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Luise Weiss, Edusp e Imprensa Oficial, 160 páginas, R$ 70,00. O livro será lançado nesta quarta-feira, dia 31, às 18h30, na Livraria da Vila (rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, São Paulo, telefone 3814-5811).

 



C
erto dia tentei lembrar com detalhes (e também representar) o rosto do meu avô paterno. A imagem fluía, a tinta escorria sobre o papel. Notei as dificuldades da memória, as facilidades do esquecimento. Irei esquecê-lo algum dia, completamente? Um levantamento genealógico, com nomes, datas, lugares não preencheria a lacuna aberta: quem era ele? Como eram os outros? Como serei eu? Daí uma busca mais que arqueológica de familiares: fotografias, álbuns, cartões-postais, documentos, desenhos, livros, viagens a Viena, a Munique, roupas. Uma a uma, as fotografias posaram de algum modo como modelos, intensificadas no diálogo com a pintura. Contemplando as fotografias, eu contemplava e ainda contemplo a traição do tempo: eles, tão próximos, entretanto, ilusão... A lembrança faz, certamente, viver ausências.

Nessas ausências, Luise Weiss mergulha em um álbum de imagens. Imagens que a memória faz fluir nas camadas de tinta sobrepostas, nos copos d’água e de mel. Fotografias, desenhos, gravuras e pinturas documentam rostos e contam histórias. Quem será aquela senhora de véu branco, com vestido preto de gola alta? Emerge do fundo preto da tela como se estivesse presa num tempo longínquo. E aquela mulher de cabelo nos ombros, com lábios e unhas vermelhas contrastando com a alvura do rosto? O que esconde aquele olhar sonhador?

Em cada olhar, sorriso, gesto, a arte de Luise Weiss interfere e marca o seu próprio tempo e sentimento. É esse caminho da memória que a artista sugere e oferece no livro Luise Weiss, da coleção Artistas da USP, publicada pela Editora da USP (Edusp) e Imprensa Oficial, que será lançado nesta quarta-feira, dia 31, na Livraria da Vila, em São Paulo. “Estes trabalhos iniciam uma busca visual, realizada como pesquisa de material fotográfico familiar, que é a matéria de minha tese acadêmica”, explica Luise. “Percebi, de pronto, dois movimentos, constantes e contínuos: inicialmente, a visada genealógica, explicitada no levantamento do material visual, em que entabulei um diálogo que, por ser desejado, se evidenciou impossível. Talvez, experiência de um sonho, pregnância de uma fantasia. O momento seguinte é o da convivência com a dor da nostalgia. Nisso, como num labirinto na penumbra, gradativamente imagens revelam-se por instantes.”

Diferente do que Luise havia planejado, o trabalho não surgiu de pronto. Ele foi primeiro se delineando nos meandros da memória. “Declararam-se, simultaneamente, recortes, montagens anotações em álbuns, livros-objetos, pequenos objetos. A pesquisa visual transcorreu como busca de um elo entre o passado e o presente. Mas onde escorre o tempo que não consigo segurar?”

O tempo

O tempo se deixa evidenciar nos modelos dos sapatos, no comprimento dos vestidos, no jeito de pentear os cabelos, nos chapéus, no corte dos bigodes. Um tempo que Luise Weiss vai colorindo com sépia ou deixando se perder nas nuances dos muros descascados, nas superfícies craqueladas. O mar está ali presente. É o cenário para a nostalgia explícita nos olhares, nos gestos. Por exemplo, a moça com a mão esquerda enfeitada por um anel segurando a mão direita. Só aparecem as mãos e, sobre elas, um mar azul.

O mar também representa a viagem dos imigrantes. “Por meio da água vieram, um dia, em navios de imigrantes, os avós de Luise Weiss para o Brasil. Entre seu passado com suas histórias e seu futuro com seus sonhos, havia apenas a água aparentemente infinita e intransponível do oceano, a água como médium, espaço intermediário e meio de transporte”, observa o professor Norval Baitello Júnior, da Pontifícia Universidade Católica (PUC). “O mar e a água se faziam útero do futuro: seus sonhos, temores, incertezas e esperanças navegavam em águas oceânicas. Hoje, a artista Luise Weiss devolve à água os retratos lânguidos e nostálgicos de belas e elegantes figuras, fotografadas com pompa e circunstância, como se as estivesse devolvendo ao seu passado.”

Baitello, especialista em Comunicação e Semiótica; Leon Kossovitch, crítico de arte e professor de Estética no Departamento de Filosofia da USP; e os artistas Evandro Carlos Jardim e Renina Katz assinam os textos do livro Luise Weiss. “Do horizonte largo da memória e do indagar constante com interlocutores aparentemente silenciosos emergem essas figuras essenciais. Matéria-prima de seus desenhos e gravuras e de uma plástica que também serve às expressões da subjetividade”, afirma Evandro Carlos Jardim. “Serenidade afetiva e ímpeto permeiam essa experiência viva com todo o tempo que passa, dos fatos e suas histórias, ao objeto estético deles, conseqüente pelas imposições do gesto, pela densidade da trama e nas iluminações pela cor. Um elo se estabelece entre esse fazer material pleno pela intuição e uma consideração à natureza íntima de todas as coisas. Arte e vida, luz e sombra, penumbra, deslumbrantes, retrato.”

Na avaliação de Leon Kossovitch, “a arte de Luise Weiss não ilustra uma história já escrita, concebe-a”. Ressalta: “Na caixinha, a história da família que lança Luise em obstinada busca de rostos de antepassados para fazê-los reviver em pinturas, gravuras, desenhos, objetos, sobreposições de imagens, gestos que assinalam o limite da demanda: a história privada torna-se universal pela metamorfose da Primeira Grande Guerra”.

Numa carta a Luise (publicada no livro), a artista e mestre Renina Katz faz um estudo delicado sobre o seu trabalho: “Na série de pinturas que vi, da qual você apresenta um recorte expressivo, você se atreve com sucesso a trabalhar o negro, a sombra, os valores intermediários e o branco com qualidade pictórica. Digo isso porque você tem uma bagagem apreciável no universo da gravura e poderia ter se confundido em termos de linguagem. Mas isso não aconteceu e certamente este trabalho constitui uma conquista a mais em termos de representação e domínio de outras linguagens”.

Luise Weiss nasceu em 18 de outubro de 1953, em São Paulo. Cursou Artes Plásticas na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, de 1973 a 1977, onde também concluiu o mestrado e o doutorado. Atualmente, é professora de Desenho e Gravura na Universidade de Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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