O enfarte do miocárdio é considerado uma
das principais causas de mortalidade no mundo, respondendo por cerca
de 30% dos casos. Frente a essa constatação, pesquisadores
de todas as partes do mundo procuram soluções para
diminuir esse índice. É o caso de uma pesquisa internacional
que observou que o uso combinado de duas substâncias
o ácido acetilsalicílico e o antiplaquetário
clopidogrel em pacientes com infarte agudo do miocárdio
é muito mais eficaz do que a administração
isolada do ácido acetilsalicílico. O resultado demonstrou
que os pacientes que receberam a medicação apresentaram,
entre o segundo e o oitavo dia após a introdução
da combinação de clopidogrel e ácido acetilsalicílico,
a desobstrução das artérias, comprovada posteriormente
por um exame de cateterismo.
Os dados foram levantados em 22 países, inclusive no Brasil,
a partir de uma coleta realizada em 3.500 pacientes. A coordenação
mundial do estudo é do Brigham and Womens Hospital,
de Boston, nos Estados Unidos, com patrocínio da Bristol
Myers Squibb e da Sanofi-Synthelabo. No Brasil, a pesquisa é
coordenada pelo professor José Carlos Nicolau, do Instituto
do Coração, e conta com a participação
do Hospital Universitário (HU) da USP desde 2004.
O medicamento adicionado ao tratamento, o clopidogrel, é
uma substância que reduz o coágulo na plaqueta durante
o enfarte, enquanto o ácido acetilsalicílico atua
em outras partes. Segundo o superintendente do HU, professor Paulo
Andrade Lotufo, o principal dado é que essa mistura de medicamentos
diminui muito a necessidade de cirurgias coronárias e a revascularização
através da técnica conhecida como ponte de safena.
Tivemos pacientes que enfartaram e a necessidade da ponte
de safena caiu, nesse período do estudo, em 20%, ressalta.
Lotufo explica que o mecanismo do enfarte ocorre na placa de arteriosclerose
da coronária. Por algum motivo, nessa placa forma-se um coágulo,
cujo elemento fundamental para sua formação são
as plaquetas. Quando se atua diminuindo a aderência
entre as plaquetas, ocorre uma ação positiva, ou seja,
elas começam a ser desobstruídas. A aspirina faz esse
papel devido ao salicilato, que atua desobstruindo as plaquetas,
e o clopidogrel também, mas este atua no metabolismo da plaqueta.
Resultados
O que esse estudo está provando é que atuar na aderência
das plaquetas e no seu metabolismo ao mesmo tempo é um processo
benéfico, o que não necessariamente seja lógico,
ressalta Lotufo. Qualquer célula tem um mecanismo muito
complexo e, às vezes, atuar em dois momentos acaba provocando
alguma atividade de compensação interna, piorando
a situação do paciente, ressalva.
Um dos fatos mais importantes para a recuperação do
paciente enfartado foi o conhecimento de que a aspirina, que pode
ser encontrada com facilidade a baixo custo, produz um grande benefício.
O enfartado pode tomar a aspirina durante o processo de enfarte,
o que será de grande ajuda até chegar o socorro principal.
O impacto da aspirina no enfarte agudo do miocárdio é
muito grande, explica Lotufo.
A grande vantagem do novo medicamento é que o paciente, ao
chegar num pronto-socorro, seja este de hospital ou não,
pode tomar a aspirina e o clopidogrel, enquanto se procura vaga
em algum hospital que possa dar um atendimento mais eficaz. Se hospitais
menores começarem a fazer esse atendimento emergencial, já
se conseguirá um impacto significativo na redução
da doença, acreditam os especialistas. Quanto mais rápida
for a atuação para impedir o progresso do infarte,
melhor é a recuperação do paciente. Lotufo
sugere que até os profissionais paramédicos sejam
autorizados a aplicar a aspirina e o clopidogrel no momento da suspeita
do infarte.
Lotufo conta que, no HU, a pesquisa feita com 14 pacientes
enfartados iniciou-se a partir de um recrutamento. No momento
em que o paciente dava entrada no hospital com infarte do miocárdio,
uma equipe conversava com os familiares e perguntava se havia interesse
em participar da pesquisa. Tivemos apenas uma pessoa que não
aprovou a participação.
Seguindo todas as regras éticas de uma pesquisa, procurou-se
aplicar o medicamento sem que nenhum dos voluntários soubesse
se estava ingerindo o medicamento ativo ou apenas o placebo. Nem
mesmo a equipe médica tinha este conhecimento: a partir do
momento em que o paciente dá a autorização,
é acionada uma central telefônica, que já tem
o sistema automatizado e sorteia o que será dado para o paciente,
o placebo ou a medicação ativa. Depois de 72 horas
os pacientes passaram por exames de cateterismo para verificação
das coronárias e verificou-se que o uso da aspirina com clopidogrel
em fase inicial do atendimento da doença foi responsável
pelo ótimo resultado obtido, a redução de mais
de 20% dos óbitos a longo prazo um percentual considerado
alto, quando analisado isoladamente. Para Lotufo, a pesquisa significa
um grande avanço no tratamento da doença por meios
farmacológicos, beneficiando um número muito maior
de pacientes, ao contrário do cateterismo, que atende um
número reduzido. Além disso, outro benefício
é o custo do remédio, bastante inferior ao exame.
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