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Esta crise não é apenas de governo, mas de Estado. Portanto, uma simples troca de governo não vai resolver o problema

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Voto facultativo, eleições distritais
e regulamentação
da propaganda
eleitoral são algumas das nossas propostas

 

 




Ninguém exatamente sabe quais serão as conseqüências da atual crise política por que passa o Brasil. Entretanto, uma coisa se evidencia: esta não é uma crise apenas de governo, mas de Estado.

Uma das questões que despertam o interesse das ciências sociais é o tempo de recuperação de um país após um longo período ditatorial. Isso porque uma ditadura desconstrói as instituições políticas, permite apenas a organização de alguns estratos da sociedade civil, deforma a ação dos meios de comunicação, inibe a formação de novas lideranças e cria uma estrutura de Estado com uma configuração jurídico-política favorável aos estratos da sociedade que contribuem para a sustentação do governo. Como conseqüência, abre-se o caminho para a corrupção, que, manifestando-se por anos seguidos, acaba por se tornar cultural.

E essa estrutura, jurídica e politicamente formulada para o favorecimento de grupos, sobretudo econômicos, acaba se inserindo na nova conformação de Estado que se torna imperativa após a restauração do regime democrático.

Tomando-se por referência o ano de 1985, em que se iniciou o período de restauração do regime democrático, até hoje são decorridos 20 anos, e com a passagem pelo governo federal de todas as forças politicamente organizadas da nação: PFL (38 anos – nas fases da Arena, PDS e PFL), PMDB (cinco anos com Sarney e pelo menos mais 15 anos, quando segmentos do partido apoiaram os governos seguintes), PSDB (dois anos com Itamar Franco e oito anos com FHC) e PT (dois anos e meio, na atualidade). E, em todos, observou-se a prática aberta ou camuflada de corrupção, como comprova a idônea organização Transparência Internacional, que afirma que o Brasil nunca superou a avaliação nota 4, em uma escala de 0 a 10, desde que começou a ser feita a coleta de dados, em 1995, legando-nos hoje, no ranking da corrupção, o 59o lugar entre os 146 países incluídos na pesquisa, entre 2002 e 2004.

Daí a tese de que a crise atual não é de governo, mas de Estado. É imperativo que se apure tudo, indo às últimas conseqüências, que podem chegar até ao impedimento do presidente, se necessário, mas que não se acredite ingenuamente, mais uma vez, que uma simples troca de governo, de um grupo político por outro, vá resolver o problema. Um país onde a estrutura estatal permite que se façam eleições como as nossas, que tem uma regulamentação frouxa para o comportamento dos eleitos e dos partidos, que tem um Código de Processo Penal que permite um número insensato de recursos em defesa dos acusados, que faz licitações da forma como são feitas, que tributa na fonte e não na hora do consumo o que se produz, que nomeia em cargos de confiança (apenas federais) cerca de 20 mil correligionários dos eleitos, e muito mais, que a falta de espaço ou de conhecimento não permite abordar – tudo isso liga o combate à corrupção não apenas a ações de governo, mas de Estado, podendo merecer até uma nova reforma constitucional.

Através do site www. observatorio social.com, foi remetida para mais de 30 deputados das mais diversas legendas e para vários jornalistas de renome uma proposta com contribuições para uma reforma eleitoral, em novembro de 2004. Trata-se de uma proposta óbvia, em que, ao invés de se pesquisar como obter recursos para campanhas milionárias (a eleição de um deputado federal por São Paulo custa extra-oficialmente cerca de US$ 1 milhão a US$ 2 milhões), propõe-se fazer eleições infinitamente mais baratas, seguindo exemplos da Alemanha, Itália, Holanda, Áustria e outros países desenvolvidos.

Discute-se freqüentemente, mas sem muita convicção, a questão da reforma política, que já foi chamada “a reforma das reformas”. Entretanto, como será feita pelos próprios interessados – os membros do Congresso Nacional –, com quase toda a certeza ela tangenciará as questões maiores, detendo-se apenas naquilo em que não possa interferir nos interesses dos seus autores. Por exemplo, é quase certo que incluirá o financiamento público das campanhas, fazendo o povo pagar por elas. Mas será que isso resolverá a questão do caixa 2? E as listas partidárias, não tornarão praticamente vitalícios os atuais membros do Congresso Nacional?

Essa proposta parte de duas vertentes. A primeira vertente propõe a conversão do voto obrigatório em voto facultativo, aliás, como já existe em algumas das maiores democracias do mundo. Como participariam das eleições apenas os eleitores interessados, o marketing eleitoral teria de ser feito em bases realistas, menos ilusórias, porque seria dirigido a um grupo social mais consciente. Também seria importante que o voto fosse distrital, em uma modalidade que melhor conviesse ao cenário brasileiro, o que vincularia significativamente mais o eleitor ao seu candidato e valorizaria as organizações da sociedade civil, que, nessa contingência, teriam maior participação nos pleitos.

A segunda vertente refere-se à regulamentação da propaganda eleitoral, com o seu expressivo barateamento, fazendo com que ficassem proibidos cartazes, outdoors, banners, faixas, discos, pintura de muros e congêneres, marketing telefônico, anúncio em jornal, revista ou Internet, presença de artistas em comícios, que se realizariam exclusivamente com candidatos, políticos e líderes de segmentos sociais. Os programas eleitorais gratuitos de rádio e TV seriam mantidos, mas com revezamento de horário entre as emissoras.

Nas campanhas para cargos de exercício parlamentar, seria vedada a participação de candidatos nos programas de rádio e televisão e nos jornais, havendo apenas a divulgação de conteúdos dos programas partidários e de suas propostas para o exercício do mandato. Nas campanhas para cargos executivos, haveria somente gravações com a presença dos candidatos em estúdio e apenas com o uso de recursos audiovisuais simples. Uma vez por semana, haveria debates entre os candidatos aos postos executivos, entre candidatos ao Senado ou entre representantes de partidos políticos, desde que não fossem candidatos.

O Tribunal Regional Eleitoral faria imprimir, com recursos advindos de contribuição dos candidatos, uma publicação, que seria entregue na casa de cada eleitor. Dela constariam: instruções gerais sobre as eleições e sobre como o eleitor faria para votar, uma relação de partidos e seus candidatos, constando em cada uma nome, fotografia, biografia, curriculum vitae, propostas de trabalho e uma mensagem do candidato.

Aos candidatos a cargos legislativos somente seria permitida a confecção de “santinhos” e folders e incentivada a reunião com os eleitores em comícios, organizações da sociedade civil, visitas às residências e atividades congêneres.

A incompletude da proposta é evidente e intencional, para permitir a sua discussão e o seu aprimoramento. Ou fazemos reformas que atinjam a estrutura jurídico-política do Estado brasileiro ou vamos continuar nos iludindo com novos governos e cultivar, por não sei quanto tempo, a falácia de que eles estarão combatendo a corrupção.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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