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os 470 anos iniciais da colonização da Amazônia brasileira, apenas 1% da área foi desmatada. De 1970 a 2005, porém, o desmatamento já atinge 17% da região e a população aumentou de 2 milhões para mais de 20 milhões de habitantes. Ao longo desse tempo, o governo brasileiro deixou de ser o principal indutor de desenvolvimento – através de incentivos fiscais –, sendo substituído pela iniciativa privada. As principais atividades responsáveis pela transformação da Amazônia são a exploração madeireira, a pecuária, a produção de grãos, a extração mineral, a produção de energia hidroelétrica e a prospecção de petróleo e energia. Essas atividades foram incentivadas com a implantação de um complexo sistema viário que cruza a região de norte a sul e de leste a oeste, substituindo e auxiliando no transporte que antigamente só era feito por meio dos grandes rios navegáveis.

Esse quadro atual da exploração econômica da Amazônia brasileira está na edição número 54 da revista Estudos Avançados – publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP –, que será lançada no dia 13 de setembro, às 17h30, na sede do IEA, na Cidade Universitária. Dando continuidade à edição 53, publicada em maio passado com textos sobre a Amazônia, a nova revista traz como destaque o dossiê Amazônia 2, que apresenta 16 ensaios com análises e propostas para a preservação da maior floresta equatorial do mundo. O lançamento da revista terá a presença do diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, Peter Mann de Toledo, que fará a palestra “Estratégias para evitar a perda de biodiversidade na Amazônia”. Estarão presentes também o diretor do IEA, professor João Steiner, e o editor da revista, professor Alfredo Bosi.


Biodiversidade perdida

Conter as perdas da biodiversidade da Amazônia é justamente o tema de um dos artigos publicados na nova edição de Estudos Avançados, assinado por Toledo e outros dois colegas. Segundo os autores, qualquer licença para desmatamento na região precisa ser proibida, tendo em vista que, com a destruição da Amazônia – que em 2004 atingiu 26.130 quilômetros quadrados, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) –, uma porção não-calculada de recursos naturais se perde para sempre.

O artigo cita exemplos concretos para explicar os danos à biodiversidade da Amazônia provocados pelo desmatamento. Estima-se que em um hectare de floresta amazônica podem ser encontradas entre 400 e 750 árvores. Estudo recente mostrou que, na região do desmatamento, o número de árvores em um quilômetro quadrado de floresta pode variar de 45 mil a 55 mil. “Multiplicando-se esses valores pela área desflorestada entre 2003 e 2004, estimamos que entre 1,1 bilhão e 1,4 bilhão de árvores foram cortadas nessa região.”

Mais de mil espécies de aves habitam a Amazônia, que, em um único quilômetro quadrado, registra mais de 245 espécies. Com base em pesquisas sobre o número de aves possível em cada quilômetro quadrado de floresta, os autores consideram que o desmatamento nos dois anos passados pode ter afetado de 43 a 50 milhões de aves. A população de primatas também diminuiu com a destruição da floresta: entre 914 mil e 2,1 milhões de indivíduos de 14 espécies desse animal podem ter desaparecido. “Esses números ilustram quantas árvores, aves e primatas foram perdidos por causa da última onda de desflorestamento na Amazônia e servem para dar uma idéia da magnitude da perda e do desperdício de recursos naturais associados a esse processo”, escrevem os autores. “Se incorporarmos a esses cálculos os outros grupos de organismos, tais como anfíbios e répteis, talvez a perda real seja estimada em algumas centenas de milhões de indivíduos.” Além de proibir licenças para desmatar, o artigo sugere também que o sistema de ciência e tecnologia regional deve ser descentralizado através do desenvolvimento de programas de pesquisa integrados.

Governo militar

“A questão fundiária na Amazônia” é o artigo publicado na nova edição de Estudos Avançados por dois especialistas no assunto, Violeta Loureiro, da Universidade Federal do Pará, e Jax Aragão Pinto, do Instituto de Estudos Superiores da Amazônia, também do Pará. Nele, os autores traçam a história da questão fundiária amazônica, destacando os problemas criados durante a ditadura militar, ainda não resolvidos – entre eles, transferências de terras públicas para grupos privados, favorecimentos, grilagem, fraudes e trabalho escravo.

Até meados dos anos de 1960, as terras amazônicas pertenciam basicamente à União e aos Estados, segundo o artigo. Do total de terras registradas pelo IBGE, 87% constituíam-se de matas e terras incultas, exploradas por milhares de caboclos e ribeirinhos que viviam do extrativismo vegeral e animal, 1% referia-se a pastos naturais, onde antigos fazendeiros haviam assentado fazendas de gado – muitas delas seculares, como as do Marajó e do Baixo Amazonas – e somente 1,8% estavam ocupadas com lavouras, sendo que apenas metade delas possuía título de propriedade privada.

A partir de meados de 1964, o governo militar passou a oferecer vantagens fiscais a grandes empresários e grupos econômicos nacionais e internacionais que quisessem investir na Amazônia. “Muitos empresários não investiram os recursos em novas empresas na região, mas sim na compra de terras para simples especulação futura. Alguns aplicaram-nos em suas empresas situadas em outras regiões do País, e várias empresas foram criadas de forma fictícia”, escrevem os autores. “Outras empresas (como a Volskwagen, o Bamerindus etc.) devastaram grandes extensões de terras cobertas por ricas florestas e transformaram essas áreas em pasto para a criação de gado, desprezando a enorme disponibilidade de pastos e campos naturais. Enfim, trouxeram grandes prejuízos ecológicos, desperdiçaram ou desviaram os recursos públicos colocados à sua disposição, criaram poucos empregos e não trouxeram o prometido desenvolvimento para a região.” Segundo os autores, esse modelo de desenvolvimento da Amazônia permanece até hoje sem grandes alterações, apesar do seu fracasso notório, seja do ponto de vista ambiental, econômico ou social.



Nos últimos 30 anos, o desmatamento atingiu 17% da Amazônia, que teve a população aumentada de 2 milhões para 20 milhões de habitantes


Benefícios

Propostas concretas para o desenvolvimento da floresta estão no artigo ironicamente intitulado “Amazônia: como aproveitar os benefícios da destruição?”, de Alfredo Kingo Oyama Homma, da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa). Homma destaca que a redução dos desmatamentos e queimadas na região depende do desenvolvimento de atividades agrícolas adequadas nas áreas já desmatadas e que tenham mercado. “Nesse sentido, uma política agrícola teria efeitos mais positivos do que uma política ambiental que não pode ser efetuada de maneira isolada das demais regiões do País, sob risco de transferir contingentes populacionais de outras localidades”, escreve. “Há necessidade de elevar a produtividade das atividades agrícolas na Amazônia, reduzir a pressão sobre os recursos naturais com risco de esgotamento, incentivar plantios racionais de recursos extrativos potenciais, substituir as importações de produtos amazônicos versus produtos importados da Zona Franca de Manaus, efetuar a recuperação das áreas que não deveriam ter sido desmatadas e utilizar todo o potencial das áreas já desmatadas.”

Outras propostas e análises igualmente reveladoras encontram-se na nova edição de Estudos Avançados, em artigos como “Forças de transformação do ecossistema amazônico”, “Cenários de desmatamento para a Amazônia” e “Sustentabilidade da pesca na Amazônia”. Há textos que discutem a pesquisa científica na região, como “A cooperação científica internacional na Amazônia”, “A intervenção do ambientalismo internacional na Amazônia” e “A história dos institutos de pesquisa na Amazônia”.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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