A vida acadêmica de Karol Wojtyla está ligada
às Universidades Jagieloniana de Cracóvia, onde realizou
seus estudos na Faculdade de Teologia (interrompidos durante a guerra
e retomados depois), e Católica de Lublin, onde doutorou-se
em 1948, com uma tese sobre a fundação de uma ética
católica na ética de Max Scheler.
Autor de outra tese sobre a fé na obra de San Juan de la
Cruz (1953), Wojtyla foi designado professor de Teologia Moral e
Ética Social disciplina que já ministrava no
Seminário Maior de Cracóvia da Universidade
de Cracóvia e, subseqüentemente, da Universidade Católica
de Lublin (1956), ambas na Polônia.
Com a ocupação alemã, as duas universidades
foram fechadas e seus professores, mandados para campos de concentração.
Desmembrada, após a guerra, segundo o modelo soviético,
em diferentes escolas, a Universidade de Cracóvia as reincorporou
em 1993 (hoje conta com 13 faculdades, incluindo as de seu Colégio
Médico).
Um regime mais democrático, de maior liberdade para a vida
acadêmica, só foi possível após ato promulgado
em 1982. Nas palavras do professor Stanislaw Waltos, a Universidade
Jagieloniana é o testemunho vivo da fidelidade a ideais que
a nortearam desde a sua fundação, não obstante
as vicissitudes políticas por que passou.
Uma das mais antigas da Europa central (1364), a Universidade de
Cracóvia abrangia inicialmente as Faculdades de Artes Liberais
(filosofia), Medicina e Direito. Seu reitor, como em Bolonha e Pádua,
era eleito pelos estudantes (posteriormente, apenas pelos professores,
a exemplo da Universidade de Paris).
Stanislaw de Skarbimierz, seu antigo reitor, é um dos fundadores
do direito internacional, com a obra De Bello Justo. Outros, como
Nicolaus Copernicus, adquiriram notoriedade nessa universidade.
Sua reputação, no campo da alquimia, originou a lenda
de que o célebre Doutor Faustus morou em Cracóvia.
A Universidade de Cracóvia foi o primeiro centro europeu
de estudos gregos e hebraicos (início do século 16).
Seu perfil estritamente escolástico (Lutero foi rejeitado
como herético) restringiu o afluxo de estudantes, além
de a nobiliarquia polonesa não necessitar de títulos
acadêmicos para exercer cargos na vida civil.
A universidade tomou impulso com a difusão do iluminismo,
o ensino das línguas alemã e francesa (século
18) e o desenvolvimento das ciências naturais (século
19), tendo tido papel relevante, no século 20, na fundação
das Universidades de Varsóvia, Vilnius e Poznan, após
a independência da Polônia.
A Universidade Católica de Lublin, mais recente (1918), reunia
quatro faculdades: Teologia, Direito Canônico e Ciência
Moral, Direito e Ciências Socioeconômicas e Humanidades.
Departamentos de Medicina, Filosofia, Matemática, Ciências
Naturais e Jornalismo foram sobrestados, o ensino tornou-se clandestino.
Após a liberação de Lublin, reabriu suas portas,
instalando o Departamento de Filosofia Cristã e o Instituto
de Alta Cultura Religiosa, além de Faculdades de Direito
e Ciências Econômicas.
Sob o regime comunista, a concessão de títulos em
ciências humanas foi obstada a matrícula em Direito
e Economia, restringida. A Seção de Filologia e de
Intercâmbio Externo foi fechada e o acesso dos alunos da universidade
a funções públicas, impedido. O reitor, rev.
Antoni S+omkowski, acabou sendo preso.
No entanto, a universidade conseguiu expandir a pesquisa, inaugurando
novos departamentos e unidades interdepartamentais, sendo considerada,
nas décadas de 1970 e 1980, a única instituição
universitária independente do bloco soviético.
Em 1982 instalou o Instituto Papa João Paulo II.
Nesse ínterim, estudos e pesquisas sobre a obra do papa foram
divulgados a um público maior e estudantes e trabalhadores
universitários passaram a tomar parte nas manifestações
públicas do movimento Solidariedade. A crise econômica
de 1989 foi superada com a ajuda da Santa Sé e de outros
países.
Na década de 1990, verbas governamentais foram destinadas
para os salários dos professores e para bolsas de estudos,
tendo em vista política adotada nas universidades estatais.
Foi nessa universidade que Wojtyla defendeu a tese sobre uma ética
cristã baseada na ética material dos valores de Max
Scheler.
Para Scheler, os valores não derivam de uma construção
intelectual nem se confundem com a noção kantiana
do dever; independentemente de sistemas políticos ou econômicos,
resultam de uma relação amorosa com as coisas, da
proximidade e afinidade com elas, sendo captados intuitivamente
pela emoção.
Scheler propõe uma hierarquia crescente de valores: sensoriais;
da civilização; vitais; culturais ou espirituais (éticos,
ético-jurídicos, especulativos) e religiosos. Já
desvinculado do catolicismo (1923), preocupa-se com a posição
do homem no cosmo (tema que desenvolve em livro).
Na sua outra tese, Wojtyla trata da fé em San Juan de la
Cruz (1542-1591), poeta e religioso espanhol, cujo despojamento
absoluto e união amorosa e mística com a divindade
lhe deixou marcas profundas. O mais radical dos santos
colaborou com Teresa dÁvila na reforma da ordem carmelita,
sendo por ela chamado de meu pequeno Sêneca.
Religiosos contrários a suas idéias reformistas o
encerraram no convento de Toledo, ocasião em que escreveu
seus inspirados poemas. São João da Cruz vinha de
família abastada e distinguiu-se pela curiosidade intelectual,
pelo amor à beleza, pela piedade e pela devoção
incondicional ao próximo.
João Paulo II, em obra sobre o esplendor da verdade
(Veritatis Splendor), denuncia a desintegração moral
que ameaça o mundo atual, condenando o relativismo, o ceticismo,
o individualismo egoísta e as posturas liberais
e democráticas como critério de verdade
(a Igreja não é uma democracia).
Nesse sentido, opõe-se aos interesses políticos e
econômicos associados a questões apresentadas sob pretensa
forma consensual (e que exigem maior discussão, inclusive
científica), como o aborto, o controle da natalidade, a homossexualidade,
o divórcio, o casamento dos padres, o sacerdócio feminino,
as células-tronco etc.
Trata-se de uma reflexão sobre o mundo atual, que, embora
não mais controlado pela temida nomenclatura do partido,
tende a ser mais e mais controlado pela nomenclatura das grandes
corporações mundiais de negócios, com a cumplicidade
dos Estados e de uma ganância humana generalizada.
Reflexões
O papa nos estimula também a refletir sobre o papel da universidade
contemporânea, cujo aggiornamento (atualização)
envolve não apenas up-grades tecnológicos, mas uma
maior sensibilidade com os problemas totais de qualidade de vida,
em termos científicos, culturais, sociais, políticos
e econômicos.
Ao recusar o conhecimento superficial ou fragmentado, que uniformiza,
estereotipa e reduz enfoques e conceitos, define seu compromisso
maior não com a solução dos problemas,
mas com uma nova ótica para visualizá-los e equacioná-los.
A educação não abdica da ética, do exame
crítico das formas do estar-no-mundo e de suas conseqüências.
A educação não-crítica, que se limita
a colocar remendos em tecidos corrompidos, inadvertidamente contribui
para legitimar o poder como domínio e exploração,
a riqueza como exploração predatória,
o crescimento como expansão ilimitada, o trabalho
como especialização segmentada (OSullivan).
Princípios e idéias, valores e comunicação
genuína são substituídos por jargões,
slogans e propaganda interesseira. O declínio cultural reflete-se
na perda de sensibilidade e capacidade crítica para discernir
e implementar valores estéticos, éticos e espirituais,
que tornariam a vida melhor, se fizessem parte da existência
humana.
A confiança mútua, como estrutura portadora das relações
humanas, está indelevelmente abalada. Interesses do mercado,
de forma às vezes sutil, às vezes brutal, acabam por
atuar sobre o sistema como vorazes raposas, em um poleiro
de galinhas, nas palavras mordazes de Jack Lang, ex-ministro
da Cultura da França.
Convivência, segurança, ambiente, educação,
cultura, saúde e qualidade de vida não podem ser objeto
de projetos segmentados, voltados para os problemas-bolha de superfície
(sintomas, conseqüências), sem atentar para as diferentes
variáveis que se conjugam no bojo do caldeirão efervescente
para produzi-los.
Ameaça
à vida
Além de um repertório técnico ou instrumental,
futuros alternativos exigem novas formas de ser e estar no mundo,
envolvendo conhecimento, compreensão, habilidades, respostas
diferenciadas e articuladas em termos da complexidade e inter-relação
das coisas, envolvendo indivíduos, grupos, sociedade e ambiente.
O Estado não se pode omitir face às conseqüências
de uma cultura controlada por corporações de negócios,
pelos meios de massa, pela ciranda dos mercados e pela propaganda
de poderosos interesses, que associam o consumo indiscriminado à
elevação da qualidade de vida e à felicidade
pessoal e coletiva.
A proclamação de direitos humanos, por via legislativa,
não consegue superar entornos culturais adversos, caracterizados
pela degradação, pela constante ameaça à
vida e pelo assédio de uma devastadora rede de interesses,
que pretendem reservar para si o gozo imediato e exclusivo de recursos,
posições e recompensas.
A degradação da cultura é mais grave do que
a ausência de direitos prescritos. Direitos civis, políticos,
econômicos ou sociais necessitam de uma cultura que os sustente,
sob pena de figurarem apenas no papel. A delinqüência
expressa não apenas problemas econômicos, mas também
a deterioração de valores sociais e culturais.
Em profunda crise existencial, segmentos da população
buscam apossar-se, a qualquer preço, dos simulacros oferecidos
pelo mercado, agravando condições que têm como
pano de fundo um modus vivendi desastroso, que repercute de forma
cruel sobre aqueles que não desfrutam de um estilo de vida
dissipador e irresponsável.
A solidariedade que o mundo de hoje exige não é a
dos laços de sangue, do compadrio, dos interesses e das barganhas:
é necessário dar um sentido moral e cultural para
a existência, além do carrossel do consumo. Um novo
conceito de normalidade deve ir além da reparação
ou do conserto de situações, coisas ou
pessoas (Miah).
A educação, como uma tarefa total, implica o conjunto
da sociedade, não é um remendo a mais em um tecido
que se esfacela. Face às condições desiguais
de acesso e distribuição de posições
e recompensas no tecido social, os procedimentos legais podem ser
úteis, mas jamais serão suficientes para substituir
os valores ausentes em uma cultura.
Liberdade
acadêmica
Os indivíduos só poderão se emancipar se estiverem
dispostos a trabalhar e cooperar para a libertação
da humanidade. Esta, por sua vez, não pode auto-emancipar-se
sem que também promova a emancipação dos indivíduos
que a compõem (Rednitzky), mediante uma genuína comunicação
entre os homens.
Mudanças específicas de comportamentos, fugazes e
aparentes, ignoram o mundo da vida (Lebenswelt), que dá sentido
para as práticas que se pretende modificar. Na forma simbólica
que a experiência diária assume, existe uma realidade
mais profunda, mais humana, radicada nas próprias experiências
dos indivíduos e grupos.
O ambiente pode ser visto sob três aspectos: vital-natural;
objetivo-tecnológico e humano-social. Infelizmente esses
aspectos não têm recebido igual consideração,
toda a ênfase recaindo sobre o aspecto objetivo-tecnológico,
segundo um sistema de valores de natureza econômica, alheio
às necessidades fundamentais do ser humano.
Um ex-diretor da Organização Mundial da Saúde
(OMS), Mahler, distingue abordagens masculinizantes,
hiperexpansionistas, com ênfase apenas na tecnologia, e abordagens
feminilizantes, saudáveis, humanas e ecológicas,
que dariam lugar não só ao pão, mas também
às flores.
O planejamento normativo projeta para amanhã as tendências
de hoje, o exploratório define previamente os objetivos e
explora novos caminhos para atingi-los (Jungk). Novas formas de
ser, sentir e estar no mundo dependem de experiências que
propiciem a revisão de paradigmas em diferentes circunstâncias
e situações.
Os valores gerados em um sistema refletem o próprio sistema
(valor sistêmico), não podendo ser analisados
isoladamente (valor intrínseco). A ecologia social
implica diferentes áreas de interação, incluindo,
além de produção e consumo, relações
interpessoais, comunicação e um sistema cultural legitimador.
João Paulo II, ao proclamar a liberdade religiosa, isolou
um dos fatores (a intolerância) que, no decurso da história,
serviu a variados interesses políticos e econômicos.
Ao proclamar a transcendência da verdade sobre os desejos
humanos, que não pode ser manipulada de forma interesseira,
contribuiu para a liberdade acadêmica.
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