Painéis formados por azulejos azuis sobre um fundo
branco retratam cenas do cotidiano dos bandeirantes e seus descendentes,
primeiros habitantes da região. A primeira impressão
que o visitante tem ao entrar no Museu Republicano Convenção
de Itu da USP é que se trata de uma instituição
dedicada à memória paulista. Uma construção
simbólica que se estende até o movimento republicano,
responsável pelo fim da monarquia no Brasil. A disposição
das imagens fornece um sentido de continuidade, reforçando
a idéia de que os bandeirantes traziam, desde o período
colonial, o espírito republicano. A visita ao
andar superior do sobrado que abriga a instituição
amplia essa percepção a partir da utilização
de móveis e outros objetos que retratam o modo de vida de
meados da segunda metade do século 19 e reconstituem parcialmente
o ambiente em que ocorreu a reunião do dia 18 de abril de
1873, mais conhecida como Convenção de Itu, de um
grupo de membros da elite paulista que marcou a fundação
do Partido Republicano Paulista (PRP).
O museu foi concebido por um grupo de republicanos como um
marco para a preservação da memória do partido
e de seus fundadores, explica o professor Jonas Soares de
Souza, historiador do museu. Primeiro diretor da instituição,
assim como do Museu Paulista, Afonso de Escragnolle Taunay começou
a organizar o acervo do museu, obtido graças principalmente
às doações feitas por parentes dos convencionais,
além de outros detalhes, como os painéis de azulejos
colocados na entrada, que representam a idéia de que a República
era uma aspiração dos paulistas desde os tempos dos
bandeirantes, conta. Podemos dizer que a ação
de Taunay marca a primeira fase do museu, que se estende até
1983, ano em que começa a segunda, quando a USP iniciou a
reforma do edifício, que durou dez anos e incluiu a consolidação
das paredes, abaladas por construções no entorno,
substituição de forros, pisos e esquadrias, além
da recomposição da cobertura e do piso e da organização
da biblioteca no sentido de transformar a instituição
em um centro de estudos da República Velha.
Fundado em 18 de abril de 1923, por ocasião do Cinqüentenário
da Convenção, o museu obteve grande apoio popular
dos habitantes de Itu. Mas o projeto decolou graças ao fato
de o paulista Washington Luís Pereira de Sousa ter assumido
a Presidência do Estado de São Paulo. Estudioso da
história paulista, o futuro presidente da República
(derrubado do poder pela Revolução de 1930) facilitou
a compra da casa, que pertencia à família Almeida
Prado, por 40 contos de réis. A partir daí o sobrado
construído como moradia da família de Carlos Vasconcelos
de Almeida Prado, de paredes de taipa de pilão e pau-a-pique,
palco do início da organização do movimento
republicano em São Paulo, passou a abrigar a memória
da ação paulista no advento do novo regime. Desde
o início o Museu Republicano ficou ligado administrativamente
ao Museu Paulista. Ambos foram integrados à USP em 11 de
março de 1963.
Centro
de referência
Mas a instituição não vive apenas do passado.
Seu olhar se mantém no futuro. Para tanto, está em
gestação, com o apoio da Coordenadoria do Espaço
Físico (Coesf) e da Reitoria da USP, a ampliação
do museu a partir da organização de um anexo, que
deverá abrigar a administração, a reserva técnica
e a biblioteca. Inicialmente pensamos em construir o anexo
nos fundos de um terreno que a Universidade possui na região
central da cidade, afirma Eny de Mesquita Samara, diretora
do Museu Paulista e do Museu Republicano e professora do Departamento
de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH). Mas, há poucos dias, a Prefeitura
de Itu, que sempre nos apoiou muito, sinalizou com a possibilidade
de disponibilizar um prédio, também na região
central, em regime de comodato, para que possamos instalar o anexo,
diz. Essa opção é ótima, pois,
caso se efetive, não precisaremos construir um novo prédio,
o que permitirá que o projeto se torne realidade de forma
mais rápida e menos onerosa, explica. Qualquer
que seja a decisão final, o fato é que a Reitoria
está dando amplo apoio para o projeto, pois imediatamente
compreendeu a importância da iniciativa para a sociedade.
Segundo a diretora, o benefício imediato será a ampliação
do espaço expositivo do museu, com a saída da administração,
biblioteca e da reserva técnica. E, o mais importante, o
anexo permitirá que seja integrado à biblioteca do
museu o acervo particular do historiador Edgard Carone, morto em
27 de janeiro de 2003, também professor da USP, famoso por
organizar e disponibilizar em suas obras centenas de documentos
fundamentais para a compreensão do Brasil republicano e do
movimento operário. O Banco Itaú assumiu o compromisso
de comprar a biblioteca de Carone por cerca de R$ 800 mil e doá-la
à Universidade, informa. Mas, antes de isso ocorrer,
estamos fazendo um levantamento minucioso dos livros e documentos
que, talvez, cheguem a um total próximo de 20 mil títulos.
Para tanto estamos contando com o apoio do Sistema Integrado de
Bibliotecas da USP, o Sibi, diz. Com a incorporação
desse rico acervo, o Museu Republicano vai poder fortalecer ainda
mais sua importância nos estudos sobre República Velha.
Nossa expectativa é que consigamos transformá-lo em
um centro internacional de referência na área.
Para o historiador Jonas Souza, o museu está entrando em
sua terceira fase de expansão. A construção
do anexo e a incorporação da biblioteca Edgard Carone
são, sem dúvida, os marcos iniciais de um novo período,
afirma. Há muitos anos, em um seminário realizado
aqui no museu, Carone manifestou o desejo de que sua biblioteca
particular viesse para Itu, conta. Se atualmente atendemos
estudantes de diferentes universidades da região e do País,
que têm utilizado nosso acervo para produzir suas teses e
dissertações, gerando novos conhecimentos, com essas
mudanças esse processo só tende a crescer, explica.
Isso sem contar a área expositiva, que vai crescer
muito, permitindo que objetos que estão guardados na reserva
técnica possam ser exibidos para o público, além
da criação de uma maior quantidade de exposições
temporárias.
A
força dos livros
Atualmente o acervo da biblioteca do museu conta com 6 mil volumes
(livros e teses), 200 títulos de periódicos e 23 títulos
de jornais da região referentes ao período de 1870
a 1930, entre eles A Cidade (1922-1934), República (1904-1926)
e A Federação (1907-1930). Desse total, 1.222 volumes
e 95 títulos de periódicos compõem a Biblioteca
Prudente de Moraes, núcleo inicial do acervo do museu, doada
na década de 1920 pela família do primeiro presidente
civil do Brasil, junto com uma série de objetos de uso pessoal,
além de móveis. A coleção possui
obras de jurisprudência, legislação, relatórios
provinciais e de setores da administração central,
anais da Câmara Federal e do Senado, conta a bibliotecária
Maria Cristina Monteiro Tasca. Além disso, também
há raridades, como romances franceses e obras sobre medicina
alternativa, como um livro sobre homeopatia, de autoria de D. Cochrane,
constantemente utilizado por Prudente de Moraes que, vítima
da tuberculose, tentou se curar de todas as formas disponíveis
na época.
Além de prestar auxílio às pesquisas de graduandos
e pós-graduandos, a biblioteca também oferece serviços
de orientação bibliográfica aos usuários
interessados em aprender sobre o uso de normas de referências
bibliográficas em trabalhos acadêmicos. Escolas e agências
de turismo também recebem orientações que visam
à valorização da importância do acervo
do museu que, dada a sua especificidade, é vital para os
estudos regionais e sobre a Primeira República ou República
Velha. Dependendo da obra, o museu também faz empréstimos
para bibliotecas de outras instituições. Segundo Souza,
foi na gestão de José Sebastião Witter que
teve início uma campanha para a doação de livros
para a biblioteca do museu. Muitos professores da Universidade
e moradores da região fizeram as doações que
permitiram o enorme crescimento do acervo, conta. Na
prática, as ações de todos os diretores foram
fundamentais para conseguirmos chegar onde estamos.
O Museu Republicano também possui um grande volume de documentos
sobre a história regional. São cerca de 350 metros
lineares de documentação, cuja cronologia abrange
desde o século 18 até o 20. Esse acervo é composto
por documentos administrativos e científicos gerados pela
própria instituição, as Coleções
Washington Luiz, Paulino de Lima, José Álvares Lobo,
Gabriel Prestes e Movimento Republicano Paulista, os Fundos Prudente
de Moraes, Francisco Nardy Filho, Ermelindo Maffei e 3º Batalhão
de Caçadores Voluntários de 1932. Além disso,
graças principalmente a um acordo com estâncias do
Poder Judiciário, o museu agregou ao acervo, em regime de
comodato, o Arquivo Central da Comarca de Itu (1754-1969), o Arquivo
do Primeiro Ofício de Porto Feliz (1760-1965) e registros
de estrangeiros que residiram em Itu, para que pesquisas sobre a
região possam ser melhor desenvolvidas.
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Eny:
projeto de relevância social |
Maria
Cristina: acervo precioso |
Souza:
marco da idéia de república |
Após entrar no museu e observar as cenas do passado paulista
nos azulejos, representações feitas sob a supervisão
de Taunay, o visitante se depara, no andar superior, com a sala
onde a Convenção foi realizada. No centro, uma mesa
com cadeiras distribuídas ao seu redor. Na sala ao lado um
piano e uma mesa de jantar, móvel efetivamente usado durante
a reunião dos primeiros republicanos. Um texto explica que
o ambiente foi parcialmente reconstituído por Taunay, que
teve a colaboração de Augusta da Fonseca Almeida Prado,
esposa de Carlos Vasconcelos de Almeida Prado, dono da casa. Era
nesse espaço que os fazendeiros da região, amigos
dos Prado, ouviam saraus, provavelmente ainda inspirados nas modas
musicais européias.
Em outro ambiente temos os quadros de alguns dos convencionais,
entre eles presidentes e ministros da República Velha, pintados
por artistas famosos, como José Ferraz de Almeida Júnior,
Tarsila do Amaral e Oscar Pereira da Silva, a partir de retratos
fornecidos pela família. Os convencionais eram jovens
quando fundaram o partido, explica Souza. Mas o que
vemos são pinturas de homens maduros e idosos, devido às
fotografias que foram fornecidas aos pintores terem registrado outros
momentos de suas vidas.
Essas pinturas dividem o espaço com móveis que pertenceram
a Prudente de Moraes, além de outros quadros, entre eles
a representação da Convenção, uma reconstrução
onde aparecem os 133 signatários do documento de fundação
do PRP. Os presentes na Convenção eram algo
em torno de 30 pessoas, representantes de cerca de 16 cidades paulistas,
explica Souza. O que aconteceu é que, depois, o documento
foi levado de fazenda em fazenda e a outras cidades, para que outros
simpatizantes da causa republicana o assinassem, processo que culminou
com as 133 assinaturas, explica. A representação
da cena no sobrado, com os 133 signatários, é, portanto,
o que chamamos de invenção das tradições,
uma mera representação com o objetivo de conferir
um certo heroísmo ao passado.
Há ainda uma sala que representa um quarto de dormir do final
do século 19 e outros espaços, dedicados às
eleições na República Velha, ao início
da industrialização do Brasil, na virada do século
19 para o 20, bustos e pinturas dos presidentes do período,
pinturas dos componentes do primeiro Ministério e obras que
remetem à Inconfidência Mineira como movimento importante
para o estabelecimento do sentimento republicano.
A idéia de que o museu está entrando em uma terceira
fase também é compartilhada pela professora Eny. Como
no Museu Paulista, em breve instalaremos totens de informações
multimídias, um sistema de visitas teleguiadas e catracas
eletrônicas, conta. Também estamos desenvolvendo
um portal que permitirá a visita virtual a ambos os museus,
informa. A nova fase inclui, ainda, a ampliação
dos cursos, simpósios e ciclos de palestras que serão
oferecidos para a comunidade, uma nova linha de publicações,
específica para o Museu Republicano, em parceria com a Edusp
(Editora da USP), um novo folder informativo, uma lojinha para visitantes
e a realização de grandes eventos, como o 1º
Seminário de História do Açúcar, em
novembro.
O Museu
Republicano Convenção de Itu da USP fica na rua Barão
de Itaim, 67, em Itu (SP). Aberto de terça-feira a sábado,
das 10h às 15h45, e aos domingos, das 9h às 15h45.
Entrada franca. Mais informações pelo telefone (11)
4023-0240.
O Museu Republicano de Itu da USP reconstitui
o ambiente em que, em 18 de abril de 1873, deu-se a reunião
de fundação do Partido Republicano Paulista, decisivo
para a instauração do novo regime: projetos pretendem
aproximar cada vez mais
a instituição dos pesquisadores e do público
em geral
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