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S
orrateiro e gradativo, o diabetes é uma doença (ou, como preferem alguns, um distúrbio metabólico) cuja característica marcante são os níveis elevados de glicose no sangue. Hoje, acomete em torno de 5 milhões de brasileiros e aparece como sexta causa de morte no País, além de ser co-responsável por 90% dos acidentes cardiovasculares. Em todo o mundo, cerca de 200 milhões de pessoas convivem diariamente com o diabetes e suas limitações. A boa notícia é que novas drogas - tanto orais quanto a insulina inalada - estão surgindo para conter o ímpeto voraz das estatísticas negativas. Em contrapartida, uma constatação em particular passa a mobilizar a classe médica e a preocupar pais e pacientes: a incidência de diabetes tipo 1 em franca evolução entre jovens com menos de 15 anos. "No Brasil, Bauru serve de parâmetro", explica o médico endocrinologista Carlos Antonio Negrato. "Isso ocorre porque temos estudado o tema há quase duas décadas e o trabalho resulta em dados que são base para pesquisas nacionais."

Ex-residente da Faculdade de Medicina da USP, entre 1978 e 1980, quando trabalhou sob supervisão do professor Bernardo Leo Wajchenberg - referência médica em diabetes e obesidade dentro e fora da USP há mais de três décadas -, Negrato informa que os dados que acabam de ser tabulados, referentes a uma pesquisa contínua com grupos de diabéticos entre janeiro de 1987 e dezembro de 2003, apontam para um panorama de alerta. Atualmente, a incidência (casos novos por ano) da doença em Bauru é de 10,8 crianças e adolescentes com diabetes para cada grupo de 100 mil. Em 1994, há exatos dez anos, era de apenas 5,5.

O estudo é feito por meio de notificações de casos novos de diabetes obtidos em censo realizado anualmente em todas as escolas do município, além de casos registrados pela Associação dos Diabéticos de Bauru. Ou seja: o crescimento da população diabética na cidade nessa faixa etária (132 casos novos no período analisado) é uma realidade a ser combatida e não uma mera distorção das estatísticas. Do total avaliado, 53% são meninas com idade média de 8,7 anos e 47% são meninos de 9,2 anos em média - o que difere um pouco dos dados encontrados na literatura médica internacional, que, por sua vez, aponta maior incidência entre meninos e numa faixa etária ainda menor.


O professor Carlos Antonio Negrato: é preciso um trabalho cada vez mais intenso de educação e orientação sobre a doença




"Vergonha de passar mal"

"Sem dúvida, o avanço da doença entre meninos e meninas é uma nova circunstância a ser enfrentada", atesta o médico. "Está nítido, também, que um trabalho cada vez mais intenso, integrado e educativo se faz necessário", acrescenta Negrato - estudioso de grupos de diabéticos há 17 anos, com mais de 400 pacientes atendidos como profissional voluntário da Associação dos Diabéticos. "No passado, as autoridades de saúde ignoravam a existência de crianças diabéticas, quando sabíamos que já eram cerca de 80 em busca de tratamento", relata o presidente da associação, engenheiro civil José Roberto Eleutério de Oliveira. "Hoje, depois de algumas batalhas jurídicas e do trabalho de pessoas como o doutor Negrato, elas não só são reconhecidas como, a partir deste ano, recebem do Estado medicamentos de graça por decisão judicial."

Oliveira destaca que a entidade que preside integra 1.500 associados e acaba de completar 21 anos. "É das mais antigas", pontua. "Sentindo na pele, aprendemos que também é fundamental o tratamento multidisciplinar, responsável por mobilizar diversos profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais, em torno da mesma causa." E arremata: "Tanto tempo de vivência nos ensinou que uma pessoa educada para conviver adequadamente com o diabetes praticamente passa a levar uma vida normal".

Não por acaso, a pesquisa ininterrupta em educação continuada (forma de transmissão sistemática de conhecimento sobre a doença a pacientes e familiares) rendeu a Carlos Antonio Negrato e sua equipe multiprofissional voluntária a primeira colocação no Congresso Latino-Americano de Diabetes, realizado em 1998 na Colômbia, e o segundo lugar entre cem trabalhos concorrentes inscritos na mais recente edição do encontro, promovida pela Sociedade Latino-Americana de Dia-
betes, em São Paulo, em setembro deste ano.

"A explicação para a linha ascendente da doença, um fenômeno mundial em todos os seus tipos, está certamente ligada a uma alimentação hipercalórica, geralmente de má qualidade, e a hábitos sedentários cada vez mais freqüentes em todas as camadas das populações", explica o endocrinologista. No diabetes tipo 1, vários fatores também são imputados como causadores ou, ao menos, desencadeantes do início do processo patológico. Exemplos: infecções por determinados vírus, como o da caxumba, introdução precoce do leite de vaca e seus derivados nos primeiros meses de vida, além do componente hereditário, que jamais deve ser desprezado. "Ainda hoje mantenho reuniões semanais com os diabéticos, porque só mesmo com uma educação continuada teremos chance real de melhorar o dia-a-dia de quem tem a doença como desafio à qualidade de vida", considera o médico. "O fato é que esse trabalho de base, inclusive com crianças, garante uma melhor assimilação das orientações, desde dieta ideal a procedimentos corretos em relação ao tratamento. Importante é aceitar a doença e conviver bem com ela."

Um indício de que a conscientização, aliada a ações práticas de apoio ao paciente, nunca foi tão necessária é uma pesquisa com 150 diabéticos divulgada neste mês pela Agência Notisa. O trabalho revela: 14% dos pacientes afirmaram ter vergonha de dizer em público que são diabéticos e 60,4% temem passar mal na frente de pessoas desconhecidas. O estudo foi conduzido pelos pesquisadores Frederico Maia e Levimar Araújo, da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. "O caminho das melhores soluções é a integração entre os interessados no assunto, sejam pacientes, médicos, voluntários e pesquisadores", conclama Carlos Antonio Negrato. O desafio está, definitivamente, lançado.

Na linha de frente

Não é de hoje que a USP desenvolve pesquisas para melhorar a qualidade de vida dos diabéticos. Agora a expectativa se concentra no primeiro laboratório especializado em terapia celular e molecular da América Latina, que vai funcionar no Hospital Universitário (HU), em São Paulo. "As obras devem ser iniciadas em breve, com término previsto dentro de um a dois anos", informa a coordenadora do Núcleo de Terapia Celular e Molecular (Nucel) do Instituto de Química da USP, professora Mari Cleide Sogayar. Criado oficialmente em 2002 por um grupo multidisciplinar e multiprofissional - que já atuava na área desde 1994 -, o Nucel pesquisa formas de combate ao diabetes com apoio da Fapesp, do CNPq e da Finep. O trabalho já rendeu um grande experimento: o transplante de ilhotas pancreáticas (grupo de células que produzem insulina) retiradas do pâncreas de cadáveres. Desenvolvido pelo Nucel em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, o procedimento poderá dar um novo "fôlego" na qualidade de vida dos pacientes com quadro mais grave de diabetes tipo 1. No final de 2002, o grupo fez o primeiro transplante do gênero, numa paciente de 45 anos, que apresentou melhora significativa em seu quadro clínico e permanece em observação.

Já o Grupo de Doenças Metabólicas do Hospital Universitário da USP iria promover, no dia 3 passado - após o fechamento desta edição -, o 1o Seminário sobre Diabetes e Hipertensão - Abordagem Multidisciplinar. "Estamos convencidos de que o acompanhamento multidisciplinar é o ideal", comenta o coordenador do grupo, médico endocrinologista Egidio Dórea, do HU.

Fome e sede intensas são sintomas da doença

A seguir, informações básicas sobre o diabetes.

Sintomas gerais
: fome e sede exageradas - geralmente acompanhadas de perda de peso -, vontade de urinar com freqüência e em volume abundante, visão turva, infecções repetidas na pele e cansaço, entre outros.

Diabetes tipo 1: mais freqüente entre jovens, é um processo auto-imune, associado ao aumento de auto-anticorpos contra a insulina e à introdução precoce do leite de vaca, entre outros fatores.

Diabetes tipo 2: é a mais comum e perigosa forma de diabetes. Corresponde a 90% dos casos no mundo. Pode ser assintomática e, por essa razão, quando o diagnóstico é feito, complicações em decorrência da doença podem estar em curso.

Projeção: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2025 cerca de 300 milhões de pessoas serão diabéticas em todo o planeta. Hoje, cerca de 45% dos doentes desconhecem sua condição diabética. Daqueles que conhecem, cerca de 30% não se tratam. O quadro é grave porque, em países pobres ou em desenvolvimento, ações básicas de saúde não existem ou são precárias.

Conseqüências: são múltiplas e atingem todos os órgãos e sistemas do organismo. O diabético apresenta 40 vezes mais chance de sofrer amputação de membros inferiores e 17 vezes mais chance de ter insuficiência renal crônica. Diabetes também é a maior causa de cegueira entre indivíduos adultos no mundo.

Tratamento: tem como base a prescrição de dieta, um programa de atividades físicas e uso de antidiabéticos orais e/ou insulina - hormônio protéico produzido pelo pâncreas, descoberto em 1922, no Canadá, que age diretamente no controle da taxa de glicose no sangue. Todo tratamento precisa ser individualizado para levar em conta o tipo do diabetes, a idade e o padrão físico do paciente e peculiaridades como obesidade e hipertensão.

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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