Pesquisadores em atividade: mais informações
sobre um fenômeno antes desconhecido
Uma
das mais antigas cidades do Brasil, Cabo Frio é palco de
um curioso fenômeno marítimo estudado pelo Instituto
Oceanográfico (IO) da USP desde o final da década
de 60. Localizada na região dos Lagos, no litoral do Rio
de Janeiro, e inicialmente chamada de Santa Helena pelos colonizadores
portugueses, a cidade foi rebatizada por causa de uma de suas características
mais marcantes: mesmo em pleno verão e em temperaturas ambientes
próximas a 40 graus centígrados, as águas límpidas
de suas praias permanecem muito frias para os padrões tropicais,
beirando a média dos 16 graus centígrados. Isso acontece
graças à ressurgência oceânica
o fenômeno de afloramento das águas profundas, geladas
e ricas em nutrientes, às vezes confundido com correntes
marinhas.
As praias a oeste de Cabo Frio são o epicentro do fenômeno.
A massa que aflora ali é a chamada Água Central do
Atlântico Sul (Acas). Mecanismos físicos como o clima,
os ventos e o sistema de correntes colaboram para o empuxo das águas
subsuperficiais, geralmente aquelas localizadas abaixo dos cem metros
de profundidade.
Nas águas profundas, a fotossíntese é inexistente
devido à ausência de luz solar. Nesse ambiente escuro,
poucos organismos sobrevivem e, portanto, sobram nutrientes. Quando
as águas emergem, trazem consigo enormes quantidades de nitrogênio,
fósforo e potássio, que servirão de alimento
para microorganismos vegetais (fitoplânctons), que, por sua
vez, alimentarão os microorganismos animais (zooplânctons),
até chegar ao topo da cadeia alimentar. O fenômeno
fomenta o processo de produção marinha e é
por isso que as áreas de ressurgência são em
geral caracterizadas pela alta produtividade primária e pela
importância comercial da pesca.
Nesse sentido, projetos de pesquisa como o Dinâmica do Ecossistema
de Plataforma da Região Oeste do Atlântico Sul (Deproas),
realizado pelo Instituto Oceanográfico da USP, em colaboração
com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), colaboram
para avaliar o impacto que a ressurgência exerce sobre os
processos biológicos dos ecossistemas, além de entender
melhor os mecanismos físicos que geram o fenômeno.
A bordo do navio oceanográfico Professor W. Besnard, dezenas
de pesquisadores de áreas distintas, entre elas geologia,
química, física, biologia e oceanografia, coletaram
dados numa missão científica realizada entre 2000
e 2004, num trabalho de campo que compreendeu a faixa litorânea
que vai da Ilha de São Sebastião, no litoral norte
paulista, até o Cabo de São Tomé, na costa
norte do Rio de Janeiro. Financiado pelo governo federal através
da Finep e CNPq, o projeto entra agora na fase de redação
de dissertações e teses e publicação
de trabalhos sobre tudo os que os cientistas observaram. Já
se sabia há muito tempo que existia a ressurgência,
mas o fenômeno nunca havia sido estudado de forma integrada
e multidisciplinar, afirma o professor Belmiro Mendes de Castro
Filho, diretor do Instituto Oceanográfico e coordenador do
Deproas. Neste projeto, fizemos um amálgama de todas
as informações, com biólogos se comunicando
com físicos, geólogos, químicos e pesquisadores
de outras áreas.
Pesca
O professor Rubens Lopes, do Departamento de Oceanografia Biológica
do Instituto Oceanográfico e um dos pesquisadores do projeto,
destaca que não se sabia com detalhes como a ressurgência
na costa brasileira funcionava nem a extensão geográfica
da influência da Água Central do Atlântico Sul
sobre a produção biológica e pesqueira em particular.
Especificamente na parte biológica, o grande mérito
do Deproas foi obter informações, numa área
geográfica relativamente extensa da plataforma continental
do Brasil, sobre a relação entre a entrada dessa água
fria e os processos de produção biológica,
diz o professor.
Os cientistas utilizaram diferentes métodos de análise.
Eles chegaram a analisar quimicamente os peixes coletados, a fim
de traçar com mais precisão o histórico da
alimentação dos animais. Utilizamos técnicas
isotópicas em diversos organismos nos diferentes níveis
da cadeia alimentar, conta Lopes. Baseado na concentração
relativa de isótopos dos diferentes compostos que formam
a biomassa dos organismos, é possível traçar
a dieta deles. Se, por exemplo, um peixe se alimenta preferencialmente
de fitoplâncton ou de detritos da superfície da água,
a composição química do seu organismo vai refletir
essa dieta.
Lopes explica que o grande interesse dos órgãos governamentais
que tratam de pesca é verificar o potencial dos estoques
marinhos, se estão esgotados ou até que ponto é
possível expandir a capacidade de exploração.
E, para isso, as pesquisas do Instituto Oceanográfico são
fundamentais.
Lopes e Castro Filho: pesquisas
importantes para a ciência e a economia
Costa
peruana
A ressurgência na área de Cabo Frio acontece durante
o verão e a primavera e praticamente desaparece no outono
e inverno. Ocorre também na região equatorial do Atlântico
e na costa oeste da África, entre outras localidades. Mas
talvez o caso mais típico seja o da costa do Peru, que, ao
contrário de Cabo Frio, é perene, pois está
presente em todas as estações do ano.
Naquele país, a ressurgência tem um efeito social maior
e por isso o Peru é o maior produtor de pescado do mundo.
Os períodos de exceção, ou seja, a ausência
do fenômeno no litoral peruano, é o que historicamente
vem sendo chamado de El Niño e que, posteriormente, verificou-se
ocorrer como resultado de inversões climáticas, diz
o professor Belmiro Castro Filho, o coordenador do Deproas. O
El Niño é o desaparecimento da ressurgência
na costa do Peru. Quando isso ocorre, o sistema marinho entra em
colapso pela falta de nutrientes, reduzindo a pesca, afirma
Castro Filho.
Na costa brasileira, a ressurgência é verificada na
faixa que vai do Espírito Santo até Santa Catarina.
Porém, em muitos desses locais as águas subsuperficiais
não chegam a aflorar totalmente, como ocorre em Cabo Frio.
Em Ilha Bela e no canal de São Sebastião, conta Castro
Filho, é possível observar visualmente o fenômeno,
através da prática do mergulho. Mais profundamente,
é possível enxergar uma variação óptica,
uma espécie de mudança de cor. Ao ultrapassar essa
divisória óptica, a temperatura fica extremamente
fria. É a água de ressurgência que, embora não
esteja aflorando, está em camadas abaixo, digamos, de 20
metros de profundidade.
De
volta ao oceano
Ainda
neste ano, o navio oceanográfico Professor W. Besnard,
do Instituto Oceanográfico da USP, partirá para
mais duas missões científicas. No final de março,
ruma para Abrolhos, no extremo sul da Bahia, num projeto em
parceria com a Petrobras que tem o objetivo de estudar os
aspectos físicos da oceanografia local. A empresa petrolífera
precisa de dados sobre os sistemas de correntes da região
provavelmente para avaliar a segurança do ambiente
para a instalação de plataformas de petróleo,
diz o professor Belmiro Mendes de Castro Filho, diretor do
instituto.
Em julho, terá início o trabalho de campo do
Ecosan, um projeto que visa a estudar os efeitos da descarga
de águas, materiais orgânicos e poluentes no
sistema estuário de Santos. A pesquisa compreenderá
a área geográfica da plataforma continental
que vai de Peruíbe, no litoral sul de São Paulo,
até São Sebastião, na costa norte. Por
incrível que pareça, nunca houve um estudo sobre
os impactos no ecossistema daquela faixa, diz Castro
Filho.
Projeto concebido pelo Departamento de Engenharia Naval da
Escola Politécnica da USP, o Professor W. Besnard foi
construído por um estaleiro norueguês e entregue
ao Instituto Oceanográfico em 5 de maio de 1967. Lançado
ao mar em 18 de agosto de 1966, vindo da Noruega já
em missão científica, foi batizado com o nome
de seu idealizador, que havia morrido quatro anos antes.
Com quase 40 anos de idade, o navio já sofreu algumas
reformas, ocasiões em que seus recursos tecnológicos
também foram atualizados. Mesmo sendo antigo,
ele possui tecnologia de ponta, diz o diretor do Instituto
Oceanográfico. Desde sua inauguração,
o navio já realizou mais de 200 cruzeiros, entre eles
diversos para a Antártica
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