Cerca de 40% das pessoas sem visão estão
cegas por doenças reversíveis, como a catarata. Para
combater esse quadro e pensar políticas públicas para
a saúde ocular, cinco centros de atendimento hospitalar instalados
em São Paulo, Campinas, Curitiba, Goiânia e Recife
foram indicados para conduzir atividades de pesquisa dentro do Projeto
Visão 2020, uma proposta da Organização Mundial
da Saúde (OMS) e da International Agency Prevention of Blindness
(IAPB), que incentiva o combate à cegueira.
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP é
uma das escolhidas. Através da disciplina de Oftalmologia
do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia
de Cabeça e Pescoço, ela coordenará o projeto
em Ribeirão Preto. O número 2020 se refere ao ano
estabelecido pelos médicos para tentar erradicar a maior
parte das doenças que causam cegueira e, ao mesmo tempo,
trata-se de um jogo de palavras relacionado a um teste de visão
internacional, segundo o qual uma boa visão é aquela
que atinge 2020 na escala de acuidade.
De acordo com o professor e médico Eduardo Melani Rocha,
coordenador de residência da Oftalmologia do Hospital das
Clínicas (HC) da FMRP, o projeto pretende diminuir os índices
brasileiros de cegueira. Vale ressaltar que não é
uma campanha de prevenção apenas, mas um projeto que
vai propor estratégias para reduzir a incidência de
cegueira nos próximos anos, diz Rocha. Vamos
treinar agentes de saúde para que reproduzam os métodos
de prevenção onde forem trabalhar, avaliando os processos
executados na comunidade.
Ainda em fase de montagem, os grupos convidados se reunirão
em Brasília, em data ainda não determinada, para um
encontro internacional. Nele, serão traçadas as metas
para o ano de 2006, quando pretende-se implementar as estratégias
de ação.
Rocha vai coordenar o projeto no que se refere ao planejamento das
atividades da campanha, à avaliação dos resultados,
aos procedimentos adotados e ao treinamento de pessoal. A coordenação-geral
fica por conta da professora Maria de Lourdes Veronese Rodrigues.
A equipe é composta de 24 residentes e 40 profissionais.
O projeto também está aberto à participação
de alunos de graduação.
Campanha
de exame de vista em Ribeirão Preto: orientação
à população
Realidade
A FMRP já realiza vários projetos de atendimento a
comunidades carentes, para avaliação de pessoas com
problemas visuais. Só que essas campanhas nunca passavam
por avaliações que mostrassem o quanto são
efetivas e qual seu custo-benefício. Com o Projeto
Visão 2020 pretendemos traçar uma meta de pesquisa
que levantará dados para uma proposta de política
pública para o Estado, o Município e até o
País, explica Rocha.
O professor, que participa de campanhas de prevenção
há pelo menos 15 anos, afirma que são preciso entender
os resultados dessas ações depois de aplicadas na
comunidade. Outra preocupação dele é formar
pessoal de saúde para lidar com a nova realidade. Segundo
Rocha, essa nova realidade se volta para uma população
que está vivendo mais tempo, fazendo com que o número
de pessoas idosas aumente. Os dados mostram que indivíduos
acima de 60 anos representam hoje 15% da população
brasileira. Os números dobraram nos últimos 20 anos.
O problema, para o médico, é que cada vez mais os
recursos para tratamento dos idosos são restritos, pois os
custos da medicina aumentam. Com o aumento da sobrevida, aumentam
os custos relacionados à manutenção da saúde
do idoso, explica.
Sabe-se que as principais causas de cegueira no mundo são
a catarata, a falta de óculos, o glaucoma e o diabetes. E
a prevenção pode ser feita com cirurgia, prescrição
de óculos, tratamento e controle efetivo da doença.
Mas, diz Rocha, o problema da cegueira no Brasil não é
só devido ao crescimento da população idosa.
Há também um problema cultural, que esbarra na dificuldade
de locomoção e de acesso, no custo do tratamento,
no medo e na insegurança do paciente. Acreditamos que,
ao se estabelecer uma rotina de atenção ao problema
da cegueira, traçando uma estratégia no atendimento
aos problemas e identificando-os como críticos, é
possível criar uma política pública que perpetue
a manutenção da qualidade da saúde ocular dos
indivíduos, ressalta Rocha.
Em
bauru, braile fica fácil
Tempo
claro e tarde quente no último 4 de agosto. Doze crianças
e adolescentes sentados em roda. Muita música e conversa.
Esperteza e curiosidade. A gente vai aprender a cantar
em primeira e segunda voz?, pergunta, com euforia, a
estudante Débora, 11 anos. Você já
sabe isso?!, espanta-se a regente voluntária
Regina Damiati. É a primeira vez que ela integrante
do grupo Mulheres da Unimed inicia um trabalho com
uma turminha como essa: deficientes visuais acolhidos pelo
Centro de Atendimento de Distúrbios da Audição,
Linguagem e Visão (Cedalvi), uma unidade do Hospital
de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da
USP, o popular Centrinho, em Bauru. Com certeza, também
vou aprender muito, diz a regente. A afinação
da voz está na audição. E este é
um sentido que esse grupo parece ter desenvolvido muito bem.
A pedagoga Suzana Rabello pioneira nesse setor
do Cedalvi, que atende pessoas cegas, com visão subnormal
ou baixa visão assina embaixo. Quem não
vê ou vê pouco pode reforçar outras habilidades,
como a audição e o tato. Fruto de uma
especialização em reabilitação
concluída em 1990, no Centrinho, o atendimento a deficientes
visuais começou em 1991 e não parou mais. De
lá para cá, cerca de 900 pessoas de Bauru e
região já se inscreveram para participar das
múltiplas atividades oferecidas, do ensino de braile
(linguagem pelo tato) à estimulação sensorial,
além de orientação sobre mobilidade,
dimensão espacial, apoio pedagógico à
escola regular etc.
A dona de casa Inês da Silva Rosa Alves tem duplo motivo
para comemorar a existência do serviço: Patrícia,
de 11 anos, e Ana Paula, de 9 anos. Irmãs, ambas lutam
contra as barreiras impostas pela deficiência visual,
cada uma a seu estilo. Patrícia é muito
tímida e Ana, comunicativa, relata Inês.
Graças ao Cedalvi, as dificuldades cotidianas
com as meninas foram amenizadas, comenta. Que o diga
Cristiane Rocha Momesso: O desenvolvimento tátil
e o senso de localização melhoraram muito depois
que minha filha passou a vir aqui. A filha, Amanda,
de 10 anos, cega de nascença, se encontra com Suzana
Rabello a cada 15 dias. Difícil é acreditar
que a garota que agora esbanja saúde tenha nascido
de seis meses e meio e com o pulmão ainda em formação,
além do comprometimento visual. As chances de
vida eram poucas, mas superamos, festeja a mãe.
Outra que chama a atenção pela graça
e extroversão é Lorena, de 6 anos, que enxerga
quase nada. Braile é fácil, desdenha,
sorrindo. Difícil foi aprender a andar de bicicleta.
Agora, saio até sem rodinha de proteção
e ergo o banco para dar mais emoção. E
eu que não sabia desenhar, não sabia fazer conta,
não sabia diferenciar formas geométricas?,
participa Bianca, de 17 anos, matriculada desde 23 de outubro
de 1995, uma das primeiras a freqüentar o setor. No outro
extremo está Caio, de 5 anos, que, segundo exames,
tem baixa visão. Trabalhamos forte com ele a
linguagem por meio do tato, a identificação
de objetos por cores fortes, a iniciação à
matemática. A mãe, Luzandira Pereira de
Lira Silva, informa, orgulhosa: Desde um ano e meio,
ele já sabia o que era direita e esquerda. Detalhe:
Caio adora uma escada. É uma criança agitada
e feliz, descreve Luzandira.
No final, todos juntos ensaiam a primeira canção
do futuro coral de deficientes visuais: Adulto é
esquisito e muito complicado/ Vive reclamando e nunca é
culpado/ Acha que criança não sabe de nada/
Não sabe que a gente quer é ser amada./ E a
tarde termina como começou: ensolarada
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