A reforma universitária deve ser concebida como
mudança no sistema educacional, não ficando restrita
à educação superior, mas abrangendo também
o ensino fundamental e médio; e a autonomia deve ser entendida
como autonomia acadêmica, e não apenas financeira e
administrativa. Esses são dois dos pontos destacados pelo
Conselho Universitário para a proposta que a USP encaminhará
como contribuição ao debate sobre a reforma universitária
do governo federal. Em reunião extraordinária realizada
na terça-feira da semana passada, dia 26, o Conselho analisou
o documento produzido pelo Grupo de Trabalho (GT) constituído
em fevereiro para apresentar a visão da USP sobre o tema
e decidiu nomear uma comissão para formular um texto definitivo.
O documento do GT serviu para alimentar a discussão
no Conselho Universitário e cumpriu bem esse papel,
avalia o pró-reitor de Pesquisa da USP, professor Luiz Nunes
de Oliveira, que fez parte do GT.
Desde a sua composição, o GT havia definido que não
se deteria em pontos específicos do anteprojeto da reforma
divulgado pelo Ministério da Educação (MEC),
até porque já se sabia que ele sofreria mudanças.
A idéia era apresentar a visão da USP sobre o ensino
superior no País, a partir do modelo das universidades estaduais
paulistas. O documento a ser redigido pela comissão formada
no Conselho Universitário deve ser mais conciso do que o
do GT, incluindo os seis pontos iniciais de consenso que resultaram
da reunião: além dos dois já citados, o texto
defenderá que as universidades e instituições
de pesquisa devem se integrar para que o tripé ensino-pesquisa-extensão
se desenvolva dentro do sistema, e não isoladamente em cada
entidade; que a distribuição dos recursos pelo sistema
de ensino federal seja planejada de acordo com as demandas e necessidades
de cada uma das unidades de ensino superior; que a composição
do Conselho Nacional de Educação seja alterada para
uma representação mais eqüitativa das instituições
do sistema; e que, em relação ao financiamento, se
adote no plano estadual o que o governo propõe no plano federal
ou seja, o desconto de parcelas da dívida dos Estados
para aplicação de recursos em educação.
Para o pró-reitor Nunes de Oliveira, outro ponto importante
é o que o Conselho Universitário definiu como acesso
e inclusão, para os quais a USP deve apresentar sugestões
que vão além da visão de cotas que tem predominado
no debate sobre o tema. O prazo inicialmente proposto para a discussão
do novo documento é a próxima reunião do Conselho,
marcada para o dia 24 de maio. Compõem o grupo os professores
Franco Lajolo (Faculdade de Ciências Farmacêuticas),
João Humberto Antoniazzi (Faculdade de Odontologia), Silvio
Barros Sawaya (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), Hernan Chaimovich
(Instituto de Química), Roberto Mendonça Faria (Instituto
de Física de São Carlos), Zilda Iokoi (Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas), Eliana Mendes Ramos
(representante dos funcionários) e um representante discente
ainda não definido.
Nova
versão
O debate sobre a reforma universitária terá uma nova
etapa neste mês de maio. Está prevista para os próximos
dias a divulgação da segunda versão do anteprojeto
do governo federal sobre o tema ao contrário do planejamento
inicial do MEC, que era apresentá-la por volta do dia 15
de abril. O MEC publicou seu texto original em dezembro do ano passado
e recebeu, até o final de março, dezenas de sugestões
de emendas e alterações. Uma dessas manifestações
foi encaminhada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
que reconhece na iniciativa uma oportunidade para aprofundar o debate
sobre as questões do ensino superior no País, mas
critica vários pontos da proposta. Tal como apresentado,
o anteprojeto não contém uma estratégia para
o efetivo desenvolvimento do ensino superior no Brasil, afirma
o documento. O Conselho Universitário da Unicamp defende
que é necessário ampliar o escopo da proposta, incluindo
ali uma visão de futuro, metas e identificação
dos meios para viabilizar as mudanças. Um plano
dessa natureza não pode deixar de considerar a necessidade
urgente de ações de Estado que levem ao aumento da
abrangência e ao melhoramento do ensino médio bem como
ao desenvolvimento qualitativo do ensino fundamental.
Barreiras
O ministro Tarso Genro esteve em São Paulo no dia 25 de abril
para fazer a conferência de abertura do Seminário Internacional
Reforma e Avaliação da Educação Superior
Tendências na Europa e na América Latina, em
que defendeu o projeto do governo. De acordo com o ministro, a primeira
versão apresentou os princípios norteadores do que
qualificou como uma transformação que visa a
atender aos anseios da sociedade para a construção
de um País democrático, com autonomia de decisão
sobre os seus destinos: uma universidade republicana, com
expansão de vagas nas instituições federais,
gratuidade da educação superior, qualidade, regulação
e um novo tipo de relação com a sociedade. A
partir desses princípios, estamos colhendo propostas das
entidades e do setor privado e condensando contribuições
para publicar a segunda versão do anteprojeto, mas sem perder
o eixo inicial, porque desse eixo republicano o governo não
abre mão, disse.
Para o ministro, não são pequenas as barreiras a serem
transpostas para a realização da reforma, mas a
caminhada vale a pena. Essa valorização
do papel da universidade contrasta com o quadro brasileiro em que
o sistema de educação superior enfrenta, hoje, o maior
desafio em termos latino-americanos: o nível de acesso é
um dos mais baixos do continente; a proporção de estudantes
nas instituições públicas reduziu-se a um terço
do total; o peso da matrícula e das instituições
privadas na educação superior tornou-se o mais alto
da América Latina, afirmou.
De acordo com o presidente da Comissão Nacional de Avaliação
da Educação Superior (Conaes) e ex-reitor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Hélgio Trindade, o Brasil é
o sétimo país do mundo em número de instituições
de ensino superior privadas. Os Estados Unidos ocupam a vigésima
posição. Ao mesmo tempo, apenas 11% dos jovens brasileiros
entre 18 e 24 anos estão na universidade, contra 88% no Canadá
e 76% na Austrália, realidade que o ministro qualificou como
dramática.
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Genro:
universidade republicana |
Nunes:
comissão cumpriu seu papel |
Europa
debate unificação
Em
sua conferência em São Paulo, na semana passada,
Tarso Genro afirmou que o governo Lula está se
propondo a fazer a primeira reforma fora do esquema ultraliberal
adotado por uma série de outras reformas levadas
a cabo na América Latina a partir dos anos 90. O ministro
defendeu ainda que a reforma universitária no Brasil
não pode ser o resultado de uma imitação
empobrecida do que já foi feito nos países centrais,
até porque, salientou, essas universidades já
estão
em crise.
De fato, a União Européia (UE) está imersa
no chamado processo de Bolonha referência ao
protocolo assinado naquela cidade italiana em 1999 e que prevê
uma remodelação do ensino superior em toda a
Europa Comunitária. O objetivo é que em 2010
exista uma Educação Superior Comum nas 29 nações
signatárias. Os países estão moldando
seu sistema de graduação e introduzindo uma
nova base comum que permitirá o reconhecimento da formação
em qualquer outro membro da UE. Um dos pontos-chave é
o chamado sistema 3 + 2: três anos para obtenção
do grau de bacharelado completados por dois anos para mestrado.
O processo incendiou, de fato, a Europa, disse
no seminário de São Paulo o vice-reitor da Universidade
do Porto, em Portugal, José Ferreira Gomes, numa referência
à forte oposição que as medidas enfrentam
em muitos países e instituições. Já
o diretor de Educação Superior do Ministério
da Educação da França, Yves Vallat, defendeu
a proposta e disse que era necessário que os países
tornassem mais competitivos seus futuros profissionais e desenvolvessem
um sistema único de formação de mão-de-obra
de nível superior. Houve a oportunidade de feliz
encontro entre anseios nacionais e internacionais, disse
Vallat.
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