos, esperando que esse livro possa contribuir
para reforçar uma mentalidade que, felizmente, já
está sendo formada, que é a da preservação
do patrimônio histórico e artístico.
Diante da beleza dessas paisagens e da alegria de enviá-las
pelo mundo afora, os cartões-postais deixam saudade. Uma
saudade que o poeta Carlos Drummond de Andrade fez questão
de registrar: Passada há muito a moda delirante de
trocar postais, os exemplares antigos que bóiam à
tona do mar do esquecimento deixam-me comovido. Aqui estão
os testemunhos de uma época social, de um estado de espírito
coletivo, de um imaginário feliz....
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Lembranças
do Brasil – As capitais brasileiras nos cartões-postais
e álbuns de lembranças, de João Emílio
Gerodetti e Carlos Cornejo, Solaris Edições Culturais,
252 páginas, 600 cartões-postais coloridos e em
preto-e-branco, R$ 148,00.
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