PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  

 


O reitor Salvato Trigo, da Universidade Fernando Pessoa,
em visita ao Centrinho da USP,
em Bauru: "Tenho muito interesse nesta parceria, que elevará o
grau de diferenciação de nossa universidade e estreitará os laços carinhosos já existentes entre Brasil e Portugal"

 

 

 

 



A
ssim como os portugueses que navegaram pelos oceanos em busca de novos horizontes – dos mais conhecidos, como Vasco da Gama, aos anônimos, como Nicolau Coelho –, Salvato Trigo navega por mares virtuais (via web, por onde ele responde e-mails rapidamente) e reais, levando e trazendo informações preciosas para o homem do novo século. Como os navegadores de outrora, Trigo – responsável direto por mais de 4 mil alunos na condição de reitor da Universidade Fernando Pessoa, de Porto, Portugal – vem ultrapassando fronteiras e enfrentando oceanos de idéias, a propor intercâmbios, parcerias e novos modelos de ensino superior em mares nunca dantes navegados.

Sua mais recente viagem, no final de junho, teve como destino a cidade de Bauru, município que já havia visitado 15 anos atrás. A meta era firmar acordo de cooperação com o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, o popular Centrinho. “Tenho muito interesse nesta parceria, que elevará o grau de diferenciação de nossa universidade e irá estreitar os laços carinhosos já existentes entre Brasil e Portugal”, disse Salvato Trigo.

A parceria deve ser firmada por meio da Rede Sabiá – uma plataforma de cooperação entre universidades e faculdades de diversos países, oficialmente denominada Associação Universitária Internacional (Auni), criada há menos de um ano com o conceito de ensino pós-graduado (lato e stricto sensu) e a meta de organizar novos cursos. “Os diplomas, formações e qualificações profissionais adquiridos pelos alunos serão reconhecidos por todos os membros da rede”, explica Salvato Trigo, que preside a rede.

Em outubro de 2004, o vice-reitor da USP, professor Hélio Nogueira da Cruz, esteve na cidade do Porto, em Portugal, para assinar o termo de criação da Rede Sabiá. “Agora também queremos integrar o Centrinho nessa teia de saberes”, acrescenta Trigo.

Além da USP, participam da Rede Sabiá a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Luterana do Brasil (Rio Grande do Sul), Universidade de Toulon-Var, o Réseau Mediterranéen des Centres de Communication (ambos da França), a Universidade Fernando Pessoa e a Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), que, em conjunto, formam o conselho geral da entidade.

“A Rede Sabiá representa uma excelente oportunidade para a troca de experiências entre alunos e professores de diferentes países, além de permitir o acesso a qualificações profissionais e diplomas que serão reconhecidos por instituições de quatro países diferentes – Brasil, Portugal, Espanha e França”, explica Cremilda Medina, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, coordenadora de Comunicação Social da USP e uma das docentes envolvidas na criação da rede. “Isso criará mais oportunidades de trabalho para os detentores dessa formação”, diz ela.

Para o superintendente do Centrinho, professor José Alberto de Souza Freitas, o Tio Gastão, a parceria é uma oportunidade de multiplicar conhecimentos tão específicos quanto os aplicados nos tratamentos das patologias orais e distúrbios da comunicação – áreas em que o hospital universitário de Bauru já oferece cursos de pós-graduação nos níveis de mestrado e doutorado. “A idéia é partilhar com os profissionais portugueses, por meio de cursos de mestrado profissionalizante, a experiência que adquirimos em tantas décadas de trabalho”, afirma Tio Gastão.

Necessidade

A parceria vai ao encontro dos objetivos propostos pela Declaração de Bolonha, que impõe – desde junho de 1999, quando foi assinada conjuntamente pelos ministros da educação europeus – a necessidade de reformulação do ensino superior da União Européia, alargando e solidificando os horizontes das dimensões intelectuais, culturais, sociais, científicas e tecnológicas. “Toda nação que pretenda crescer e valorizar o seu povo sabe que não há outro caminho para isso senão pela educação”, observa Trigo. “Na Europa estamos discutindo a Declaração de Bolonha, que se destina a promover uma profunda mudança no ensino superior, que antes era centrado no docente e agora tem o aluno como agente ativo no processo de aprendizagem”, explica. Para ele, acabou a era do aluno passivo, que reproduz os conhecimentos adquiridos em sala de aula. E vai além: aprova, sem medo, que a educação tenha sido discutida abertamente nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para Trigo, essa questão precisa ser vista com pragmatismo: “Não há como negar: a educação é um produto de primeira necessidade, tal qual é o pão, e seu mercado é uma realidade sem volta”.

Para Salvato Trigo, o importante é que a educação esteja na pauta dos projetos socioeconômicos de todas as nações, pois só desta maneira o saber poderá ser valorizado como deve. “O conhecimento é muito valioso e, por isso mesmo, desvalorizado quando tratado como uma caridade”, dispara. Além dos países da União Européia, mais cinco países defendem a entrada da educação na lista de serviços do Gats: Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e Japão.

Na Universidade Fernando Pessoa, que conta com três faculdades (Ciência e Tecnologia, Ciências da Saúde e Ciências Humanas e Sociais, num total de 4.029 alunos de graduação e 178 de pós-graduação), a área da saúde foi escolhida como “de excelência”, que deve manter parcerias internacionais com centros especializados para formar recursos humanos e oferecer atendimento de ponta a populações de baixa renda. “Nessa área, especialmente, elegemos a USP como parceira, por meio do Centrinho, evidentemente porque se trata de uma instituição de excelência”, diz Trigo.

Para o reitor, o grande problema da UFP, hoje, é atender à demanda de pacientes carentes que buscam tratamento nas clínicas odontológicas da universidade: de 140 a 150 pessoas por dia. “Os atendimentos são oferecidos por generalistas. O que precisamos, agora, é formar especialistas”, diz.


Itinerários régios


Não devemos olhar a universidade como um conjunto de estruturas físicas, mas um conjunto de saberes e competências, que podem – e devem – ser deslocados para multiplicar recursos humanos. Com essa idéia, Salvato Trigo deseja levar o “saber universitário” até as pessoas, a exemplo do que acontecia, na Idade Média, com a Corte Real, que acompanhava o rei para onde ele seguia. “O rei deixava o palácio para visitar os povoados, de modo que se deslocava com sua corte. Da mesma forma, pode ocorrer com a universidade: desloca-se o docente e não toda a demanda de alunos.” Na prática, a parceria entre a UFP e o Centrinho consistiria na formação de um corpo docente que possa ir até Portugal para ministrar cursos de mestrado e doutorado, numa perspectiva de capacitar agentes multiplicadores. A próxima etapa, depois da conversa inicial entre Salvato Trigo e o superintendente do Centrinho, é formalizar a parceria perante e com o necessário aval da própria USP.

A sugestão da Universidade Fernando Pessoa, seguindo o modelo da Declaração de Bolonha, é dividir o ensino superior em três ciclos: a graduação (primeiro ciclo, com foco na empregabilidade e de responsabilidade do Estado), especialização (segundo ciclo: curso de mestrado com 360 horas de carga horária) e microespecialização (terceiro ciclo: doutorado, com tutoria para a elaboração da tese). Numa tendência mundial, o doutorado tem solidificado as carreiras profissionais, atribuindo grau de qualidade ao desempenho do profissional.

Por outro lado, aqueles que passam anos no meio acadêmico até concluir o pós-doutorado – no Brasil é comum o estudante passar até 20 anos nas universidades – não encontram vaga no mercado de trabalho pela falta de experiência. Daí, segundo Trigo, a importância dos dois primeiros ciclos, voltados à profissionalização, e seu aprimoramento, no doutorado. Trigo defende a necessidade de interação entre a academia e o mercado de trabalho. Para ele, a troca de conhecimentos entre os que estão no mercado e os acadêmicos é fundamental para a reciclagem do saber.

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]