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Haddad: uspiano "de carteirinha"

Como último ato de sua gestão à frente do Ministério da Educação, o ex-ministro Tarso Genro entregou ao presidente Lula, no dia 29 de julho, a terceira versão do Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior, que, após ser analisada na Casa Civil, será encaminhada ao Congresso Nacional. Logo após a entrega, Genro transmitiu o cargo ao novo ministro da Educação, Fernando Haddad.

Reescrito depois de meses de debates em todo o País, o documento, com 69 artigos, assegura a autonomia das universidades, afirma que a União poderá financiar instituições estaduais e municipais de ensino superior, mantém o sistema de cotas e permite a atuação das fundações privadas de apoio ao ensino e à pesquisa (leia no texto ao lado algumas das propostas do anteprojeto).

Para a pró-reitora de Graduação da USP, Sonia Penin, a terceira versão do anteprojeto mantém o mesmo erro crucial das duas edições anteriores: ela não promove a integração do ensino superior com os outros níveis de ensino, o que, segundo a pró-reitora, é fundamental para o fortalecimento da educação no Brasil. Ao contrário, a lei proposta favorece a fragmentação. Sonia defende que a legislação sobre o ensino superior deve ser vista não como uma reforma do setor, mas sim como uma emenda à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que já contempla a educação brasileira como um sistema integrado. “O Conselho Estadual de Educação se manifestou nesse sentido”, afirma Sonia. “Não podemos legislar separando a universidade de todo o sistema de ensino do País.”

Sonia lembra que, em entrevistas à imprensa, o ministro Fernando Haddad tem defendido a integração dos diferentes níveis de ensino – do fundamental ao superior –, mas essa intenção não está presente no documento divulgado no dia 29. “Temos que passar das palavras para a ação.”

Mas a pró-reitora também vê “pontos interessantes” no anteprojeto. Entre eles, Sonia destaca o artigo 49, que garante o repasse às universidades federais de pelo menos 75% da receita destinada à educação. “Não sei se será suficiente, mas já é um avanço”, diz. Ela considera positivas também as normas que permitem o apoio da União às instituições estaduais e municipais, estabelecem o mínimo de um terço das matrículas de graduação no turno noturno e promovem a assistência estudantil. “Há propostas interessantes, mas falta a integração do ensino superior com todo o sistema de educação.”

Financiamento

O vice-presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), professor Francisco Miraglia, criticou a terceira versão do anteprojeto. Segundo ele, a forma de financiamento das universidades federais prevista no texto é insuficiente para garantir a autonomia financeira das instituições. Aparentemente vultoso, o repasse de 75% da receita destinada ao ensino esbarra numa série de descontos. De todos os recursos obtidos através do imposto no Brasil, cerca de metade é repassada aos Estados e municípios. Da outra metade, tiram-se 18% destinados ao ensino – ainda sujeitos à Desvinculação de Recursos da União (DRU), que permite ao governo utilizar 20%, desses 18%, para outras despesas.

É desses 18% sujeitos à DRU que se tiram os 75% para o ensino superior. “As federais precisam de muito mais”, diz Miraglia. “A proposta da Adusp é que o porcentual de repasse seja aumentado de 18% para 25%, sem estar sujeito à DRU.” O vice-presidente da Adusp considera ainda que Estados com menor arrecadação devem receber verbas proporcionalmente maiores. É uma forma de combater as grandes desigualdades regionais do País, diz.

Miraglia afirma ainda que a legislação precisa criar mecanismos de controle rigoroso sobre as instituições privadas e mudar a estrutura do Conselho Nacional de Educação (CNE) – a fim de que o interesse privado não se sobreponha ao público. O incentivo do anteprojeto aos cursos superiores de educação a distância também é criticado pelo professor, para quem a presença de alguém mais experiente é fundamental para a formação do menos experiente. “O anteprojeto, da forma como está, nos causa muita preocupação.”

Já o professor José Sérgio Fonseca de Carvalho – chefe do Departamento de Filosofia e Ciências da Educação da Faculdade de Educação da USP – percebe um “aperfeiçoamento notável” entre a primeira e a terceira versão do anteprojeto. Ele elogia as diretrizes fundamentais do Ministério da Educação, que vêem a cultura e a formação humana como um “bem público”. Reconhecendo ser “ingenuidade” acreditar que esse ideal seja plenamente alcançado, o professor destaca que cabe ao governo, através de suas ações, reforçar ou atenuar a idéia de educação como bem público. “O anteprojeto se compromete com essa visão e, nesse sentido, é bem-vindo.”

Carvalho lembra que, elaborado sob o regime democrático, o anteprojeto reflete as várias tendências da sociedade e, por isso, sempre terá propostas que desagradam uma parcela da população. Ele mesmo considera “indesejáveis” medidas que transferem recursos públicos para pagar matrículas de alunos em escolas privadas, como faz o Programa Universidade Para Todos (Pró-Uni), do Ministério da Educação. O “enfraquecimento” do controle sobre o ensino privado, que aponta na terceira versão do anteprojeto, é outro item “indesejável”, acrescenta. No entanto, ele diz, antes uma lei democrática do que uma legislação marcada por uma visão única, como ocorreu com as reformas da educação de 1931, sob o governo Vargas, e de 1968, sob a ditadura militar. “Além disso, sempre há a possibilidade de discutir mais e aperfeiçoar a lei.”

 


Ministro estudou o sistema soviético

Empossado em 29 de julho, o novo ministro da Educação, Fernando Haddad, é um uspiano “de carteirinha”, como ele mesmo disse no dia 11 de março, na USP, quando veio à Universidade discutir o anteprojeto de reforma do ensino superior. Advogado graduado pela Faculdade de Direito da USP, ele é mestre em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP com a dissertação “O caráter socioeconômico do sistema soviético”, apresentada em outubro de 1990. Para escrevê-la, foi aluno visitante da McGill University, do Canadá, entre março e dezembro de 1989. O doutorado em Filosofia foi obtido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, ao defender a tese “De Marx a Habermas – O materialismo histórico e seu paradigma adequado”, em agosto de 1996. Atualmente Haddad é professor licenciado do Departamento de Ciência Política da FFLCH, onde ensina teoria política contemporânea. Ainda como aluno de Direito, foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, em 1985.

O ministro publicou quatro livros: O sistema soviético (Scritta Editorial, 1992), Em defesa do socialismo (Vozes, 1998), Desorganizando o consenso (Vozes, 1998) e Sindicatos, cooperativas e socialismo (Editora Fundação Perseu Abramo, 2003). Tem também artigos publicados em jornais e revistas especializadas. Um deles é “Teses sobre Marx”, publicado na edição 34, de 1998, de Estudos Avançados, revista do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Ter estudado o sistema soviético e escrito em defesa do socialismo não impediu o ministro de ser analista financeiro do Unibanco, uma das atividades profissionais listadas no seu currículo. Ele também atuou como consultor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e como chefe de Gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo. Antes de assumir o Ministério da Educação, era o secretário-executivo da Pasta. “As ações do MEC não têm partido nem governo. São ações de Estado”, disse o ministro na cerimônia de posse do cargo, no dia 29 passado, com a presença do presidente Lula. Aos 42 anos, Haddad – o mais novo ministro do governo – é casado e pai de dois filhos.

 



O que diz o novo texto

A seguir, algumas
propostas da terceira
versão do Anteprojeto
de Lei da Reforma
da Educação Superior.

· Cursos superiores poderão ser ministrados nas modalidades presencial ou a distância.

· A Capes elaborará a cada cinco anos o Plano Nacional de Pós-Graduação. Esse plano deve contemplar a articulação da pós com a graduação, a expansão de vagas, as áreas do conhecimento a ser incentivadas e o desenvolvimento das regiões com indicadores sociais inferiores à média nacional.

· Pelo menos 70% do capital total e do capital votante das mantenedoras de instituições de ensino superior privadas devem pertencer a brasileiros.

· É vedada a franquia no sistema de educação superior.

· A liberdade acadêmica é protegida contra “o exercício abusivo de poder interno ou externo à instituição”.

· Classificam-se como universidades as instituições de ensino superior que oferecem pelo menos 16 cursos de graduação ou de pós-graduação stricto sensu, um terço do corpo docente em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva e metade com titulação de mestrado ou doutorado, sendo, pelo menos, metade destes doutores. O ensino, a pesquisa e a extensão são indissociáveis.

· As instituições de ensino superior deverão elaborar seus Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI), que conterão projeto pedagógico da instituição e demonstração da relação entre o projeto pedagógico, a finalidade da educação superior e o compromisso social da instituição.

· A União poderá participar do financiamento das instituições estaduais e municipais de ensino superior.

· As universidades deverão constituir um conselho social de desenvolvimento, que terá caráter consultivo.

· O credenciamento de instituição de ensino superior somente será concedido após três anos a partir do ato de pré-credenciamento pelo poder público responsável.
· As universidades federais terão como diretriz a inclusão de grupos sociais e étnico-raciais.

· O plano de trabalho das instituições federais com suas fundações de apoio deve constar do Plano de Desenvolvimento Institucional.

· As universidades federais elegerão o reitor e o vice-reitor mediante eleição direta pela comunidade universitária.

· A União aplicará anualmente, nas instituições federais de ensino superior, pelo menos 75% da receita constitucionalmente vinculada à educação.

· As instituições federais de ensino superior deverão alcançar, até 2015, sem prejuízo do mérito acadêmico, a proporção de pelo menos 50%, em todos os cursos de graduação, de estudantes egressos do ensino médio público.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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