Para Moore, todas as formas naturais
são uma fonte infindável de interesse - troncos de
árvores, o crescimento de galhos do tronco, cada qual conquistando
seu próprio espaço no ar, a textura da variedade das
gramíneas, o formato das conchas, dos seixos. A natureza
é toda ela uma mostra infinita de forma e contorno, de modo
que me surpreendo com artistas que tentam fugir desse fato.
Elas têm vida própria. E vêm conseguindo
abraçar o público paulistano com as suas formas arredondadas,
com a energia que vem da natureza, com o seu jeito livre, poético
e verdadeiro de ser. É assim, interagindo com o céu
que há cem anos ilumina a Pinacoteca do Estado de
São Paulo que as esculturas do inglês Henry
Moore (1898-1986) vêm cativando a cidade. Grandes no tamanho
e na sensibilidade, trazem a história de um dos mais importantes
escultores do século 20.
Mas a exposição organizada pelo Conselho Britânico
e pela Fundação Henry Moore não se limita apenas
às esculturas. Traz também 72 desenhos e 55 gravuras
produzidas desde 1920. Registra um percurso de 65 anos, cobrindo
todos os aspectos da produção do artista. Todos
os grandes temas por ele tratados estão representados em
formas bi e tridimensionais, tais como figuras reclinadas, mães
e filhos, elmos, figuras internas e externas, formas orgânicas,
figuras em pé, guerreiros, figuras masculinas e formas animais,
entre muitas outras, explica David Mitchinson, diretor da
Fundação Henry Moore. Esses temas estão
agrupados com o intuito de mostrar a maneira de Moore trabalhar,
das pequenas maquetes, passando por modelos de porte médio,
até peças de tamanho maior que o natural.
Mitchinson explica que as monumentais esculturas em bronze são
bem conhecidas, com diversos exemplares integrando coleções
públicas por todo o mundo, enquanto os desenhos, gravuras,
entalhes são, talvez, menos familiares para os brasileiros.
O trabalho mais antigo desta exposição data
de 1922 e o mais recente, de 1985. Porém, a ordenação
cronológica tem pouco significado se comparada com a identificação
dos assuntos pelos quais Moore se interessava.
As obras estão avaliadas em cerca de R$ 270 milhões
e compõem a maior retrospectiva do artista já apresentada
até hoje fora da Europa. Com essa megaexposição,
está aberta a programação do centenário
da Pinacoteca, um dos espaços de arte mais movimentados da
cidade, com cerca de 33 mil visitantes por mês. Ao longo
desse século, a Pinacoteca testemunhou e acompanhou uma mudança
radical no perfil de atuação dos museus de arte. De
um espaço restrito a especialistas, transformou-se em espaço
de inclusão, recebendo diferentes segmentos da sociedade,
orgulha-se Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca. De
uma única e imutável exposição com obras
do acervo, evoluiu para um programa de mostras temporárias
sobre as mais variadas questões de arte e da cultura, associado
a mostras de longa duração com trabalhos de seu acervo.
Hoje, a Pinacoteca reúne mais de 6 mil obras nas mais diversas
técnicas, de autoria de mais de mil artistas diferentes,
oferecendo um panorama abrangente da arte brasileira dos séculos
19 e 20. O diretor Araújo faz um rápido balanço:
Passamos a contar com um quadro de mais de 50 técnicos
e cerca de cem funcionários, todos altamente qualificados.
Incorporamos, em nossas estratégias de comunicação,
a linguagem virtual e a televisão, o marketing e a propaganda.
Nos últimos três anos, recebemos mais de 1 milhão
de visitantes.
Importante lembrar também que o prédio da Pinacoteca
ganhou uma nova vida com a restauração do arquiteto
e professor da USP Paulo Mendes da Rocha. A instalação
das pérgolas no vão central, a valorização
dos espaços e a exposição sob a luz natural
destacaram a beleza da arquitetura de Ramos de Azevedo. Outra conquista
foi a atual Estação Pinacoteca, instalada no antigo
prédio do Departamento Estadual de Ordem Política
e Social (Dops), que está com uma programação
bastante diversificada, com exposições de gravuras,
pinturas, fotografias e lançamentos de livros. Para
além desses indicadores concretos, há todo um universo
de emoções, indescritível e impossível
de ser dimensionado. Pequenas descobertas, grandes revelações,
lembranças, sentimentos, alegrias, dores, encontros,
afirma Araújo. A grande responsabilidade social do
museu de arte, na atualidade, é educar o olhar, sensibilizar
o espírito, condições necessárias para
o exercício da cidadania. Mas a grande tarefa do museu contemporâneo
é, antes de mais nada, reafirmar a individualidade, o espiritual,
o homem como agente criador, único e insubstituível.
É para enfrentar esse desafio que a Pinacoteca do Estado
se repensa, se amplia e propõe novas atividades.
Interação
com a cidade
Logo na entrada da Pinacoteca, o público é saudado
pela escultura Oral com pontas, feita em bronze. Apesar de seus
700 quilos, ela surpreende pela leveza das formas, refletindo o
azul do céu e os tijolos da fachada do museu. Está
ali para lembrar as palavras do artista:
A escultura é uma arte do ar livre. Ela necessita da luz
do dia, do sol, e para mim a natureza é o seu melhor lugar
e complemento. Prefiro que minhas esculturas sejam instaladas na
paisagem, em qualquer paisagem, e não dentro ou na estrutura
do edifício mais lindo que conheço. O fato é
que a escultura ganha ao encontrar um lugar adequado para o seu
temperamento, e quando isso acontece ambos ganham: a escultura e
o lugar.
Com
essa interação, as pessoas deixam de estar na Pinacoteca
para entrar no mundo sem portas de Henry Moore. Conhecer o seu jardim
aberto, que se funde com a paisagem de Hertfordshire. Moore surpreende
pela sintonia com a natureza. Suas obras têm a forma das conchas,
a anatomia dos ossos, a força dos troncos das árvores.
Explicava:
Sempre tive grande interesse por paisagens. Não consigo ler
no trem, nunca: fico olhando pela janela, para não perder
nada. Da mesma forma que as vistas panorâmicas e as formações
de nuvens. Para mim, todas as formas naturais são uma fonte
infindável de interesse troncos de árvores,
o crescimento de galhos do tronco, cada qual conquistando seu próprio
espaço no ar, a textura e variedade das gramíneas,
os formatos das conchas, dos seixos etc. A natureza é toda
ela uma mostra infinita de forma e contorno, de modo que me surpreendo
com artistas que tentam fugir desse fato.
Moore
procura enfocar também a natureza do homem. Valoriza o aconchego
da figura materna. Mostra a saga das famílias antes e depois
da guerra. Homens e mulheres com braços fortes. Guerreiros
lutando pela liberdade.
A idéia de mãe e filho é uma de minhas duas
ou três obsessões, um de meus assuntos inesgotáveis.
Talvez isso tenha a ver com a grande importância do tema Madona
e a criança na arte do passado, com a nossa admiração
pelos antigos mestres e tudo que aprendemos com eles. Mas o assunto
em si é eterno e infinito, permite numerosas possibilidades
escultóricas.
Com
essa preocupação de construir a figura humana com
equilíbrio, dimensão e ritmo e, ao mesmo tempo, com
ideais e emoções, Henry Moore nascido no dia
30 de julho de 1898 no condado de Yorkshire, o sétimo de
oito filhos de um mineiro de carvão tornou-se um dos
escultores mais conhecidos do mundo. Classificado por alguns
como o último dos antigos e por outros como o primeiro dos
novos, ele foi uma personalidade que transpôs o século
20 fazendo uma ligação entre rural e urbano, figurativo
e abstrato, orgânico e manufaturado, explica David Mitchinson.
O entusiasmo pelo trabalho de Moore segue inabalável
por diversos países. Um interesse que, na verdade, parece
ter aumentado nos anos posteriores à sua morte. E os pedidos
para a realização de exposições continuam
em ritmo crescente. O porquê disso é difícil
avaliar. Provavelmente tem algo a ver com a universalidade de seu
imaginário.
A exposição
Henry Moore está aberta até 12 de junho
na Pinacoteca do Estado (Praça da Luz, 2), de terça-feira
a domingo, das 10 horas às 18 horas. O ingresso custa R$
4,00. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone
(11) 3229-9844.
A escultura é uma arte do ar livre. Ela necessita da
luz do dia, do sol, e para mim a natureza é o seu melhor
lugar e complemento. Prefiro que minhas esculturas sejam instaladas
na paisagem, em qualquer paisagem, e não dentro ou na estrutura
do edifício mais lindo que conheço, disse Henry
Moore
Moore
na voz dos críticos
A
presença de obras de Henry Moore no Brasil remonta
a mais de 50 anos. Na 1a Bienal de São Paulo (1951),
o escultor inglês, já então amplamente
reconhecido, e tendo obtido o Prêmio Internacional de
Escultura na Bienal de Veneza em 1949, faz-se representar
em São Paulo com apenas duas gravuras de 1950, as litografias
Figura em pé e Figuras em pé e deitadas. Complexo
e lento processo levou finalmente a termo a possibilidade
da vinda para São Paulo de uma grande peça de
Henry Moore: Modelo para figura reclinada em duas peças:
pontos, de 1969-1970, para a coleção do Museu
de Arte Contemporânea (MAC) da USP, durante a gestão
de Walter Zanini. Esse bronze resultou de intercâmbio
entre a Tate Gallery, de Londres, e o MAC, que enviou, em
troca, uma cópia em bronze de sua matriz em gesso da
escultura Formas únicas de continuidade no espaço,
de Boccioni, que chegara ao MAC através da coleção
do Museu de Arte Moderna (MAM), por Francisco Matarazzo Sobrinho.
A longa correspondência sobre esse intercâmbio
prolongou-se de 1969 até outubro de 1972, quando finalmente
o diretor Walter Zanini atesta a chegada da escultura de Moore
a São Paulo. Deve-se, portanto, à coleção
preciosa do MAC, de Matarazzo Sobrinho, e ao empenho e pertinácia
de Walter Zanini o fato de São Paulo e o Brasil possuírem
hoje uma bela escultura de um dos maiores mestres dessa arte
no século XX.
Aracy Amaral, professora e ex-diretora do Museu de Arte Contemporânea
(MAC)
da USP
Quando
se fala em escultura na primeira metade do século 20,
existem essencialmente três ou quatro grandes correntes,
e Moore ocupa sozinho uma delas. Uma afirmação
dessa contundência exige explicação. Para
compreender o legado do escultor, portanto, é necessário
reavaliar o seu lugar no panorama artístico da época.
Não se trata de historiar sua obra, mas de situá-lo
numa teia mais aberta de tendências criativas, a qual
está ainda e sempre em formação. Em outras
palavras, para entendermos o que Henry Moore tem a nos dizer
hoje, é preciso reconhecer a contribuição
única que ele trouxe para o debate de seu tempo, tarefa
em parte histórica, em parte crítica. Ao apostar
radicalmente no inverso das propostas formais que caracterizam
a maior parte da escultura modernista, o singular artista
abriu um caminho hoje mais atual do que nunca.
Rafael Cardoso, escritor e professor do Departamento de Artes
e Design da PUC-Rio
Embora
conhecido principalmente como escultor, Henry Moore passou
a vida toda desenhando, tendo produzido mais de 7 mil trabalhos.
A série mais conhecida por ele, denominada Abrigo,
consolidou sua carreira artística e permitiu que deixasse
de lado o ensino como forma de ganhar a vida. Muitos dos desenhos
são estudos da figura humana, de animais e de outras
formas do mundo natural: alguns exploram idéias para
esculturas, outros representam esculturas existentes em inúmeros
cenários imaginários. Moore descobriu no bico-de-pena
um recurso para ressaltar formas, e utilizou os aquarelados
e aguadas para quebrar a superfície uniforme do plano
pictórico. Ao contrário 1de outros escultores-desenhistas,
como Rodin ou Degas, não se interessava pela representação
da figura em movimento; seus sujeitos geralmente estão
em pé, sentados ou reclinados. Tendem a ser contemplativos,
sugerindo uma qualidade eterna em vez de um momento fugaz.
Anita
Feldmann Bennet, curadora da Fundação Henry
Moore
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