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A
comunidade científica recebeu com aplausos o Projeto de Lei da Biossegurança (PL 2401-03), aprovado na Câmara dos Deputados no dia 2 de março. Sob muita torcida e manifestações contrárias e a favor, um dos projetos mais polêmicos já votados nos últimos anos autoriza pesquisas, para fins terapêuticos, com células-tronco embrionárias, extraídas de embriões conservados in vitro há três anos ou mais e com aqueles considerados inviáveis para fertilização. A lei traz também inovações para o campo da engenharia genética, à medida que flexibiliza regras para pesquisa, desenvolvimento e comercialização de organismos geneticamente modificados.

Embora tratem de assuntos completamente distintos, transgenia e células-tronco foram incluídas no mesmo projeto de lei por abordarem questões de biossegurança que remetem, em suma, à etica com respeito à manipulação da vida. Além disso, ao unificar os dois temas, o projeto trouxe como mote comum “a liberdade para a pesquisa”, nas palavras da geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano do Instituto de Biociências da USP.

A modificação genética de organismos, que vem sendo realizada principalmente com plantas, implica a manipulação do DNA para a obtenção de organismos resistentes a doenças e pragas. Já as pesquisas com células-tronco para fins terapêuticos (e não para reprodução) envolvem a extração e o cultivo de células para o tratamento de doenças como câncer, Parkinson e Alzheimer. No Brasil, só estavam autorizadas pesquisas com células-tronco adultas, retiradas da medula óssea, ou com aquelas extraídas de cordão umbilical. A grande vantagem das células-tronco embrionárias, em relação às outras, é que elas têm maior capacidade de diferenciação, ou seja, são capazes de fabricar todos os tipos de tecidos.

“Vejo a aprovação dessa lei como algo novo que pode beneficiar toda a sociedade, mas é bom lembrar que as células-tronco não podem resolver todas as doenças. É muito difícil determinar quando é que efetivamente será possível realizar tratamentos com células-tronco embrionárias, mas acredito que em cerca de cinco anos já teremos muita coisa nova e as chances de aprimoramento da medicina regenerativa são muito substanciais”, afirma Mayana.

Para a professora, é importante frisar que o uso daquelas células foi liberado apenas para pesquisas. “Podem aparecer charlatões oferecendo tratamento com células-tronco embrionárias, e sabemos que isso ainda não existe.” É que, até chegar à aplicação clínica das descobertas, haverá ainda um longo caminho a ser percorrido. Em primeiro lugar, os pesquisadores precisarão submeter seus projetos aos comitês de ética de suas instituições e também do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), antes de iniciar qualquer estudo. Depois de alguns anos e de posse dos resultados dos estudos laboratoriais, iniciam-se os testes em animais e, por último, em humanos. Assim, a liberação de algum tratamento utilizando essa tecnologia dependerá da regulamentação de todas essas etapas.



O Centro de Estudos do Genoma Humano da USP: aprovação da lei traz boas perspectivas para as pesquisas na área da genética


Mais embates

O professor Tarcísio Eloy Pessoa de Barros, da Faculdade de Medicina da USP, acredita que, quando os cientistas precisarem obter os protocolos para realização dos testes clínicos, ainda haverá novos embates entre grupos de interesse, como aconteceu na semana passada no Congresso. “Deverá haver mais lutas para a aprovação final dos protocolos. A questão é muito controversa.”

Para Barros, o principal avanço trazido pela nova lei é o fato de os cientistas poderem conhecer melhor o funcionamento e comportamento das células-tronco embrionárias e os fatores que induzem a diferenciação dessas células. “Isso é muito importante especialmente em relação às doenças que carregam alteração genética, pois não é possível tratar um adulto doente com suas células, pois elas também apresentam o defeito genético. Esse aspecto fica resolvido”, diz.

A transição da etapa de pesquisas para a realização efetiva de terapias é uma das preocupações do professor Roger Chamas, do Laboratório de Oncologia Experimental da Faculdade de Medicina da USP. Ele afirma que o próximo passo da comunidade científica será avançar no sentido de conseguir condições adequadas para realizar terapias tanto com células-tronco adultas quanto com embrionárias. “Ainda necessitamos de todo um aparato legal, da formação de pessoal qualificado, da valorização dos profissionais pesquisadores, de uma maior integração profissional entre a classe médica e os grupos de pesquisa. Só o fato de poder trabalhar com células-tronco embrionárias não significa que tudo pode ser feito. Não tenho a menor dúvida sobre as competências científicas estabelecidas até aqui, mas ainda precisamos preparar essa transição.”

“Houve muita expectativa para a aprovação dessa lei e muitos colegas trocaram telefonemas para comentar o assunto. De fato, as perspectivas para a medicina mudam totalmente”, comenta a ortopedista Érika Meirelles Kalil, da Faculdade de Medicina da USP, que já obteve importantes resultados nas pesquisas com células-tronco adultas para fins neurorregenerativos. “Nosso desafio agora será adquirir conhecimento e trabalhar com responsabilidade e inteligência. Não adianta querer a ética antes, pois ela vem depois do conhecimento. Como disse um Nobel, não se pode legislar ou arbitrar sobre o que não se conhece. Agora é que vamos ver como a lei funcionará na prática e no campo ético.”




Fim da burocracia

Mesmo com reclamações de que temas tão diferentes como células-tronco e transgenia não deveriam ter sido regulados pela mesma lei, os cientistas das duas áreas se mostraram satisfeitos com os avanços obtidos para a pesquisa com a aprovação da Lei da Biossegurança. O professor Márcio de Castro Silva Filho, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, coordena estudos sobre o desenvolvimento de plantas resistentes a insetos e diz que só a desburocratização para conduzir experimentos de campo já representará um grande avanço para os resultados científicos. “A burocracia dificultava muito os experimentos em campo. Agora tudo muda de figura. Antes só trabalhávamos com os resultados da casa de vegetação, um ambiente totalmente artificial que não sofre as influências naturais de um ambiente aberto. A interação com os seres influi no desenvolvimento das doenças e agora poderemos observar isso melhor”, diz.

O desentrave burocrático acontece porque a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) terá poder decisório para autorizar e controlar as pesquisas com organismos geneticamente modificados no País. “Agora a palavra da CTNBio será terminativa. Isso resolve os conflitos entre instâncias e órgãos ambientais e da saúde”, diz o secretário-executivo da CTNBio, Jairon Nascimento. “Além disso, haverá mais velocidade nos processos e com isso a pesquisa no País ganha mais agilidade. A aprovação dessa lei traz uma sensação de alívio, porque antes existia um quadro de indefinição numa questão que é estratégica ao desenvolvimento do País.”

Outra modificação é que o quadro da comissão obrigatoriamente deverá ser constituído por pessoas com titulação mínima de doutor e o número de membros passou de 18 para 27, com o mesmo número de suplentes. O chefe-geral de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), José Manuel Cabral de Souza Dias, também comemora o alívio que a lei traz para as áreas científica e comercial no setor da agricultura. “Antes precisávamos entrar com quatro processos distintos em diferentes órgãos para obtermos aprovação para uma pesquisa, ao passo que agora a exigência é entrar com um único processo na CTNBio”, diz Souza Dias.

O especialista da Embrapa não concorda que isso possa gerar uma frouxidão das normas de biossegurança. “Tirar competências do Ibama, Anvisa ou mesmo do Ministério da Agricultura nessa questão significa apenas que teremos menos burocracia. Não é verdade que isso trará um relaxamento das normas porque agora a CTNBio terá uma representatividade maior e mais qualificada, pois seus quadros agora só terão doutores. E isso implica maiores responsabilidades”, argumenta.

O desentrave quanto à regulação do comércio de transgênicos, para Souza Dias, também foi grande. “Agora temos um marco legal, o que permite um planejamento maior para pesquisas e comercialização de organismos geneticamente modificados”, finaliza Souza Dias.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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